Capítulo 37

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| N A T H |

— Ele está no último quarto. — mal passo pela porta de entrada e Rafael já me intercepta. Coloco o capacete em cima do sofá e suspiro cansado. Meus olhos parecem pesados e meu corpo quebrado. Estou há mais de vinte quatro horas sem dormir e isso é uma merda. Sem contar o aperto no meu peito que parece ficar maior a cada maldito segundo. Como se o ar fosse suprimido, pedaço por pedaço, do meu organismo. Mas eu sei que isso não é o sono querendo seu espaço. 

Não. 

Não é a escuridão querendo me alcançar.

Isso é a minha consciência travando uma batalha sem fim. É o meu coração gritando sem descanso a verdade que não posso admitir. A realidade fora de cogitação que, por um momento, me permiti sonhar. Só que não tenho esse poder. Não sou capaz de escolher outro futuro além daquele em que estou destinado. E esse era o tipo de merda que queria evitar.

Meus pensamentos continuam confusos e se existisse a possibilidade de me livrar dessas lembranças com a Alice, eu faria.

Eu tiraria cada minuto em que fui me tornando dela sem nem mesmo saber. Cada toque da sua pele quente sobre a minha ou do gosto do seu beijo. Lançaria tudo ao esquecimento para ser como era antes. O problema é que essa porra não é possível. Infelizmente. Não saber da sua existência seria o caminho perfeito, porque me envolver não é uma opção. Nunca foi. Por mais que cada fibra do meu corpo implore pelo seu. Por mais que anseie mais um pouco dela a cada hora e isso é o que está me matando, porque a quero tanto com a mesma intensidade que sei que preciso me afastar. 

— Como o encontraram? — pergunto, guardando bem no fundo da minha alma qualquer desejo irracional e inacessível. Levo as mãos as costas, puxando a camiseta sobre a cabeça e jogando-a sobre o pequeno aparador ao lado. Ergo o olhar e o encaro. 

— O cara estava se gabando em um bar e tinha alguns de nós por lá. — ele estala a língua em reprovação e continua — Descuidado. Sorte nossa. — aceno em entendimento e caminho até a cozinha. Ouço seu passos me seguirem e abro a geladeira, pegando uma lata de energético.

— Ele estava sozinho? — indago e arrasto uma cadeira, sentando em seguida e cruzando a perna esticada. O barulho do metal abrindo, seguido do gás borbulhante, é exatamente o despertar que necessito. Sinto a exaustão chegando como uma cobra traiçoeira e dou um longo gole na bebida. Isso precisa me manter em pé mais algumas horas. 

— Estava. — Rafael se aproxima e coloca a mão no meu ombro — Existe uma aposta, Nath. — seu tom muda para algo mais terno e franzo a testa — Você está sendo caçado.

— Sempre estive. — comento indiferente — O que estou valendo dessa vez? — ele solta um riso amargo e se senta na minha frente.

— Não sei como consegue ficar calmo assim. — murmura — São demônios.

— Isso não deveria te amedrontar. — replico firme — Você é um anjo.

— Sim, mas não sou forte como você, cara. — afirma tristemente e apoia o queixo na mão fechada, com o cotovelo dobrado acima da mesa.

— Você sabe que vou te cobrir sempre. — aviso e semicerro os olhos, fitando os seus diretamente — Você é um irmão.

— Sei disso. — diz e respira fundo.

— Então pare de ser uma mulherzinha. — digo e sorrio — Nada de ruim vai acontecer.

— Aconteceu com você.  — sussurra e assinto.

Se fechar meus olhos, ainda posso ouvir seus gritos desesperados ao me ver no chão. Inerte, na falta de qualquer reação minha de quando fui atingido de forma covarde. Na lamúria que escapava da sua garganta e na rouquidão da sua voz, que berrava ao vento pedindo por um socorro que não viria. Um estremecimento arrepia meu braço e levo a lata a boca novamente. 

Não pensei que iria morrer. Não pensei em nada, na verdade. Eu só sabia que estava perdendo meu poder de chama em chama. Sabia que a fraqueza iria me encontrar e sabia ainda com mais força, que não esperaria esse momento chegar. Então, quando voltei a ficar consciente, saí em busca de ajuda. Ajuda não. Ameaça. O que me levou até ela. Alice. 

Pare de pensar nela

— Estou bem agora. — replico.

— Quem te curou? — questiona e inclina o corpo — Você sumiu por quase dois dias.

— Estava me recuperando. — digo sério.

— Quem te curou? — repete e abre um sorriso esquisito — Foi uma mulher?

— Qual o seu problema? — retruco e me levanto — Isso não é da sua conta, porra. — sigo pelo corredor até a última porta.

— Você se importa com ela. — declara.

— Não fala merda. — giro a maçaneta e viro a cabeça até ele — Se não quer ver o que vai acontecer aqui dentro agora, sugiro que me deixe sozinho.

— Você se importa com uma humana. — Rafael ri alto e se afasta lentamente, mas não cala a porcaria da boca grande — Nunca pensei que viveria para ver isso, Nathaniel. — ignoro e fecho a porta ao entrar, ficando de frente para a pessoa que tentou tirar a minha vida.

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