Capítulo 38. Casca e Recipiente - Parte 03

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Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.
Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.
Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento,
Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão...
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.
Machado de Assis


Eu estava acabando de costurar e ajustar algumas peças de roupas minhas para que Damian pudesse usá -las. Ele se mantinha sentado na cadeira em minha frente, segurando a cabeça com a mão sobre minha cômoda, olhando para o fogo da vela com uma expressão descontente por eu tê-lo obrigado a ir comigo até Amiens aquela manhã depois da noite passada onde a aparição de Sombra me havia revelado onde Bóris estaria.

- Por que eu não posso ficar aqui? - Me perguntou pela milésima vez aquele dia. - Eu não quero me encontrar com mais daquelas coisas podres. Se eles comeram você, o que vão fazer comigo?

- Não haverão Ghouls no caminho de onde iremos. Amiens é como se fosse um ninho de vampiros, eles praticam todo o tipo de depravação naquele lugar. - Falei depois que observar se a roupa estava realmente ajustada, colocando-a em frente ao seu corpo para observar o tamanho. - Aposto que deram um jeito para que Ghouls não atrapalhem seus negocios.

Damian coçou os olhos ainda resmungando algo como estar com sono.

Olhando para meus dedos, percebi que os formigamentos sobre minha pele ainda estavam intensos, como se Carmilla ainda direcionasse toda a sua força para mim, mesmo estando longe, mesmo adormecida ela conseguia controlar o fluxo de energias do nosso Laço.

Me perguntei como todos estavam dentro daquela cúpula.

- Por que vamos até Amiens? - Ele perguntou segurando a camisa e o sobretudo novo que entreguei.

- Vamos resgatar um amigo. - Falei lhe entregando a cartola. - Pare de falar e vá se trocar.

Ele revirou os olhos antes de sair do quarto, esbarrando em Jade que abria a porta bruscamente, recebendo um olhar fuzilante da mulher e se encolhendo ao se distanciar.

- Por que tanto barulho? Você sabe que todos ainda estão dormindo? - Ela perguntou entrando e pegando um dos dedais no chão. Jade tinha olheiras fundas como se não dormisse por vários dias.- Por que está costurando?

Eu contei a Jade tudo que havia acontecido em detalhes na noite passada, e ela pareceu se surpreender quando lhe falei sobre Sombra me pedir desesperadamente para que tirasse Bóris de Amiens.

- Você tem uma ideia de quem possa ser essa mulher e a ligação dela com Bóris? - Jade olhou para cima pensando.

- Mesmo que sejamos do mesmo clã de Bóris, não tivemos muito contato com a história dele como Diego teve. Diego o conheceu quando ele era pequenino, nós não. - Ela suspirou. - Diego é o único vivo que sabe sobre o clã originário de Bóris e sobre as coisas que aconteceram á eles. Soube que foram coisas terríveis, por isso ninguém fala nada.

- Coisas terríveis? - Perguntei.

- Sim, terríveis. - Cruzou os braços e se recostou sobre a parede. - Bóris não fala nada sobre seu passado, e mesmo que tivessem uma relação difícil, Diego também não se atrevia a dizer o que havia acontecido. Mas... há boatos. - Levantei a sobrancelha incitando a que continuasse. - São apenas fofocas, duvido que elas sejam verdade.

- Por exemplo... - Levantei as mãos abertas para que ela falasse, já impaciente.

- Diziam que Bóris era um demônio, e por isso a maioria do clã não tinha muito contato com ele. Falavam isso porque depois que ele chegou até nós, esta mulher que você me descreveu começou a nos seguir como um cachorro, e coisas como ela também nos assombravam. - Jade soltou a ar pela boca. - Não pense muito sobre isso, é besteira. Se concentre em conseguir um modo de trazê-lo. Ao menos sabe onde ele está?

O Vampiro e o Romani - Livro O1  {CONCLUÍDO}Onde histórias criam vida. Descubra agora