| A L I C E |
Não lembro de ter tomado banho antes de dormir, mas acordo com o cabelo molhado. Estico os braços para me espreguiçar decidindo entre ficar mais tempo deitada ou levantar e começar o dia, mas uma fisgada rápida na minha coxa, transforma meu rosto em um careta. Empurro a coberta com os pés e elas caem como um amontoado pesado no chão, no mesmo instante em que me inclino e sinto meus músculos reclamarem. Estou cansada e dolorida em alguns lugares que não fazem o menor sentido.
Um branco inunda a minha mente, mas apenas por um segundo, pois no próximo, imagens de um frigobar voam até a minha mente quando as lembranças me atingem. Um quarto de hotel escuro e uma garrafa de vinho. Eu sorria e dançava, aproveitando a minha própria companhia. Curtindo a solidão. Ou não. Liberdade mesmo. Talvez ainda esteja de ressaca ou simplesmente exausta por ter feito 48h do que eu queria. Sem planos ou horários. Devo ter me cansado muito, pois ainda continuo sentindo meu corpo implorando o conforto do colchão quando me levanto.
Eu não fui a um congresso.
Nenhum parente meu estava doente.
Na verdade, foi o que eu disse as pessoas. Inventei para poder me afastar de tudo. Quis ficar sozinha e sem responsabilidades por dois dias. Por que, diabos, fiz isso? Eu estava tão estressada assim? Aperto os olhos com força, mas não consigo me recordar de ter definido isso em algum momento. Que coisa mais louca. Acho que estava esgotada a um nível que nem eu mesmo sabia. Isso explica os lapsos de memória, mas ainda assim, é esquisito.
Corro até o banheiro e encaro meu reflexo. Não sei o que esperava encontrar, mas o olhar castanho me observando de volta é tranquilizador, isso até não ser mais. Uma mancha pequena e clara, tão azul quanto o mar, assusta o inferno para fora de mim e grito. Levando a mão até a boca rapidamente para conter o barulho incomum.
O que é isso?
Uma linha fina e quase imperceptível altera o canto esquerdo da minha íris. Será que usei alguma droga, santo Deus? Isso só pode ser castigo, porque eu jamais colocaria minha saúde em risco.
Céus, o que deu em mim?
Respiro profundamente algumas vezes e quando meus batimentos parecem ter algum controle, sento na privada e começo a rir. Uma risada forte e desesperada. Um riso que desperta mais ainda a minha curiosidade. Não acredito que bolei toda essa história apenas para ficar só. Isso é patético e um pouco... perturbador. Achei que mantinha tudo sob rédia firme por trás da fachada cansada. Cada aula, cada plantão, cada minuto estava em pleno acordo. A que ponto cheguei para resolver fugir assim? Deve ser as provas finais e o peso de ser efetivada que sempre fazia uma pressão apertar meu peito que me motivou a uma loucura dessa. É isso. Surtei e não foi pouco, pelo jeito. Saio do banheiro e puxo as cortinas, deixando a claridade iluminar tudo.
— Querida, tudo bem? — minha mãe bate de leve na porta e enxugo as lágrimas nos cantos dos olhos.
— Tudo, é só um meme idiota. — minto e ouço seus passos quando se afasta, provavelmente resmungando.
Que perfume é esse?
Inspiro esse cheiro masculino e não reconheço. Uma fragrância tão boa, mas que, infelizmente, não me remete a nada. Será que a diversão foi assim tão grande? Se o homem for tão atraente quanto esse perfume, então tive alguma sorte. Que pensamento mais sem noção. Eu posso ter sido abusada que ainda assim, não saberia.
Minha amiga, Ana, tem histórias hilárias e um pouco desconcertantes sobre episódios como esse, mas não eu. Nunca, em toda a minha vida, fui tão impulsiva dessa forma.
Abaixo a calça fina do pijama e empurro a calcinha para o lado, passando o dedo levemente pela abertura úmida no meio das minhas pernas.
Cacete.
Transei ontem e acho que transei muito, pois a minha pele parece sensível e inchada. Uma pena não lembrar disso. Deve ter sido maravilhoso ou não. Posso ter ficado bêbada e aproveitado. Quem sabe? Certamente, não eu.
Estou confusa demais.
Talvez eu tenha sido drogada. Isso explicaria muita coisa. Conheço até muitos relatos sobre isso. Sexo sem consentimento. Sem memória. Sem vestígios. Mas nenhum que envolva alteração da cor dos olhos.Porra.
Lavo as mãos na pia e enxugo na pequena toalha esticada em cima do box.
Pego meu celular e faço uma ligação rápida com a mão trêmula. Preciso fazer alguns exames e tomar uns remédios. Não quero engravidar de alguém que nem sei quem é e muito menos contrair qualquer porcaria de um cara qualquer.
Parabéns, Alice.
Você queria escapar da realidade e fez isso do pior do jeito.
Idiota.
Sou uma maldita idiota que agora precisa sustentar essas mentiras dentro de casa, na faculdade e no hospital. Eu até poderia socar a minha cara, se não estivesse ocupada demais batendo palmas pelo tamanho da minha estupidez em ter tomado aquela decisão. Desaparecer por dois dias. Que idéia de merda. Bufo arrependida e me odeio um pouco por isso. Nunca pensei que seria capaz de fazer uma burrice dessas.
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Chama azul
Fantasy| SINOPSE | Aos vinte e seis anos, Alice Vieira estava feliz com o rumo que sua vida estava seguindo. Faltavam apenas alguns meses para se formar na faculdade, onde com honras, foi selecionada para uma bolsa integral em Medicina. Morava com seus pai...