Capítulo 43

441 88 57
                                    

| N A T H |

Não consigo entender. 

Porra, ela sonhou comigo e isso não deveria acontecer. Era para qualquer lembrança sobre mim ter sido excluída de forma permanente. Como conseguiu resistir tanto a ponto de ficar mais forte do que o meu próprio poder? É quase como se sua alma possuísse uma magia até mais intensa do que a minha. Ela deve ter conjurado tanto a vontade de não esquecer, que de alguma forma foram criadas barreiras na sua mente. Como fez isso? Alice é apenas uma humana. Cada fibra do seu corpo tem uma validade, tem uma fraqueza... Isso não está certo. Não deveria existir nada além de um sopro pequeno de vida dentro dela.  

Fico em silêncio, porque não sei como resolver isso. Nunca, em toda a minha existência, presenciei algo desse tipo. Posso sentir o cheiro vindo dela. Está diferente. Consigo farejar cada emoção que sua pele emana, mas esse.. esse não. É completamente novo para mim. 

Um medo bruto e puro circula dentro de mim. O que foi que eu despertei nela?

— Estou esperando. — acrescenta irritada e perco mais um segundo a observando. Seus cabelos caem sobre o ombro e seu peito se infla com uma raiva quase contida. Quase. É fácil ler suas emoções. Tão bonita e tão enigmática. Seu perfume fraco impregna meu nariz e inspiro com mais vontade. Saudade. Ela é tão forte quanto a minha confusão agora. Meu corpo borbulha querendo tocá-la, mas isso só tornaria tudo mais errado, até porque posso ver que seu olhar é um aviso. Ela respira forte e suas mãos estão tão coladas ao corpo, pressionadas de um jeito tão agressivo, que poderia me atacar a qualquer momento.

— Não é uma conversa que gostaria de ter aqui. — digo e cruzo os braços, tentando ignorar a pontada que parece afundar o meu coração. Eu a quero tanto, ainda mais quando os sinais que saem dela são os mesmos que o meu. 

— Qual o problema desse lugar? — questiona.

— Não estamos sozinhos. — aviso e seus ombros caem em desapontamento, mas ela logo se enrijece novamente, deixando a postura elevada. Admiro isso. A garota tem culhões.

— Vou pegar os capacetes. — digo e seus olhos se arregalam, mas não pela referência a moto, mas por outra coisa, fitando algo atrás de mim. Viro a cabeça lentamente e vejo Rafael próximo ao batente, com a camisa toda manchada de vermelho. Sangue do demônio que matei há algumas horas. Merda.

— Quem é? — ele se aproxima e Alice fica petrificada, ele a mede de cima a baixo, analisando-a como um cachorro, antes de se virar para mim com o semblante assustado — O que ela é? — pergunta e vejo quando a boca dela se abre em espanto.

— Como assim o que eu sou? — grita assustada. Quase posso ouvir as engrenagens na sua mente fazendo todo o barulho, tentando encontrar algum entendimento para a dúvida que nem mesmo eu sei a resposta — Sou uma mulher. — bufa impaciente e percorre o peito dele — Isso é sangue em você?

— Sim. — responde tranquilamente sem se importar o quanto isso não é normal para um pessoa como ela  — O que essa mulher é, Nathaniel? — a sua preocupação parece deixar o clima pior do que já estava, porque não tenho nada a dizer. Estou tão no escuro quanto ele. Alice é algo a mais agora do que uma simples mortal. Só não sei qual a porcentagem de humanidade que ainda existe nela e se isso é apenas o meu poder que não a abandonou por completo ou se sempre existiu dentro dela.

— Nos deixe a sós, Rafael. — ordeno e imploro com o olhar para que saia. Não posso lidar com os dois nesse momento e ainda mais ao mesmo tempo. Ele acena e antes de se retirar - maldito seja - sorri para ela de uma forma que me incomoda.

— Prazer em conhecê-la, nefilim. — arfo e ouço o suspiro alto dela.

— Do que ele me chamou? 

— Não se importe com ele. — digo — Rafael tem um jeito teatral de fazer as coisas. — tento amenizar, mas ela não alivia.

— Era sangue na roupa dele. — diz com a voz oscilando — Estou correndo algum risco aqui? — questiona e recua um passo, tomando uma distância grande demais de mim, e por mais que sua atitude seja compreensível, meu peito parece se dilacerar com esse pensamento, pois eu jamais seria capaz de permitir qualquer maldade contra ela.

— Eu nunca te faria mal. — acrescento. 

— Eu não posso ter certeza, não é? — responde rispidamente — Porque não posso me lembrar de porcaria nenhuma por sua culpa, idiota. — seguro o riso quando o fogo que eu tanto conheço incendeia seu olhar e o desejo de puxá-la para mim e sentir o gosto do seu beijo novamente, fica até maior do que a maldita preocupação que nubla minha mente. Tão linda.

— Procurei você há algumas semanas no hospital. — começo e ela se atenta a cada palavra — Precisava da sua ajuda profissional. — digo — Não fui muito gentil com você, praticamente te obriguei a fazer o que eu queria.

— Como? — pergunta.

— Ameacei seus pais. — confesso e como se adagas fossem colocadas sobre o meu coração, Alice leva a mão a boca e recua mais um pouco. Aumentando ainda mais o peso dentro do meu peito — Sinto muito. 

— E depois? — sussurra e o seu olhar de nojo, mirando diretamente os meus, me fazem vacilar. 

— Você me ajudou. — respondo — Aqui mesmo nessa casa. — ela assente, mas volta a encarar os próprios tênis.

— O que eu fiz? — diz em um sussurro sofrido.

— Eu estava com um ferimento grave e você me curou. — digo pausadamente.

— Eu não curo nada. — esclarece e se senta de novo, mas ainda afastada de mim — Conte exatamente tudo. — pede desconfiada.

—  Talvez até consiga, Alice. Basta parar de me interromper. — sorrio e ela abaixa a cabeça novamente, desviando a sua atenção do meu rosto. Posso sentir a batalha árdua dentro dela, a guerra que nem seus olhos conseguem mascarar, tudo para não ceder sobre a certeza que já tem. Que mesmo em meio ao todo caos dentro de si, o seu coração deu um jeito de encontrar o caminho para o meu outra vez.

Chama azul Onde histórias criam vida. Descubra agora