|A L I C E |
Nefilim.
Escutei o que aquele homem disse. Do que me chamou. Só não sei muito bem o que significa. Nath tentou disfarçar, mas ainda assim, não me fez esquecer. Não consigo afastar as palavras do Rafael dos meus pensamentos. O que eu sou? Sou humana, é bem simples. Que tipo de pergunta é essa? E todo aquele sangue, santo Deus? São tantas perguntas que nem saberia por qual começar. Sinto que estou enlouquecendo e perdendo qualquer pensamento lógico que passe pela minha mente, pois nada disso aqui parece fazer o menor dos sentidos.— Alice. — sinto a ponta dos seus dedos roçarem de leve meu braço e dou um sobressalto — Está me ouvindo? — um sorriso pequeno, mas ainda perfeito, brinca em seus lábios e desvio os olhos.
— Desculpa. — peço envergonha — O que estava dizendo? — ele ri um pouco e o som percorre minha pele devagar, arrepiando cada pedaço do meu corpo com uma eletricidade sem controle. Como se houvessem centenas de formiguinhas andando sobre ela e deixando um rastro que não posso ignorar, apenas sentir com uma intensidade quase anormal, sem opção de evitar uma reação diferente. Não consigo ficar alheia a ele. Por mais que minha mente esteja em uma completa desordem, buscando incessantemente respostas para cada capítulo que foi apagado, meu coração não... Meu coração é o oposto dessa confusão. Meus batimentos parecem ter encontrado o próprio caminho, ignorando a loucura da minha cabeça. É como se tivesse decidido por si próprio que não há o que temer aqui. Posso sentir a calma em que as batidas rítmicas parecem dançar nessa melodia esquisita. E talvez, meu coração seja bem burro por se sentir assim, porque tudo aqui grita perigo e nada de segurança ou qualquer outra coisa mais aceitável.
— Estava dizendo que você não parece bem. — murmura e me afasto mais um pouco quando reparo no quanto estamos perto um do outro. Essa proximidade fica embaralhando tudo dentro de mim e não posso sentir todo esse calor que seu corpo emana. Não posso - não ainda - permitir que esse seu perfume confunda ainda mais os meus sentidos, como essa fragrância fosse sozinha capaz de libertar todas as minhas dúvidas. O cheiro incrível e viciante que dominou cada parte do meu quarto pela manhã era dele. Claro que seria. Tudo parece se voltar sempre para Nath. São tantas questões levando minha paz, que mal tenho forças para dizer não, mas consigo. Não posso ceder aos que seus olhos imploram nesse momento, um olhar tão cheio de mistério, mas também de alívio. Como se houvesse um pedido escondido nele, esperando que eu desvendasse.
Esse homem é a chave, mas também é a maldita marreta que pode derrubar a porta que me libertará. Ele continua me encarando, como se quisesses que eu também fosse capaz de recordar tudo o que nos envolveu, tudo o que aconteceu para chegarmos até o aqui e o agora. Só não sei qual vontade é maior. A de fugir para sempre e esquecer essa história ou a de ficar e descobrir o que é tudo isso. Não sei o que me incomoda mais, na verdade. Odeio sentir todas essas sensações que parecem apertar meu peito com uma saudade que eu não conheço e odeio também o que ele fez comigo. É um dilema que parece transcender até mesmo meu juízo, pois o que é correto parece bem óbvio.
— Que observador. — replico com sarcasmo e Nath sorri ainda mais, mas somente até as próximas palavras que escorrem como veneno da minha boca, deixando seus lábios em uma linha fina — É claro que não estou bem. Você, de algum jeito que ainda não sei, fez um estrago na minha vida e não sei como consertar.
Ele não responde nada, ao invés disso, apenas suspira pesadamente e quando volta a me encarar, sua feição está mais dura - fria - e mesmo não querendo admitir, sinto meu peito afundar com a idéia de que eu possa tê-lo magoado de alguma forma. Tranço meus dedos sobre a coxa e fico em silêncio também. Esse clima pesado parece me sufocar a um ponto tão extremo que abro a boca e a fecho novamente sem saber o que falar. Minha garganta trava, impedindo que talvez eu diga algo que possa me arrepender, mas que precisam ser esclarecidas a qualquer custo. Eu não tenho as minhas lembranças, então não sei como me sinto de verdade. Não é justo ele esperar que eu sorria, quando quero chorar de frustração ao mesmo tempo. Sei que parte de mim está feliz em estar perto dele, é um sentimento que não sei explicar, uma coisa forte que parece me puxar para ele, mas que também pede para que eu corra para longe. É difícil assimilar essa bagunça conhecendo apenas um pedaço de tudo.
— Quero tentar uma coisa. — diz, após um longo tempo com a voz em um sussurro — Pode ser que funcione. — ele fica em pé e estica sua mão para mim — Venha, Alice.
— Aonde? — pergunto e me desvio do seu toque. Seus ombros se inclinam, como se levasse um soco, mas não tenho as recordações que ele tem, não sei como tudo começou e acabou. Então, nesse momento, não me sinto mal por não retribuir o afeto, mesmo que ainda sinta o desejo que me despertou do sono, como uma cobra traiçoeira sibilando no meu ouvido. Meu coração o quer, pois parece bombear até mais rápido quando ele aproxima, mas isso não pode ser o suficiente agora. Não até entender todas as pontas soltas, mesmo que por mais que eu já saiba, no fundo do meu âmago, que meu coração está certo de alguma forma, mesmo que de um jeito misterioso e distorcido.
— Final do corredor. — seus passos apressados quase me fazem correr para acompanhá-lo. Fico um pouco para trás e tento não observar a largura das suas costas ou do movimentos dos seus músculos conforme caminha, mas falho. Minha visão se direciona diretamente para o seu corpo forte e grande, desejando com força que tudo volte para mim, porque eu, definitivamente, queria me lembrar dele e de todo o resto.
Andamos por um corredor comprido até uma sala afastada. Uma mesa longa está disposta no centro e na lateral algumas outras coisas. Uma claridade chama a minha atenção e como se me atraísse, caminho até ela rapidamente, segurando-a com as duas mãos.
— O que é isso? — questiono — É tão bonito e diferente.
— Já passamos por isso, querida. — comenta e ri outra vez — Isso é capaz de curar qualquer coisa, então tome cuidado para não derrubar.
— Isso poderia...
— Não, não poderia deixar o mundo melhor. — interrompe — Os homens são egoístas e isso causaria mais guerras. — seus dedos se apertam ao redor do objeto e ele o tira de mim.
— Como sabia que eu diria isso? — pergunto atônita.
— Porque disse isso da última vez. — seu tom se cobre de tristeza e forço meus braços a ficarem parados. Lutando com a vontade de contorná-lo e abraça-lo, mas ele não é a vítima aqui. Eu sou. Então, mantenho esse pensamento dentro de mim e me aproximo.
— Como uma coisa dessa pode curar qualquer coisa? — retruco — Aonde arrumou isso?
— Vamos testar e ver se acontece o que estou pensando. — diz.
— O que isso vai fazer em mim? — pergunto curiosa e também com medo — Você não está me enganando não, não é? — arqueio a sobrancelha e ele sorri. MAIS UMA VEZ.
— Não, Alice. — responde pacientemente — Mas se isso cura qualquer coisa, talvez restaure as suas memórias.
— Não faz sentido nenhum isso. — digo.
— Sim, mas essa é a única opção que existe.
— Beleza. — afirmo — Manda ver. — ele sorri e ergue o braço como se fosse me tocar, mas desiste e o junta ao lado do corpo. Fico em silêncio e nossos olhares se encontram. Abaixo a cabeça e o ouço pigarrear.
— Vou precisar injetar esse líquido direto no seu coração. — resmunga indiferente e um grito escapa da minha garganta, seguido de uma gargalhada dele.
— Não mesmo. — digo e começo a andar para trás, recuando para o máximo de distância que consigo dele e dessa idéia maluca.
— Brincadeira. — comenta divertido — Basta dar um pequeno gole. — solto a respiração que nem percebi estar segurando e sorrio.
— E se isso funcionar, terei tudo de volta. — afirmo esperançosa e ele acena em concordância — Ótimo. Então vamos fazer isso.
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Chama azul
Fantasy| SINOPSE | Aos vinte e seis anos, Alice Vieira estava feliz com o rumo que sua vida estava seguindo. Faltavam apenas alguns meses para se formar na faculdade, onde com honras, foi selecionada para uma bolsa integral em Medicina. Morava com seus pai...