39. Tessa e Éric

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Eu corria pelo gramado como se estivesse participando de uma maratona. As pessoas olhavam para mim quando passava por elas, provavelmente se perguntando o que tinha acontecido de tão grave ou tão bom para que uma garota corresse pelo resort só de biquini. Mas elas teriam que perdoar a indelicadeza, porque uma coisa grande realmente tinha acontecido.

Eu tinha lembrado de algo do meu passado!

Subi as escadas do chalé pulando os degraus de dois em dois e agarrei a maçaneta.

— Vocês não vão acreditar! – exclamei já adentrando e fechando a porta atrás de mim.

Estava mais elétrica do que um boi que ingeriu dez sacos de açúcar. Minhas mãos tamborilavam por todo canto e meu peito subia e descia rapidamente, tentando conseguir todo o ar que perdi na corrida até ali. Mesmo assim, ainda sentia como se pudesse dar mais dez voltas em volta do resort.

Após tantos anos, havia me recordado de algo! Não foi através de terapia ou esporte, nem de fotos ou músicas. A lembrança fluíra de forma tão natural quanto água que desce por uma cascata. Foi como se a lembrança sempre estivesse no fundo de um lago, esperando, e com um pouco de agitação na água, ela veio à superfície e eu a agarrei antes que pudesse sumir novamente. De início, estava embaçada, mas aos poucos foi se tornando tão nítida quanto se tivesse ocorrido no dia anterior.

Miguel estava sobre a bancada da pequena cozinha, bebendo algo em uma xicara e olhando para o nada, como se não houvesse um sofá ou cadeiras para se sentar. Normalmente, eu reclamaria. Mas não naquele dia!

— Miguel, uma coisa incrível aconteceu! – falei chegando perto da bancada.

Seus olhos cor de mel se focaram em mim, mas havia algo diferentemente triste neles. O garoto que eu estava acostumada, iria fazer algum comentário sarcástico ou soltar uma piada que normalmente deixaria as pessoas desconfortáveis, mas que quem o conhecia não ia se ofender de verdade.

Seus olhos pareciam sem vida e ele estava quieto. Aquilo não era normal.

Olhei para a xicara em sua mão e perguntei:

— O que está bebendo?

— Chá de camomila – respondeu sem muito entusiasmo.

Suavemente, pus a mão sobre o seu braço, abaixando a xicara.

— Você odeia chá.

— Eu li que ajudava a acalmar – respondeu, e seu tom foi como o de uma criança que pede desculpa por fazer algo errado.

Senti uma pontada no peito ao escutar aquilo. Pus as mãos sobre o balcão de madeira e me ergui, sentando ao seu lado e indo contra os meus princípios de boa educação. Também era contra a "etiqueta da Tessa" usar apenas biquini estando tão próxima de um garoto (ainda que ele fosse gay), mas aquilo não parecia mais tão importante.

— Quer conversar? – perguntei.

Ele virou o rosto triste para o lado, como se não quisesse que eu o olhasse nos olhos. Como se não suportasse a ideia de ser vulnerável. Ficamos em silêncio por tanto tempo que achei que Miguel realmente não diria mais nada. Quando eu abaixei a cabeça, prestes a descer, ele falou:

— Quando eu vim morar em San Diego, esqueci minha vida em Water Falls.

— A sua cidade natal – reconheci.

— É. Não tenho mais nada lá, Tessa – falou em um tom baixo. – Minha mãe e meus irmãos me odeiam.

Tirei a xicara de sua mão e ele voltou a olhar para mim.

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