Capítulo 57

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| A L I C E |

Depois que Nath foi embora ontem, eu mal sabia o que fazer depois. Fiquei perdida por uns bons minutos tentando assimilar tudo o que tinha acontecido. Meu celular vibrava sem parar com mensagens da Ana e eu respondia sem prestar muita atenção. Meus dedos teclavam sem parar, assim como a minha mente, que não me dava sossego. Toda memória que havia sido arrancada de mim e tudo o que senti em todas aquelas semanas, chegaram forte. Era tanta coisa ao mesmo tempo que eu sentia que poderia explodir a qualquer momento. Então, depois de um banho e de me enrolar na coberta, permiti ser levada pelo esgotamento e adormeci .

Meu coração ainda estava acelerado pela manhã, como se esperasse o momento em que meu cérebro surtaria. Mas eu estava feliz, porque aquela sensação estranha de ter algo faltando, tinha sido preenchida. Era ele  o que faltava. Era toda essa coisa maluca que fazia meus batimentos enlouquecerem. Era o Nathaniel. O pedaço perdido nesse quebra-cabeça que completou tudo. Mas não sou idiota. Sei que toda essa felicidade vai ter um preço. Talvez até um valor alto demais. Não sei ainda no que implica estarmos juntos, mas sei que não é natural e nem aceito, seja lá por quem for. Deus, talvez. A ideia disso ser verdade faz um riso baixo escapar por meus lábios. Eu, filha de devotos, ameaçando a sinergia dos céus. Se minha mãe soubesse no que me meti, faria uma palestra de alguns dias com um terço enrolado no pulso.

Conversei com meus pais antes de ir para a faculdade, mas se tivesse que enumerar sobre o que falamos, eu não seria capaz. Meus pensamentos estavam longe, assim como agora. A voz do professor parece mudar o caminho ao chegar no meu ouvido, pois suas palavras são automaticamente ignoradas, o que deixa minha mente livre para ficar queimando meus neurônios de volta e mais uma vez naquele mesmo assunto. Como qualquer outra pessoa ansiosa, listo mentalmente tudo o que pode dar errado nesse lance de ficar com um anjo e crio cenários impossíveis. Em um deles, perco a memória novamente e Nathaniel é preso de algum jeito por desafiar as regras. Em outro, eu é quem sou presa para ser um exemplo para outros que se atrevam a seguir o mesmo rumo. Sem sentido, certo? Nem tanto.  Depois de mais algumas tentativas frustradas de adivinhar nosso destino, desisto de manter o mínimo de controle e fico em pé, saindo silenciosamente da sala.

Encosto em um lugar qualquer no pátio e fico rolando pelas postagens no Instagram. Perco algum tempo de aula, mas eu não estava absorvendo nada de qualquer maneira. Então, que se dane. 

— Alice. — Assim que começo a caminhar pelo corredor de volta para a sala, ouço meu nome e viro rapidamente  — Precisamos conversar. 

— Como me encontrou? — Pergunto, mas logo em seguida abano a mão, porque eu sei que eles me achariam em qualquer lugar — Esquece. Está tudo bem com o Nath? — Ele assente e respiro mais aliviada — O que está fazendo aqui? — Tento lembrar o nome dele, mas falho miseravelmente.  

— Quero falar com você. 

— Tudo bem.  — Cruzo os braços curiosa e o observo. Seus ombros estão meio inclinados para baixo, como se estivesse totalmente sem jeito ou com algum tipo de medo. Não sei. Não conheço o cara o suficiente para saber, mas ele parece prestes a vomitar e espero estar errada sobre isso. — Vem comigo. — Digo e me adianto, virando para esquerda e depois para a direita até ficarmos embaixo da escada em outro bloco. Esse é um dos lugares mais isolados do campus e - sem dúvida - o menos convidativo. As lascas da tinta do muro estão caídas pelo chão e o cheiro de mofo é forte e enjoativo, o que faz qualquer passagem por aqui ser rápida e discreta. Ninguém gosta de vir aqui. Porque só serve se precisa fazer algo em segredo ou usar droga. Infelizmente, só conheço essa porcaria, porque no primeiro ano - o ano do trote -  passei duas horas com um esfregão e um balde de sabão em pó tentando limpar toda essa merda. Penitência que não perdoei até hoje.

— Você precisa terminar com o Nathaniel. — Ele despeja de uma vez e fico calada por um segundo. Estou chocada e até um pouco ofendida.

— E por que eu faria isso? — Replico e meu coração parece até falhar uma batida — Ele não sabe que você está aqui, não é? — Não espero pela resposta, porque não preciso. O semblante dele já responde tudo. Reprovação — Estarmos juntos é tão ruim assim?

— Sim. — Ele suspira e passa as mãos pelo cabelo, parecendo tão exausto quanto eu —  Nathaniel é nosso líder e muitos o seguem. Olha. — Encosto na parede quando esse homem chega perto demais e cerro meus lábios com força — Não podemos nos dividir. Não agora.

— E por que isso pode separar vocês?

— Porque tem outras coisas mais importantes acontecendo no mundo e muitos não irão aceitar esse desacato do Nathaniel.

— Você seria um deles? Um dos que não concordaria com essa nossa relação?

— A questão aqui não é essa. — Replica impaciente — Você nunca entenderia.

— Sou completamente capaz de entender. Bastar explicar. — Desafio e seus olhar parece escurecer ainda mais.

— Precisamos do Nathaniel forte. — Ele suspira de novo, como se estivesse recuperando algum senso social que parece nunca ter tido. O cara não mede palavras. — Precisamos dele firme no objetivo e não sorrindo por aí como um maldito adolescente. — Inacreditável. Aperto minhas mãos ao redor do corpo e travo o maxilar. 

— A felicidade dele tem alguma importância para vocês? — Pergunto e retomo a coragem que sua presença estava minando aos poucos, mas isso não dura muito, pois sua postura confiante e um tanto intimidadora, parece levar embora  o que restava da minha confiança novamente.

— Você o deixa vulnerável. — Seus olhos se alinham ao meu quando recua alguns passos e troco o peso das pernas, sentindo uma inquietude esquisita — Se você o ama de verdade, só fica longe dele, certo?

— É claro que amo. — Sussurro magoada— Mas não é justo o que está pedindo.

— Justo ou não, o amor entre vocês não vai trazer nada além de ruína para ambos. — E sem mais nenhuma palavra, sou deixada sozinha e com o coração mais apertado do que nunca.

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