pera, que?

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Após a primeira visita, ir até a casa da psicóloga havia se tornado um hábito para Gizelly. Agora as mulheres iam uma na casa da outra todo final de semana, sendo que já estavam nessa dinâmica há quase um mês. Viam filmes, séries, programas de TV aleatórios, jogava baralho, brincavam de stop — também chamado de adedonha pela contadora —, brincavam, cozinhavam, até haviam tentado pintar quadros uma vez, embora não tivesse dado muito certo. As duas mulheres tinham ótimos momentos juntas, e a cada dia que passava elas ficavam mais íntimas.

Pra muitas pessoas intimidade tem a ver com sexo, mas para Marcela o relacionamento de parceria e confiança que ela e a morena estavam construindo era muito mais íntimo do que os que ela já havia estabelecido com qualquer outra pessoa com quem já havia transado. Pra muitas pessoas o sexo é sagrado, mas para a loira sexo era apenas sexo.

A psicóloga dava muito mais importância para conversas, para o olho no olho, até mesmo para o silêncio, do que para o sexo. Sexo era algo fácil de se conseguir, de certa forma. Não havia burocracia envolvida. Se ela quisesse transar, era só chamar um de seus contatinhos — isso antes do namoro, é claro — e sua noite estava feita. Agora estabelecer uma ligação com alguém, uma ligação de verdade, isso leva tempo. Leva tempo, esforço e paciência. Realmente conhecer alguém, todas suas dores e alegrias, isso sim era ser íntimo. A intimidade está em desnudar a alma, não o corpo.

Lógico que a loira gostava da parte de se ter relações sexuais, mas não era algo que lhe fazia falta em seu relacionamento com a morena. Por vezes o tesão batia, isso sem dúvidas, mas nada que ela mesma não conseguisse resolver sozinha. Aquele namoro com Gizelly estava fazendo Marcela descobrir que conhecer alguém antes de levá-lo pra cama era tão interessante quanto tirar as roupas e perguntar o nome da pessoa depois, talvez até mais. De certa forma, tornava o sexo mais íntimo do que ela costumava considerar.

Gizelly estava menos noiada com a questão das relações sexuais também. A aquela altura do campeonato a morena já sabia que Marcela respeitaria seu tempo, assim como sabia que não precisava temer ser trocada.

Sexo continuava sendo um assunto não tocado pelas duas, mas pelo menos a tensão em torno dele havia se suavizado. Afinal de contas, ambas as mulheres tinham preocupações maiores ocupando suas mentes. Infelizmente, para a contadora, uma nova preocupação lhe esperava naquele dia.

Há algo muito curioso a respeito da vida e seus altos e baixos. Tem aqueles que acreditam que ela sempre busca um equilíbrio, ou seja, o topo será sempre proporcional ao quão baixo você chegará em seguida – o que torna muito evidente o sentido da frase "quanto mais alto o vôo, mais dura a queda". Outros crêem que se há mais pontos baixos que altos, que a vida é feita de sentimentos ruins e, vez ou outra, a felicidade chega para dar uma animada. Há ainda os que crêem na beleza do viver e que evitam ao máximo o fundo do poço, fogem da tristeza como o diabo fogem da cruz e tentam sempre manter o pensamento positivo.

Não importa qual desses você seja, o equilibrista ou o otimista, a única certeza que temos é a de que a vida não é linear, muito menos monótona. Talvez essa seja a graça, a inconstância. Talvez a beleza esteja no fluir, no devir do sentir. Quem sabe? Quem pode dizer?

Gizelly já havia sido todos os sujeitos possíveis, ido do pessimismo ao otimismo num intervalo de semanas, portanto se existisse alguém com um bom panorama sobre qual era o melhor jeito, essa seria ela. Infelizmente, a única conclusão ao qual a contadora havia chegado era a de que a vida era, pasmem, orgânica. Não se podia ser analisada por métodos científicos ou cálculos matemáticos. Como o próprio nome já diz, a vida vive. Ela pode ter sempre o mesmo começo e o mesmo fim, porém o que acontece no meio é totalmente imprevisível. Então, a morena havia decidido apenas viver. Sem expectativas ou previsões, apenas ir com o momento.

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