"Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és.
Saiba eu com que te ocupas e saberei
também no que te poderás tornar."
Johann Goethe
O som melancólico que os meus dedos em contato com os teclados do piano de madeira proporcionavam aos meus ouvidos, me faziam sentir mais angustiado a cada segundo que se passava. Imaginava a dor, o frio, a solidão e o trauma que que Bóris estava enfrentando naquele momento e meu único refúgio era afundar ainda mais os dedos nas teclas de marfim, sem fazer absolutamente nada, preso em uma espécie de tabuleiro, como uma peça do jogo de Mephisto.
Senti algo quente descer de minhas narinas, levei o indicador ao local e observei a substância vermelha e pegajosa escorregar de minhas cavidades nasais, logo depois os meus olhos nublaram, deixando minha visão rubente e minha cabeça latejante. Ah, era aquele o sinal de que eu não havia dormido três dias inteiros.
Estávamos no pôr do sol, e podia ouvir o ranger dos caixões de pedra se abrirem conforme a luz do dia morria, esperando Mephisto, que estava com posse sobre a chave do calabouço de Bóris. Quis matá-lo exatamente no momento em que revelou o paradeiro do cigano e me impediu de resgatá-lo, questionei o motivo e ele apenas sorriu de maneira divertida.
Quando criei Mephisto, queria que ele fosse como eu, construiria um vampiro com meu sangue e a minha própria imagem, como Deus criou a humanidade; Um companheiro para a eternidade, cujo sentimento de afeto nunca abandonaria nenhum de nós. Mas eu errei em achar que Mephisto seria como eu, também errei em dar-lhe meu sangue de maneira desesperada e cego pelo amor que sentia, sem conhecer todos os seus lados.
O Mephisto de outrora, com seus olhos acinzentados e eufóricos e cabelos de querubim, agora era apenas uma casca, uma pele lisa que guardava uma fera forte demais para ser contida. Não era mais o garoto que eu conhecia, embora muitas vezes veja alguns resquícios de minha querida e nostáugica paixão.
Odeio o fato de que eu não pudesse fazer nada, de que eu tivesse que permanecer submetido às cobiças tolas de minha cria. Chega a ser vergonhoso.
Desviei o corpo, dando as costas ao piano, e me encaminhando a saída dos aposentos de Mephisto, cujo cheiro me lembrava a precedência de minha querida e inalcançável morte. Espantei esses pensamentos tolos e fui surpreendido com os olhos frios novamente em minha frente, impedindo meu contato com a porta, por onde ele havia acabado de entrar furtivamente.— O que quer dessa vez? Minha promessa não foi o suficiente para você? - Tentei me desviar, mas meus braços foram imobilizados por seus dedos firmes e estranhamente fortes. - Me deixe ir!
— Não irá agora. - Apertou as unhas contra minha carne, de forma a abrir feridas e o sangue escorrer. - Irá caçar comigo antes, como nos tempos mais antigos.
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O Vampiro e o Romani - Livro O1 {CONCLUÍDO}
VampirOrfeo é um vampiro solitário, vaga pela terra há quase dois mil anos apenas com os próprios demônios, quando como em uma luz no fim do túnel, acaba conhecendo um humano enfermo á beira da morte. Sucumbido pelo egoísmo e pela dor de perder sua única...