Capítulo 14

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| A l i c e |

Fico o maior tempo possível no chuveiro. Acho que devo ter me lavado umas duas vezes ou até mais. Estou enrolando, é bem obvio. Pelo menos, minha pele vai ficar macia e cheirosa, mas isso também não vai importar, se eu morrer até amanhecer. 

Em algumas horas, preciso ir para a faculdade e depois para o hospital, mas o único pensamento que está na minha cabeça agora é sobre Nathaniel estar do outro lado da porta. Não estou preocupada com o cansaço e o sono que, bem provavelmente, terei durante o dia. Não estou pensando em nada disso. Só não consigo descartar a sensação de que me envolvi em algo sujo. Algo perigoso demais para uma estudante de medicina. Não que houvesse opção, de qualquer forma. A ameaça existia, só não era visível como uma faca ou uma arma apontada, mas era real. A maldade espreitando nos seus olhos naquela noite era quase palpável.

Quando aceitei toda essa porcaria, não imaginei que me tornaria uma prisioneira ou que teria até mesmo uma sombra me perseguindo, por mais que ela seja bonita demais, ainda assim, não deixa de ser um incomodo.

Assim que meus pés encontram o chão frio, pulo para o pequeno tapete embaixo da pia. Meus pelos se arrepiam com a mudança absurda de temperatura e me encolho, sentindo falta do calor da água quente. Meus cabelos estão pingando por toda parte, então abaixo a cabeça e o enrolo na toalha, ficando nua e isso é muito estranho, pois eu sei que tem um homem por perto que poderia derrubar essa porta.

— Alice. — dou um grito com o susto e permaneço parada quando meu coração parece que vai sair pela boca — Acho que seus pais chegaram. — murmura pelo vão.

— É só trancar a porta e ficar calado. — respondo e encaixo o fecho do sutiã.

— Isso é tão ridículo. — ouço seu resmungo e seguro o riso. Passo a calcinha pela perna e quase perco o equilíbrio, quando ele retorna segundo depois, falando mais alto dessa vez — Aonde está a merda da chave? — questiona irritado e quase posso sentir saudade da sua risada perturbada.

— Na fechadura. — replico.

— Não está não. — grunhi e posso imaginar sua postura impaciente, o que torna tudo mais interessante. Que bom que ele está desconfortável.

— Alice. — ouço minha mãe e não penso em nada, um desespero atravessa meu corpo e simplesmente, abro a porta do banheiro e o puxo para dentro — Tudo bem, querida? — escuto os barulhos do seus passos e sei que está parada no meio do quarto — O que aconteceu com o seu tapete?

— Tudo ótimo, derrubei minha caneca, vou limpar amanhã. — respondo.

— Vou levar para a lavanderia. Ele é todo felpudo, vai ficar péssimo se lavar na mão.

— Obrigada. — digo.

— Por nada, agora vai dormir porque vai acordar cedo. 

Realmente não pensei quando o trouxe para esse espaço apertado comigo, porque estou apenas com roupas íntimas na sua frente. Seus olhos percorrem o volume dos meus seios, descendo lentamente até minhas coxas, mas parando momentaneamente na minha calcinha preta. Ele sorri abertamente e sinto meus mamilos se enrijecerem. Droga.

— Pode sair agora, ela já foi. — vocifero, quando sinto que mal respirar e puxo a toalha, enrolando pelo meu corpo de qualquer jeito. O som baixo do seu riso, aumenta as batidas do meu coração e estremeço — Nathaniel. —  chamo mais rispidamente e sua cabeça se levanta.

— Você até que é bonita. — murmura.

— Sai daqui. — esbravejo.

O que foi isso, meu Deus?

Assim que fico sozinha novamente, solto o ar que nem sabia que estava segurando. As batidas no meu peito não diminuem e sento na privada para recuperar o fôlego. 

A varredura que ele fez, sorrindo daquele maneira tão sensual e sinistra, mesmo que eu devesse odiar aquela sua cara, não consigo. Reúno forças nas minhas pernas para ficar em pé e recuperar o controle, e termino de me vestir.

Penduro a toalha esticada no box e abro mais a janela. Escovo os meus dentes e passo um pente rápido pelos meus fios, não deixando, por um mínimo instante que seja, em lembrar da sua expressão me encarando. Da centelha de desejo quando passou a língua pelo lábio inferior e dos seus olhos. Mais claros do que de costume, como se o próprio oceano tivesse sido pintado na sua íris. 

— Vai dormir ai dentro? — com um timbre profundo e grosso, ele me desperta para a realidade em que estou. 

Síndrome de Estocolmo não vai virar uma verdade.

Não somos nada um para o outro.

Nathaniel me obrigou a fazer coisas.

Ameaçou a minha familia.

Controlou meu corpo por vezes demais e sem permissão.

Invadiu a minha casa e a minha vida.

Ele não merece nada além de desprezo. 

Coloco meus pensamentos em ordem e abro a porta do banheiro.

— Você vai embora agora e vou te avisar quando sentir os efeitos. — digo pausadamente e ele se aproxima, abre a boca para me interromper, mas levanto o dedo no seu rosto, o silenciando  — Não me interessa o que você quer, mas o que eu quero. E nesse momento, quero você fora daqui.


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