sem lágrimas

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AVISO DE GATILHOS: Luto, morte de pessoas próximas.

Oi gente! Pensei muito antes de postar esse capítulo por diversos motivos, mas infelizmente essa é uma situação que eu não poderia deixar de retratar no arco da Gigica. Deixo avisado os possíveis gatilhos. Para quem não quiser ler o capítulo (por conta do luto etc), deixarei um breve resumo no final contando os fatos.


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Existem momentos na vida em que o chão parece desaparecer e o que antes era tão concreto sob seus pés se torna nada mais do que uma lembrança, uma recordação de uma segurança que provou sua efemeridade.

A contadora sentia que estava andando sobre as nuvens nos últimos meses. Ela tinha seus momentos de tristeza, obviamente, mas sua paz não era mais abalada. Nada conseguiria abala-la naquele ponto. Até que choveu. E ela caiu. Mais que cair, tempestuou.

Ali, aos pés do caixão, ela deixou-se trovejar.

Ela sentia que havia acordado de um sonho, mas em vez da lucidez se viu caindo num pesadelo. Um pesadelo pesado demais para ela lidar sozinha. Então foi aí que ela começou a pensar em todas as pessoas que entraram em sua vida nos últimos meses: Marcela, Luiza, Enzo, Ivy, Jeferson, Júlia, André. Todos eles tornavam aquilo mais suportável, mas não menos dolorido, isso nunca.

Perder sua mãe não tinha como ser menos dolorido.

Uma parte sua tinha raiva de perde-la agora que estava tudo indo muito bem, e a outra não podia deixar de ser grata por pelo menos tê-la deixado partir sem guardar nenhum tipo de rancor ou mágoa.

Na viagem de carro até Borá, a caminho do funeral, Gizelly lembrou-se de todos os momentos que passou com sua mãe. Os bons, os ruins, as risadas, os choros, as alegrias, as raivas. Elas tinham passado por tanto juntas, superado tanto juntas, e a partir dali seria só ela. Não teria a mulher que sempre esteve ali, por bem ou por mal. Mesmo que por caminhos tortos, Márcia sempre quis o melhor para a contadora.

Não pode deixar de pensar que, antes de partir, sua mãe ao menos garantiu que ela tivesse uma família com quem contar.

André estava de pé ao seu lado, fazendo carícias no rosto da mulher que amou tanto em tão pouco tempo, enquanto ela segurava a mão já gelada de sua mãe.

Todos passavam desejando os pêsames e lamentando a perda repentina da família recentemente formada.

Márcia faleceu de um mal súbito, e essa era uma das coisas que emputecia Gizelly mais ainda. O fato de ela não ter conseguido se despedir. Numa noite ela estava rindo ao telefone com a mãe e no dia seguinte recebeu a maldita ligação de um dos vizinhos. Havia sido tudo muito rápido. Tentava se consolar pensando que havia sido melhor porque sua mãe não sofreu no processo, mas era muito difícil. A contadora sentia que tudo era sempre muito difícil pra ela.

Segurando sua mão o mais apertado que podia e a abraçando de lado estava Marcela. Ela mesma havia pedido para que a loira não a deixasse sozinha. Enzo, Bella e Luiza também estavam lá, mas se encontravam atrás de conhecidos mais próximos de Márcia.

Só compareceram os mais íntimos, mas a cidade toda estava de luto. Naquele dia não houveram passeios e até mesmo alguns comércios permaneceram fechados.

— Márcia sempre foi uma mulher muito alegre. — Uma das amigas mais próximas da falecida fala dando um passo a frente. — Apesar de todas as dificuldades. Acho que é assim que ela gostaria de ser lembrada. Sem lágrimas.

A mulher volta para onde estava originalmente, deixando o silêncio pairar sobre a pequena aglomeração de pessoas.

— Não convivi muito com a Dona Márcia. — Fala Jeferson. — Mas sei que era uma mulher de coração bom. E, de vez em quando, em momentos em que ela achava não estar sendo ouvida, ela cantava. — O menino sorri. — E eu gostaria de cantar uma das músicas que ela gostava.

O menino aguarda autorização do pai e então começa a cantar Vilarejo da Marisa Monte.

Um coro de vozes se junta ao menino. Gizelly tinha vagas lembranças de sua mãe cantando essa música há muitos e muitos anos atrás. Quando seu pai ainda era vivo. A contadora tinha a visão de Márcia estendendo as roupas enquanto proferia os versos daquela canção. Era uma visão feliz. Saber que sua mãe havia voltado a canta-la após a morte de seu pai tinha um gosto agridoce. Ela ficava feliz por sua mãe ter superado, mas triste por nunca ter refrescado a memória. 

Conforme o caixão ia sendo colocado terra adentro, as pessoas aumentavam o volume de suas vozes. E é nesse momento que a voz da morena embarga e ela sente que vai sufocar em sua própria tristeza. Mais uma vez ela chora, chora de soluçar, e busca refúgio nos braços da loira.

A psicóloga a abraça apertado, chorando junto. Todos choravam.

Ao final da música de Marisa o silêncio reinou. Um silêncio de tristeza mas também de esperança. Gizelly esperava do fundo de seu coração que sua mãe tivesse achado seu vilarejo — ou pelo menos a paz que sempre buscou em vida. Ela gostava de acreditar que sim. Precisava acreditar.

Assim que a família deixa o cemitério o céu fecha em nuvens. Agora era a vez dele de chorar.



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Foi mais curtinho porque achei um capítulo pesado e não queria prolongar muito essa angústia. 


Resumo para quem não leu:

Meses após o grande casamento, a mãe de Gizelly, dona Márcia, falece de um mal súbito. A contadora, a loira, Enzo, Luíza e Bella vão até Borá para participar de seu funeral.

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