Iriam se completar três semanas desde que a contadora havia posto seus pés na clínica pela última vez. A última consulta havia sido muito intensa pra morena, ela precisava de tempo pra se recuperar.
Foram três semanas muito conturbadas para a contadora.
Assim como na sessão, o pranto a acompanhou pelas noites que seguiram aquela fatídica quarta feira. Chorava de angústia, raiva, dor, arrependimento, de tudo e por tudo. As vezes era um choro discreto, não passava de singelas lágrimas contornando os traços de seu rosto, as vezes um choro compulsivo, daqueles que te deixam até com falta de ar. Nesses citados por último ela tentava extravasar tudo que tinha em si, e quando sentia que não tinha mais forças para continuar, ela recorria ao exercício de respiração ensinado pela psicóloga. A morena imaginava a voz doce da loira em sua cabeça, fazendo a contagem com toda a calma do mundo – e quando tinha os olhos cerrados, por vezes, conseguia visualizar os olhos castanhos da médica lhe passando paz.
A ficha de que ela não mudaria finalmente caiu. Ela não deixaria de se atrair por mulheres. Não deixaria de se imaginar com elas. Não deixaria de pecar. E isso machucava.
Por que me criou pra pecar, meu Deus? Se queres que eu siga sua palavra, por que o senhor me fez assim?
Esse foi um dos muitos pensamentos que assolaram a contadora durante aquele período. Qual o ponto de se colocar alguém no mundo que não poderá lhe satisfazer? Por que fazê-la lésbica, se homossexualismo é pecado? Na cabeça da morena não fazia sentido. Parecia apenas uma condenação eterna, não ser capaz de seguir a palavra porque o criador havia a feito errada. Ela se sentia como uma peça defeituosa.
A contadora questionou a Deus por que ele estava fazendo ela passar por tudo aquilo. Por que de tanta dor, dúvida, medo, angústia e sofrimento. Por que?
Ela se culpou, então culpou a ele, então retornou a culpa a si mesma e por fim decidiu que a culpa era de tudo e todos, o que fazia ninguém ser culpado.
A psicóloga, por sua vez, nunca estivera tão preocupada com um paciente antes. Gizelly ter sumido após aquela consulta tão difícil era preocupante, e a loira não podia deixar de temer pelo pior. E a pior parte era que a loira sentia-se culpada. Se ela não tivesse se metido naquela conversa nada disso teria acontecido, a morena não teria de passar por tudo que ela está passando e nem ela passaria noites viradas pensando numa paciente.
Por mais que a médica soubesse que a fase de dor era necessária para a contadora conseguir se aceitar, ela não podia deixar de se sentir mal.
Toda quarta feira, durante as três semanas, a psicóloga fazia alguma coisa para prender a atenção da morena caso ela aparecesse. Na primeira semana ela mudou o lugar dos post-its. Na segunda, ela foi um pouco menos discreta e retirou uma das bandeirinhas de dentro de sua caneca de canetas. Na terceira, ela pendurou um calendário com detalhes vermelhos ao lado dos dois armários de fichas. A cada semana que se passava sem a morena ir ali, uma parte sua murchava. Na terceira semana ela chegou até a estender um pouco seu plantão, esperançosa de que a mulher pudesse dar as caras, mas no final foi ela quem acabou dando de cara com a parede.
Na quarta semana a psicóloga, já mais desanimada, voltou a primeira ideia que era trocar os post-its de lugar. O dia era tranquilo e ela tinha um grande vão de tempo entre consultas, então esperava que Gizelly aparecesse tanto em seu horário rotineiro quando nas horas vagas de sua agenda.
E assim a psicóloga esperou. E esperou. E esperou.
Passou-se a parte da manhã, quando se deu conta já estava em seu horário de almoço e nem sinal da contadora. A loira saiu, comeu, voltou, e esperou mais. Passou-se a hora do café da tarde, e quando se deu conta já era hora do jantar. Olhou em seu relógio de pulso e seu horário de atendimento já estava no fim, só faltava mais meia hora. A psicóloga bufou, frustrada, e começou a arrumar sua mesa. Colocou os post-its em sua posição original, devolveu a bandeirinha rosa, amarela e azul à caneca e retirou o calendário da parede. Gizelly não apareceria, e ela fazer tudo aquilo só pra chamar sua atenção de alguma forma era ridículo.
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my favorite sin
FanfictionHá muitas concepções do que se é certo e do que se é errado. Pra certas religiões, o pecado representa as ações que podemos vir a cometer e que não são corretas, não são decentes ou adequadas. Para Gizelly, seu maior pecado era gostar de mulheres. A...