64. Éric

91 20 17
                                    


Como assim não vai nos deixar subir?! – praticamente gritei.

O motorista do ônibus continuou me olhando com uma expressão de tédio, e eu tive que me controlar para não brincar de tiro ao alvo com minhas moedas e sua cara.

— Se não pagar a passagem, nem você nem seu amigo podem entrar no ônibus – sentenciou com impaciência.

— Mas só faltam dez centavos! Está mesmo me dizendo que não vai nos deixar entrar por dez centavos?

— Não faço as regras do capitalismo, garoto. Só as cumpro. – E com isso, fechou as portas na minha cara.

O ônibus partiu sem nós e eu fiquei encarando-o em um misto de raiva e incredulidade.

— Ah, qual é?! Dez centavos não fazem tanta diferença assim! – gritei inutilmente, já que o ônibus já tinha sumido de vista. – Quer saber? Eu vou...fazer uma denúncia. É, é isso que vou fazer! Não vou ter pena nenhuma!

Atrás de mim, Miguel falou:

— Éric, quem vai levar a sério uma denúncia pelo motorista só estar fazendo seu trabalho?

Provavelmente ele estava certo, mas minha raiva estava implacável àquela altura. Tudo parecia fora do meu controle, até mesmo pegar um simples ônibus.

Antes de ir, Grey tinha me deixado no comando, mas não levou nem meia-hora para o universo começar a questionar minha autoridade. A começar por Miguel, que simplesmente fugiu do hospital! Pensei em ligar para a polícia, para os bombeiros, o presidente e até a rainha da Inglaterra! Mas antes que pudesse tomar qualquer providência, encontrei o idiota no estacionamento.

— Aonde está indo? – Eu tinha gritado.

— Vender toda essa história insana para alguma revista, ficar milionário, e ser convidado para a Oprah – respondeu. Eu tinha certeza de que ele estava brincando, até acrescentar: — Só assim para conseguir a grana que vou dever para esse hospital.

— Não pode fugir assim! – Mas Miguel já estava fugindo, então essa ordem não teve muita credibilidade.

E quando sugeri que ele devia voltar para o hospital ou para casa, para tomar os remédios (que roubou antes de fugir) e descansar, sua resposta foi:

— Por que não vai se ferrar, Vertes?

É, estávamos presos um ao outro.

O fato é que aquele tinha sido o terceiro ônibus que rejeitava nosso dinheiro incompleto, e eu precisava me lembrar de manter a paz de espírito. Um dos efeitos colaterais dos remédios era o mau-humor – conforme o médico tinha nos explicado – o que significava que Miguel estava trezentas mil vezes mais irritado (e irritante) que o normal. Se eu surtasse, seriam dois desequilibrados lutando para ir de La Jolla à Pacific Beach – as duas praias mais famosas de San Diego.

Me sentei no ponto de ônibus, entre Miguel e um pobre desconhecido que estava tendo que assistir às minhas súplicas – inclusive, tive a leve impressão de que ele deslizou alguns centímetros para longe de mim.

— Pelo menos estamos bem. – Tentei ser positivo.

— Bem? Estamos bem? – Miguel pulou de seu lugar. – Está tudo uma droga! Não fazemos ideia de onde Tessa e os outros estão, tem um palhaço sequestrador à solta por San Diego, a porra do meu braço está quebrado, e não temos dinheiro suficiente para completar duas miseras passagens! – explodiu.

Decepção de verãoOnde histórias criam vida. Descubra agora