qual seu sonho?

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Uma coisa interessante sobre rodoviárias - ou aeroportos, ou qualquer outro espaço de viagens - é que eles tem uma atmosfera própria. É como se o tempo lá passasse de forma diferente, não mais rápido ou mais lento, mas diferente. São lugares de afeto. Não que sejam lugares receptivos ou confortáveis, longe disso na verdade, mas são espaços em que indivíduos se juntam para demonstrar cuidado. Seja buscando alguém na rodoviária ou levando alguém ao aeroporto, ambas dessas ações são motivadas pelo zelo para com o próximo. As lágrimas de amantes se despedindo ou de famílias se reencontrando, os sorrisos de amigos de longa data e os de estranhos que se conheceram num vôo Rio - São Paulo, todas essas emoções se encontram aglomeradas entre as malas e filas de pessoas esperando por seu momento de partir. Partir ou chegar. A ansiedade misturada com melancolia, ou com felicidade, uma poesia do dia a dia que se camufla na forma de rotina na obra de arte que é a cidade.

Poucas pessoas andavam pela rodoviária naquela manhã, de modo que as concentrações de indivíduos se encontravam próximas aos ônibus que estavam prestes a deixar o terminal. Mesmo assim, a atmosfera permanecia a mesma.

- Quando você volta? - Pergunta Gizelly, carregando a mala de sua mãe do porta malas do carro até a calçada.

A hora da partida de dona Márcia finalmente havia chegado e, por incrível que pareça, a contadora estava achando que os dias tinham passado rápido demais. Haviam os contras de ter a mulher ali, sem dúvidas, mas passar aquele tempo com sua amiga de anos era um prazer que a cidade grande não lhe oferecia.

- Quando você me chamar. - Respondeu a mulher mais velha brincando. - A pergunta é: quando você volta?

- Vamos deixar as duas perguntas com um status indefinido então? - Pergunta Gizelly fugindo e fazendo a mãe rir.

A morena fecha o porta malas e para em frente à sua mãe. O Sol despontava a leste, ainda meio tímido por conta do horário.

- Foi muito bom te rever, filha. - Diz Márcia sorrindo.

- Gostei de te ter aqui, mãe.

As duas se abraçam apertado e mantêm o contato o máximo que podem, querendo aproveitar cada segundo que tinham juntas sobrando.

- Tchau, Gizelly! - Fala a mulher pegando as malas e se afastando da filha.

- Tchau mãe!

Márcia segue em direção à rodoviária e a morena volta para seu carro. Ela tinha de trabalhar.

O trajeto até a empresa é tão rápido quanto o trânsito de São Paulo pela parte da manhã permite. Um lindo tom laranja estampava o topo da capital, sinalizando que a noite havia acabado de vez e o Sol estava prestes a tomar o controle dos céus. A contadora usa aqueles minutos sozinha pra refletir sobre o que ela iria fazer agora que sua hóspede havia a deixado, aproveitando sua própria solidão enquanto a voz de Djavan embalava seus pensamentos.

Uma coisa que o ser humano quase sempre está procurando, mesmo que sem perceber, é a paz. Se não com o mundo, consigo mesmo. Paz nos relacionamentos, paz em casa, paz na cidade, paz. Mas o que é a paz no final das contas? Um estado? Um substantivo? Uma relação? Talvez tudo que foi citado? Talvez nada? O conceito de paz varia muito dependendo de quem responde. Do bélico ao espiritual, o único ponto de consenso é que a paz deve ser algo bom, que traga satisfação. Não importa o seu entendimento dela, o que importa no final das contas é que ela faça bem, que ela traga o bem. Para Gizelly, estar em seu carro ouvindo baixinho os versos de músicas que já lhe eram familiares e escutando os sons da cidade era estar em paz. Estar de bem com sua mãe e consigo mesma, talvez pela primeira vez desde a morte de seu pai, era paz. Saber que tinha a vida inteira pela frente, uma vida que ela havia descoberto que poderia ser mais do que feliz, isso era mais do que estar em paz. Para a contadora, paz era viver - e talvez essa fosse a maior diferença entre ela e sua mãe.

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