afim de dançar

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Semana após semana, consulta após consulta, o tempo ia passando assim como o desenrolar de uma fita, desfazendo os nós e criando laços. Seis meses haviam se passado desde o começo do atendimento da contadora, e nesses seis meses Marcela havia tido o prazer de ver uma Gizelly carismática e extrovertida florescer da Gizelly introspectiva e fria. A loira viu o bege se transformar em vermelho, a dor em cicatriz e o ataque em afago. A contadora, por sua vez, conseguiu ver em si mesma uma Gizelly que ela não via há mais de dez anos, uma Gizelly que ela nem sabia que sentia falta de ser. Não era exatamente a Gizelly de antes da morte de seu pai, porém conseguia ver traços da menina que um dia foi em si mesma agora.

O que começou como uma tentativa da morena de se libertar de seus pecados terminou como uma libertação da dor com a qual ela não sabia lidar.

Até dona Márcia havia percebido que sua filha estava mais feliz, como se as nuvens que cobriam seus olhos tivessem se dissipado e levado as sombras que perseguiam a contadora embora. A dedução da mãe era de que ela havia se libertado do pecado por meio da terapia de conversão. Mal sabia ela que tudo que sua filha precisava naquele tempo era de um amigo e uma ajuda profissional. Não havia pecado algum, apenas traumas a serem tratados e preconceitos a serem quebrados. Sua filha estava doente, de fato, mas não do jeito que ela imaginava.

Os almoços juntas pós consultas se tornou um hábito para as duas amigas, ainda mais depois que descobriram um restaurante próximo a clinica. A única coisa que elas não esperavam é que, quanto mais próximas uma da outra, mais proximidade elas iriam querer. A intimidade foi crescendo com o tempo, mas assim também foi a tensão. Os sonhos da contadora eram cada vez mais provocativos, de modo que acordar se tornava frustrante, ainda mais quando os sonhos aconteciam nos dias de atendimento pois a morena sabia que veria a loira e nunca iria poder concluir os cenários que sua cabeça havia criado. 

Marcela não sonhava, mas não negava a si mesma o quanto Gizelly a atraia. A morena era bonita, inteligente e engraçada. Marcela não podia com mulheres engraçadas. Em suas próprias palavras "mulher engraçada é uma desgraça, porque você começa rindo e quando vê já tá na cama dela". O que tornava a situação ainda pior pra psicóloga era saber que nunca teria a contadora de maneira alguma, muito menos em sua cama. Gizelly era um objetivo impossível, e isso só a tornava mais tentadora.

Era um sábado a noite e Marcela estava terminando de se arrumar para sair. A loira e seus amigos iriam a uma balada, a seu contragosto, porém ela não tinha outra escolha. Todos estavam preocupados com o fato de que a psicóloga não ia a uma balada desde que havia terminado seu relacionamento, e considerando que a loira adorava festas, eles não estavam tão errados em se preocupar. A verdade é que a loira havia perdido o ânimo para festas, porque todas lhe lembravam sua ex. Em fato, era difícil achar algo que não a lembrasse de Bianca. Porém, naquela noite, lembrar era a última coisa que Marcela queria.

No outro lado da cidade, Gizelly lutava contra o zíper de seu vestido preto. A morena não tinha muitas roupas de festa, então tinha de se virar com pouco. A contadora também planejava ir em alguma boate naquela noite, porém iria sem companhia. Ela queria, de uma vez por todas, acabar com a ocorrência dos sonhos. Havia decidido tentar ficar com alguma mulher pra ver se tirava a loira da cabeça. Era um movimento arriscado e ela estava mais do que nervosa, mas a morena já estava ficando sem recursos. Ver Marcela toda semana e lembrar dos sonhos estava a enlouquecendo. Não era como se ela encarasse a psicóloga como um pedaço de carne em 100% do tempo, mas sempre que a morena baixava a guarda ela se pegava observando os lábios da loira morrendo de desejo. Aquilo acabaria aquela noite.

Gizelly calça um salto prateado e pega sua bolsa, logo se dirigindo até seu carro. O caminho até a balada foi silencioso, porém os pensamentos presentes na cabeça da morena eram capazes de tornar o ambiente barulhento. A cada retorno e esquina pela qual passava,   a contadora sentia-se tentada a virar, tentada a desistir e voltar até sua casa. Se havia conseguido aguentar os sonhos até ali, ela poderia aguentar por mais tempo, não é mesmo? 

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