Capítulo 41

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| A L I C E |

Ando de uma lado para o outro no quarto pensando no sonho. Pensando naquele homem e em todas as sensações que me causou. Ele era tão bonito e eu estava gostando daquilo. Adorando, para ser sincera, menos a parte do buraco que eu sentia me consumir e na dor que crescia no meu peito, mesmo com os beijos e o toque perfeito em cada pedaço do meu corpo, eu também estava triste, porque estava sofrendo por ele. Estava magoada pela despedida e até pedi para que não apagasse a minha memória. Oras, que coisa mais sem cabimento. Apagar a minha memória. Só conheço uma coisa que teria esse poder. Tequila. Não ele. Ela sim seria responsável por um feito desse. Não um cara comum, apesar da beleza absurda, ainda assim, tão normal quanto eu.

Sorrio e fico mais tranquila.

Isso foi apenas um delírio de uma mente cansada de tentar buscar memórias perdidas. É isso. A outra ponta desse pensamento soa até idiota, por esse motivo não posso me prender acreditando ser algo que aconteceu de verdade. Não faria sentido, certo? Honestamente, não faz mesmo. Só de pensar nessa hipótese sinto uma vergonha ruborizar meu rosto. Estudo muito para exercer uma ciência baseada em coisa física, tangível, não em fantasias doida. Então, risco qualquer idéia da minha mente sobre essa bagunça, mesmo que no fundo da minha alma, uma fração bem pequena, gostaria que fosse real, porque o que eu senti estando com ele, aquele calor que aquecia meu coração tão fortemente a ponto de implodir, pareceu certo demais.

Meus lábios tremem e cerro meus dentes com força. Aquilo, definitivamente não poderia ser nada além da minha imaginação. Infelizmente.

Puxo as cortinas para o lado e abro a janela. Inspiro o ar frio, enquanto as batidas ensandecidas do meu coração voltam ao ritmo normal. Ou o mais parecido disso que consiga chegar. Olho para fora, observando as nuvens darem lugar ao anoitecer, ao céu quase todo escuro, levando embora mais um dia confuso e sem respostas. Talvez nunca saiba o que houve comigo e tenho que aceitar o destino que escolhi para mim. Suspiro com essa frustração e me afasto, indo para o banheiro.

Meu reflexo no espelho retorna uma mulher diferente. Seria loucura afirmar isso, mas mudei. O que quer que tenha acontecido nesses dias, me modificou de algum jeito. Só não sei dizer como, mas posso sentir algo forte dentro de mim. Algo intenso me puxando, como uma amarra invisível, dando trancos suaves ao poucos, quase imperceptível, mas pulsante. Como se quisesse me levar para outro lugar que não esse em que estou agora. Indicando um caminho que não sei como seguir. 

Passo as mãos pelo rosto e continuo observando minhas feições. O castanho do meu cabelo comprido e das minhas bochechas acentuadas, mas ainda ruborizadas e da minha íris, que agora perdeu completamente o risco claro e azul, estão como a Alice de sempre. Como sempre fui. Estou igual no exterior, mas por dentro não posso garantir. Sei que alguma coisa se quebrou e posso sentir a reconstrução devagar, mas constante a cada segundo. Essa dúvida me consome. Mas qual seria a pergunta certa para isso tudo? Não sei e presumo que nunca serei capaz de descobrir.

Lavo minha pele com o sabão neutro, passando a toalha grossa e macia sobre a minha pele depois do banho. Escovo os dentes sem pressa, sem qualquer ânimo para fazer outra coisa que não seja voltar para a cama e lamentar quanta estupidez cometi apenas para ter a porcaria de uma folga. Procuro por um creme que comprei recentemente, que promete não deixar minha pele tão oleosa e abro as portas do armários, derrubando alguns produtos no tapete do banheiro. Céus, isso precisa de alguma organização. Após revirar todo o espaço apertado desisto da busca, mas antes de voltar para o meu colchão convidativo e o meu maior consolo nesse instante, resolvo verificar as gavetas. Apenas por desencargo mesmo, acho que o pote nem caberia ali. Enfio a mão até o fundo e raspo os dedos em um papel, trazendo-o até a superfície por curiosidade, perco a respiração ao ver a minha letra escrita com pressa e sem capricho algum. Em um batom escuro, o nome do estranho que invadiu meus sonhos e um endereço.

Então não foi um devaneio da minha mente. 

Não foi apenas pensamentos aleatórios de um sonho sem sentido. 

Não. 

Esse homem existe mesmo.

Coloco uma calça jeans e uma camiseta qualquer. Não penso muito no que estou fazendo, mas sinto como se não houvesse outra opção. Não sei nem se conseguiria controlar esse frenesi que parece acender cada célula do meu corpo. 

— Vou até o hospital e volto mais tarde. — aviso meus pais ao sair, mas não espero por resposta. Eu só preciso ir. Aquele branco que sentia vagar dentro da minha cabeça, por algum motivo que não sei explicar, parece parar de se mover, como se a expectativa e a excitação de entender o que houve, fosse tão eletrizante, tão profundo que travou qualquer outra reação que não seja a de me aproximar cada vez mais dele.

Nunca vi quinze minutos durarem tanto. A cada quarteirão em que o motorista vira, parece que voltamos dois. Como se estivéssemos em um jogo vivo de tabuleiro. Minhas pernas ficam inquietas e limpo as palmas abertas na calça, que suam mais do que deveriam. Estou nervosa. Talvez até receba uma nota baixa, pois pareço uma drogada. Uma usuária em plena dependência.

Evito pensar nesse impulso, nessa falta de juízo de ir em busca de alguém que nem conheço. Ou conheço?  Pretendo desvendar esse mistério essa noite, de qualquer forma. 

A movimentação do carro diminui e ele estaciona em frente a uma grande casa bonita. Desço e fico parada na entrada. Nenhuma lembrança. Nada que poderia ativar qualquer coisa. Nenhuma mísera recordação. Não posso negar que isso me decepciona um pouco, mas não tem como ser pior do que já vem sendo, então, respiro fundo e aperto a campainha.

Assim que a porta é aberta e ele aparece, com toda aquela presença firme e imponente, meu peito se infla. Ele é ainda mais perfeito de perto.

— Alice? — seu timbre grosso, cheio de surpresa, só confirma que isso tudo é real. Meu coração dá uma cambalhota estranha, como se meu corpo o reconhecesse antes mesmo da minha mente, pois sinto o arrepio percorrer toda a minha pele e sussurro quando a emoção parece escorrer para fora de mim.

— Nath. — digo e sua expressão se torna branda com a minha voz, mas apenas por um segundo, porque outra reação loga muda seu semblante e não consigo definir exatamente. Ele não esperava me ver, pelo jeito. Sua boca se abre, mas se fecha novamente na sequência, desistindo de dizer algo. O que aconteceu entre nós? Essa pergunta parece estampada na minha cara, pois ele balança a cabeça e abre espaço, como se adivinhasse minha confusão.

— Entre. — diz e passo por ele com cuidado, evitando encostar sem querer, pois tudo indica que não sou bem-vinda nesse lugar e isso dói mais do que eu poderia entender agora.

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