"Dor, saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam..És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corpúsculos mágicos do tato
Prendo a orquestra de chamas que executas...E, assim, sem convulsão que me alvorece,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!"Augusto dos Anjos
As paredes do quarto em que eu acabava de despertar eram de tapeçaria dourada, e adornadas por majestosos arabescos negros de vários formatos diferentes. A tinta clara e cintilante refletia as luzes das centenas de velas que iluminavam o local, como se o aposento fosse feito com milhares de moedas de ouro, uma decoração portentosa e rica. Haviam montes de livros que cobriam a cabeceira da cama de madeira maciça juntamente com os quadros, centenas de quadros vivazes revestidos por molduras delicadas, compondo paisagens suntuosas, e explosões de cores que revelavam comidas, florestas, sexo, a personificação da morte e pessoas mortais em suas atividades diárias, como mãos moldando massa de pão.
Me levantei rápido, puxando o tecido de meu novo roupão para cobrir os braços do frio imaginário que sentia. Passei as mãos pela porta, puxando a maçaneta que não se movia. O desespero se apossou de mim quando constatei que meu corpo estava débil ao tentar arrancar a fechadura da porta com minhas habilidades, que se mostravam tão inúteis quanto meus dedos trêmulos. Temi que Mephistófeles estivesse sendo mais uma vez um completo facínora, e fosse ele o motivo de minha permanência naquele quarto.
- Está sendo deselegante, querido. Por que eu o trancaria? - A voz grave partiu de trás de mim. Suspirei antes de virar e observar a figura sentada na cama, folheando um livro qualquer. - Você nem ao menos me cumprimentou.
Levantou seus olhos amendoados, paralisando-me no local. Contrariando minhas expectativas, sorriu de modo adorável, mostrando pequenas covinhas em seu rosto anguloso com a pele que me lembrava as areias do deserto. Os cabelos negros caiam ao lado da cabeça inclinada, segurando o queixo em suas próprias mãos.
Palavras não podem ser ditas sobre o quanto fiquei abrandecido ao averiguar que aquele vampiro não era Mephisto.
- Não foi isso que ouvi falar de você, Domitius. - Voltou a folhear os livros com sua expressão decepcionada. - Disseram-me que era tão culto...
- Sinto muito, Primeiro Ancião. - Falhei no meio da frase. - Não foi essa a minha intenção.
- Não, não me trate com tanta formalidade, querido. - Finalmente deixou o livro na estante e olhou para mim novamente, com seu sorriso que me transmitia paz. - Me chame de Baltazar.
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O Vampiro e o Romani - Livro O1 {CONCLUÍDO}
VampirOrfeo é um vampiro solitário, vaga pela terra há quase dois mil anos apenas com os próprios demônios, quando como em uma luz no fim do túnel, acaba conhecendo um humano enfermo á beira da morte. Sucumbido pelo egoísmo e pela dor de perder sua única...