Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
— Velho caixão a carregar destroços —
Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!Augusto dos Anjos - Solitário
Eu havia despertado daquele torpor com tormento, ainda sem uma reação imediata enquanto olhava para Bóris inconsciente.
Meu pescoço e ombro estavam pulsando em dor agonizante, e com os pingos de suor de sangue misturados á água, olhei para baixo mais uma vez onde eu me mantinha sentado sobre o abdômen de Bóris inerte e de roupas empapadas com meu sangue, sua boca e nariz completamente vermelhos.
Ofeguei tentando me lembrar do motivo pelo qual meus olhos estavam ardendo e vermelhos, o motivo pelo qual eu estava trêmulo e chorando de ódio enquanto observava Bóris piscando os olhos molhados.
Me afastei abrindo seus dedos duros e apertados como os membros de um cadáver a volta de meu pulso e em minha nuca, sentindo dores ao mexer meus ossos, observando Bóris como se ele fosse um animal selvagem quando consegui me sustentar de pé segurando nas paredes do quarto.
Havia algo queimando em minha garganta, e abaixei a cabeça para ofegar, sentindo o incômodo vapor vermelho e ardente dançar para fora de minha boca e narinas, dificultando a respiração que já estava quase impossível.
No meio de todo aquele pânico, foi difícil me lembrar de que eu não precisava respirar.
Levantei a cabeça passando os braços pelas minhas roupas empapadas com meu próprio sangue se colando quente em minha pele ao tempo em que levei os dedos trêmulos para a abertura dos dentes de Bóris sobre meus ombros.
Tocando aquela mistura desordenada e sangrenta em mim mesmo, foi tão ruim quanto dias atrás quando meus intestinos caíram de minha barriga por conta da mordida daquele ghoul.
Abri a boca para grunhir e contorcer o rosto em uma careta de dor quando minha mão inquieta tocou os músculos abertos de meu ombro. Sabia que o osso branco da clavícula estava explícito mesmo que eu não quisesse ir até o espelho para conferir.
Eu havia perdido muito sangue, mas não estava me sentindo fraco, meu corpo parecia muito mais revigorado do que quando eu havia entrado no coliseu, mas era difícil pensar nas possibilidades do motivo, então apenas joguei toda a culpa para minha mente inventando coisas por conta da dor excruciante que não me permitia levantar o braço cujo ombro fora mastigado.
Eu queria gritar, porém comprimi toda a voz e pânico para um rosnado baixo e sussurrante junto com um forte suspiro enquanto engoli em seco.
Ainda saía sangue daquela ferida ascosa, e com os dedos violentamente trêmulos enquanto minha mente ainda estava fora daquela realidade sem pensar direito em tudo que havia acontecido, comecei a jogar as gavetas no chão com o braço bom procurando algo para amarrar em meu ombro e impedir que mais sangue saísse. Quando não encontrei nada além de uma camisa nova, arranquei a minha própria e a rasguei em pedaços longos para depois amarrar em meu ombro aberto, segurando uma ponta entre os dentes e enrolando a outra apertada à volta daquilo. Rangi os dentes ao levantar os braços para vestir a nova roupa negra que Peregrin havia dado, finalmente cobrindo todo aquele emaranhado de músculos abertos.
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O Vampiro e o Romani - Livro O1 {CONCLUÍDO}
VampireOrfeo é um vampiro solitário, vaga pela terra há quase dois mil anos apenas com os próprios demônios, quando como em uma luz no fim do túnel, acaba conhecendo um humano enfermo á beira da morte. Sucumbido pelo egoísmo e pela dor de perder sua única...