Capítulo 24. Oh, Patrícia...

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"As estrelas são bonitas, mas não podem tomar parte ativa seja no que for, devem limita-se apenas a olhar. É um castigo por qualquer coisa que fizeram à muito tempo, e de que nenhuma delas se lembra."

PETER PAN, J. M. Barrie

Estava chovendo.

A água caía dos céus com tamanha força, que imaginei ser uma punição. As folhas das árvores e arbustos tremiam. Mas que tipo de entidade divina puniria aquelas pessoas no estado em que estavam? Não podia ser alguém bom, misericordioso ou nada parecido com isso.

Todos os poucos humanos que andavam conosco, estavam humildes em seus corpos frágeis, segurando o que conseguiam transportar, sendo a maioria das coisas, comida seca e água fresca. Amapola, antes de seguirmos a estrada, abriu diversas gaiolas com corvos, e alguns deles voaram para longe, porém sua maioria optou por nos seguir, alguns pousados em seus pequenos ombros e no alto de sua cabeça.

Lembrei de um brilho familiar naqueles olhos negros e nos bicos lustrosos. Aqueles eram os corvos que dilaceraram as costas de Baltazar. Bem, Baltazar... aquele vampiro que deveria nos ajudar acima de qualquer outra coisa, virou-se sem hesitar e nos deixou á própria sorte.

Oh, não adiantaria remoer ressentimentos, estava firmemente convencido de que muito provavelmente não nos encontraríamos novamente. Achava que Baltazar estava morto, pois mesmo que fosse poderoso, ele não seguiria em frente sem Benji, ou sem aquela menina que não soltava dos braços. Confesso que sentia falta de seu modo engraçado de falar e as provocações intermináveis entre ele e Sebastian.

Sebastian estava sendo carregado por Cleo, que ficou todo o trajeto calada desde que deixamos o corpo enterrado de Ettore, e comecei a achar que o loiro estava conformado com o abandono, que havia sido morto enquanto era consumido pelo medo de Ghouls ou que talvez estivesse calculando uma trajetória objetiva o suficiente para chegar até nós.

Depois do que havia acontecido, de que os ciganos haviam sido assassinados, tivemos que nos desviar do caminho que nos levava ao porto, e fazer um contorno do meio da estrada, pois Cleo e eu constatamos que havia um cheiro de sangue naquela parte da floresta.

Então bem, haviam se passado dois dias desde que nos separamos dos outros. Nesses terríveis dois dias, aquela voz não me deixava em paz.

- Orfeo - Cleo me chamou, puxando a pequena carroça que levava Sebastian sentado, pois não conseguia andar de tanta fraqueza. Ele reclamava a todo tempo que havíamos acordado ele com sangue de baixa qualidade, era o que ele dizia sobre sangue de servo.

Cleo tinha o cabelo mais longo do que antes, e perfeitamente brilhantes, cacheados escorrendo por suas costas e ombros. Não parecia que estávamos há tempos fugindo de monstros e protegendo crianças em uma floresta debaixo de chuva. Ela estava digna da aparência de uma rainha.

- As crianças não aguentam mais andar, os adultos também não. O chão está muito gelado para seus pés. - Ela continuou.

Me senti envergonhado por não me lembrar disso, e apesar de que estivessem calçados, a água da chuva ainda havia alagado a estrada que estávamos, o que era ótimo para dificultar o faro dos Ghouls que quisessem nos seguir, porém a friagem entrava nos sapatos.

- Mas nós não podemos parar aqui. - Respondi baixo.

- Nós não podemos parar. - Disse uma mulher chegando perto de nós, carregando um dos corvos de Amapola nos dedos . - Não importa o que aconteça, não vamos parar. Não é uma chuva que vai nos derrubar.

Sebastian a olhou caminhando conosco, com a boca semiaberta e as presas arranhando os lábios inferiores. Sussurrou baixinho de que não gostava da atitude superior daquela moça, e que, se tivesse poderes o suficiente, convocaria um dilúvio para afogá-la.

O Vampiro e o Romani - Livro O1  {CONCLUÍDO}Onde histórias criam vida. Descubra agora