Capitulo 22

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|A L I C E |

Eu não tinha muito o que fazer depois que Nathaniel foi embora. Eu tinha perdido a vontade de dormir e mesmo com todo aquele silêncio, não conseguia ficar quieta o suficiente para encontrar um bom sono. Meus olhos, provavelmente, estavam vermelhos e inchados, porque continuei chorando por um bom tempo, analisando e me envergonhando mais a cada segundo.

Qualquer pensamento que passava pela minha mente, tinha total relação com aquela atitude impensada e ridícula. Mesmo que eu tentasse evitar com muito afinco, sempre acabava sentindo a humilhação apertando meu peito e as lágrimas voltavam, nublando a minha visão com mais força do que antes.

Eu estava me sentindo um lixo.

Agora, só estou sentada no meio da cama com as pernas dobradas. Meu celular está perdido em algum canto que não me importa e a televisão desligada. Passos as mãos pela lateral do meu corpo algumas vezes e me jogo para trás, deitando de costas e olhando para cima. Algumas lascas amarelas estão descascando e fico apenas fitando o teto envelhecido, tentando ignorar o barulho crescente dentro de mim.

Sou um anjo

Não, você não é. 
Você é o próprio diabo. 

E Talvez até seja isso, Lúcifer era um anjo, de qualquer forma. Não vou descartar essa possibilidade.

Não sou tão ingênua. Claro que eu tinha alguma noção de que ele não era mesmo humano ou sei lá. Talvez também só fosse uma pessoa modificada geneticamente, não sei. Tem tanta coisa maluca no mundo, que não duvidaria que ele fosse uma delas. Não que essas ideias não parecessem estúpidas de algum jeito, porque pareciam muito. Confesso que todas essas teorias me fizeram rir. Eu ria e balançava a cabeça, pensando no quanto pareciam desconexas e sem sentidos. Toda essa história parecia tirada de alguma série de fantasia, saídas diretamente da cabeça de algum ator criativo. Bom, essa sim seria um boa explicação, uma que eu acreditaria facilmente, mas não era. Nem de longe. Infelizmente.

Quando Nathaniel abriu a boca devagar e as palavras rolaram por seus lábios, me perdi. 

Não que tenha sido pega de surpresa. Não foi isso. O que me assustou foi a fragilidade que encontrei. Um tipo de rachadura que ele escondia muito bem, mas que ficou visível naquela hora. Por um breve momento, mas fui capaz de enxergar com clareza.

Ele estava sofrendo. Estava machucado e por um segundo, vi uma parte sua vulnerável. Só não sei por que, diabos, eu pensei que beijá-lo seria a coisa certa a se fazer naquela situação. Fui tão idiota.
Qual o meu problema?

Não sei se foi a chama. Pode ter sido até. Aquela coisa azul saindo lentamente pela perfuração na sua costela, tão devagar e fascinante. Queria tocar, queria sentir nas pontas dos meus dedos. Queria saber mais. Meu cérebro estava entrando em combustão com tantas perguntas que estavam se formando e então, resolvi me aproximar. Má ideia. Péssima, na verdade. Honestamente, não sei nem a razão de aquilo ter me atraído tanto, mas tinha. Eu me sentia cada vez mais interessada.

Aquilo era triste e lindo. Sim, não posso negar que tinha uma certa beleza. Era o seu poder, vivo e tão ... divino. Mas estava se esvaindo. De algum jeito ele estava ficando mais fraco, menos... ele. 

Quanto será que já não perdeu? 

Eu sei que Nathaniel fica mais perto se tornar um humano a cada nova volta do relógio e também sei que ele odeia isso. Eu podia ver na tensão que tomou seu corpo ou na curvatura dos seus ombros, que inclinava sua costura para baixo, enquanto falava baixo, travando o maxilar em seguida. Ele odiava com muita força o que estava acontecendo. Por isso fez o que fez comigo. Agora entendo o seu desespero. Não que seja aceitável, porque não é, não justifica, é claro. Mas agora sei o motivo e isso faz todo sentido.

A ajuda para o trabalho que buscava com tanta urgência era para se curar. Ele quer estar livre desse destino que se aproxima, porque nos despreza. Ele despreza nossas emoções e todas as nossas fraquezas. Por isso o humor ácido e toda aquela arrogância. É só pra disfarçar a repulsa que sente.

Sinto minha barriga gelar e aperto os braços ao redor do corpo. Fico deitada de lado e fecho os olhos rapidamente. Minha cabeça está uma zona e meu coração parece pesar tanto, que sinto falta de ar. Inspiro profundamente algumas vezes, até que a sensação esmagadora me deixe.

Não sei se foi o cansaço de tantos pensamentos ou o estresse que parece fazer parte da minha vida agora, mas acordo horas depois na penumbra do quarto. Levo um segundo ou dois, até entender aonde estou e quando tudo se volta para a minha mente de novo, cubro o rosto com o travesseiro e grito. Talvez por causa da vergonha que ainda queimava minhas bochechas e também porque tinha esquecido do grande problema que me meti. 

Eu o beijei, meu Deus do céu e parecia que ele também queria isso. Parecia muito. Seu rosto estava a centímetros do meu e seus olhos semicerrados, encaravam os meus de um jeito novo. Eu não tinha imaginado. Não era tão tola. Uma mulher sabe dessas coisas. Aquele homem também estava envolto naquele campo magnético. Aquela força estranha que parecia me puxar até ele, também o trazia até mim.

Mas, então, por que aquilo pareceu tão errado? Nathaniel se afastou tão rápido, murmurando que não deveria ter acontecido, como se fosse horrenda a possibilidade de sentir uma vontade, mínima que seja, de querer me beijar de volta. Idiota.

Só que aprendi a minha lição e não vou deixar que essas malditas emoções sejam mais fortes do que recuperar a minha vida outra vez. Sem ele e sem toda essa bagagem maluca que o acompanha. Não vou permitir que esse desafeto piore ainda mais, se ele despreza a nossa natureza volátil, então irei agir de acordo com a dele.  Quanto mais depressa terminarmos isso, mais depressa posso voltar para casa.

E não posso retornar nos próximos dias. Não posso ir para o hospital ou para a faculdade. Não, enquanto anda estiver no meio dessa transformação ridícula. 

Venha até aqui agora e vamos começar logo com esse negócio — envio a mensagem, após caçar meu telefone, que encontrei jogado ao lado do criado-mudo.

Prefiro amanhã, Alice — responde quase que momentaneamente.

Agora — escrevo de volta e vejo os três pontinhos na tela, indicando que está escrevendo.

Você não dá as ordens aqui — replica e reviro os olhos. Para alguém com tanta pressa, o medo de se tornar humano parece menor do que ter que enfrentar o que aconteceu mais cedo. Não que eu vá falar alguma coisa sobre aquilo com ele, porque não vou. O meu objetivo agora é muito mais claro. Terminar essa porcaria logo e acabar com esses encontros. Nada de bom sairia disso, então nada mais certo do que esquecer ou ignorar. Nathaniel é muito gato e seria  maravilhoso perder  um bom tempo ali, mas o cara é muito perturbado também. De certa forma foi um livramento o seu comportamento, por mais que tenha sido doloroso, também foi revelador. 

E também não sou eu quem precisa de ajuda — retruco e sinto a impaciência percorrer meu corpo. Fecho o punho fortemente e ando até o frigobar, abrindo uma long neck da Budweiser. Talvez a cerveja limpe meus pensamentos mais facilmente, o álcool tem esse poder, as vezes.

Amanhã — insiste.

Não estou muito bem, acho que o seu poder ... não sei, estou estranha. Talvez amanhã seja tarde demais — minto.

Estou indo — sorrio com a sua resposta e abro outra garrafinha. 

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