Capítulo 56

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| N A TH |

Passamos horas conversando sobre tudo. Eu perguntava o tempo todo sobre qualquer coisa apenas para observá-la falando mais um pouco. Meu peito ainda doía de saudade e eu mal sabia o que estava fazendo. Só sabia que precisava dela comigo por mais tempo e ainda não parecia o bastante. Nunca me importei tanto com outra pessoa. Até o filme preferido de Alice virou um bom assunto pra mim. Tudo para que ela não fosse embora logo. Eu a queria aqui comigo.

Vez ou outra, meus olhos se perdiam por cada detalhe do seu rosto bonito e ela sorria. A porra do meu coração parecia que iria explodir. Eu sorria junto, porque era impossível ficar imune. Eu estava ficando ainda mais louco por aquela mulher e não sei se é porque eu nunca sentia nada antes, que agora pareço sentir tudo. Como seu meu corpo estivesse cheio dela e precisando de mais. O pensamento soa exagerado até na minha mente, mas depois de toda aquela merda que passei nos dias após apagar a sua memória, entendo perfeitamente essa reação dramática. Sei que coisas ruins estão chegando e isso só faz com que eu queira me aproximar o máximo que conseguir dela. 

Por isso estou dirigindo a essa hora. Não que seja tarde para mim. Ainda nem é meia noite, santo Deus. Era tarde para ela, porque amanhã tudo volta ao normal. Alice no hospital e eu caçando demônio. 

Estaciono rente a calçada e desligo a moto, deixando o capacete pendurado no guidão. Corri por mais de vinte minutos até encontrar uma conveniência aberta a essa hora.

O posto parece que vai desmoronar na minha cabeça a qualquer momento. Algumas luzes estão apagadas ou, bem provavelmente, queimadas, e o letreiro parece que já teve dias melhores. Uma faixa grande pendurada entre duas bombas de combustível está pichada com algum xingamento relacionado a política e ninguém parece se importar o suficiente para limpar ou tirar de lá. Os dois funcionários de plantão me ignoram completamente, perdidos em algo muito mais interessante no celular. A risada deles acaba me fazendo rir também. 

O som eletrônico enche meus ouvidos quando passo pela porta de entrada. Nenhum aviso de novo cliente, apenas o cumprimento triste de um adolescente que parece entediado. Abro a geladeira e pego a bebida mais gelada que encontro. Claro que eu poderia tomar algo que já tem em casa, mas eu precisava espairecer. Rafael - com certeza - continua com aquela cara cínica desde que contei sobre a Alice e não quero lidar com isso agora. A infantilidade dele fica para amanhã, já que não posso mandar o cara embora da minha casa.

Apoio o energético no balcão apenas para puxar a carteira do bolso de trás e arrasto uma nota alta sobre a madeira descascada, saindo tão rápido do lugar quanto entrei.

— O troco, moço. — O garoto grita, mas já não estou tão perto. Faço um movimento de desdém com a mão e nem preciso me virar para ver a reação. O som surpreso da sua voz comemorando a bela caixinha é tão audível que é como se estivesse do meu lado. 

Depois de descartar a lata, volto para a estrada. O vento gelado do início da madrugada é um alívio absurdo, porque meu corpo ainda parece com febre desde que estive com Alice. Giro o pulso e minhas costas se inclinam para trás com a velocidade repentina da moto. Sigo cortando alguns carros e desviando de algumas partes do asfalto irregular. Levanto a viseira e o ar bate direto no meu rosto. Respiro profundamente e volto a sorrir, acelerando mais um pouco.

Alice tinha feito algumas perguntas mais cedo, mas não respondi. Tive a sensação de que ela não gostaria de algumas respostas, então decidi deixar essa conversa pesada para outro momento. Claro que todo mundo tem o seu lado bom e mau, e eu não queria que nosso dia fosse estragado por causa dessas verdades sobre si mesmo que ninguém gosta de mostrar. Obvio que ela sabe que não sou um santo. Tudo bem que sou um anjo, mas não sou tão divino assim também. 

Primeira coisa que noto é a luz do farol do carro de trás perto demais. Semicerro os olhos e espio pelo retrovisor. Reduzo a velocidade apenas para que eles passem, mas os cretinos nem tentam esconder a intenção. 

— Bela moto. — O passageiro berra, mas eu ainda seria capaz de ouvir se o sujeito sussurrasse. Seguro o acelerador e a embreagem ao mesmo tempo, fazendo o escapamento estourar como rojão. Empolgados, eles gargalham e quase reviro os olhos. São como meninos, a diferença é apenas a arma apontada para mim agora. Droga — Melhor você parar. — Grita novamente e eu não consigo nem disfarçar a risada que escapa pela minha garganta. Queria vê-los tentar.

Começo a costurar o pequeno tráfego com uma tranquilidade invejável e quanto mais eles se aproximam, mais eu acelero. Essa adrenalina está deliciosa, quase compensa a falta de habilidade deles na direção e em menos de dois quilômetros já consigo despistá-los quando arranco com a moto parecendo um foguete.

Em meio a penumbra, subo o morro lentamente e volto para o parque onde meu peito era rasgado, pedaço por pedaço, quando percebi o que sentia pela Alice e o quanto parecia o fim. Tiro a jaqueta e jogo sobre o banco. Levo o capacete comigo e sento sobre ele ao observar a cidade lá embaixo e sem pressa alguma de ir embora.



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