Capítulo 6

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| A l i c e |

Conforme caminho contra a minha vontade para dentro da sua casa, com meus pés o seguindo sem parar, fecho os punhos com força na lateral do corpo e travo meu maxilar. Estou furiosa e ... apavorada. Sinto o suor frio gelar as minhas mãos e mesmo que force meus movimentos para trás, tentando com um afinco gigantesco, nada acontece. Continuo indo para a frente, guiada por essa linha que nos prende.

Ele é um maldito monstro.

Minha voz continua presa na garganta, abro a boca algumas vezes e forço alguma fala, mas nenhum som é emitido. Não consigo gritar, apenas obedecer.

O barulho da minha mente é tão alto que não tenha dúvidas que ele pode ouvir. Isso não me surpreenderia.

Nathaniel

Seu andar confiante, com os ombros largos e despidos, como se fosse o dono do mundo é tão irritante, que a beleza que vi nele vai sumindo aos poucos e vai se transformando em desprezo, em nojo. Qual o problema dele, afinal?

Queria poder socar sua cara cínica até essa raiva e frustração sair do meu organismo. Bater ate virá-lo do avesso. Não sou a favor da violência, mas abriria mão de alguns dos meus valores somente por isso. A sensação seria tão boa. Sorrio com a imagem, porque essa é a única alegria que rodeia meus pensamentos nesse momento e não me deixa enlouquecer.

Esperava encontrar qualquer coisa quando passei pela entrada, menos um ambiente assim. As paredes são claras e as janelas enormes. Sem cortina e sem quadros. Limpa. Como se tivesse acabado de se mudar já pensando na hora de ir embora.

Nada pessoal, nada afetivo. Somente o nada.

O mínimo de móveis possíveis. Nada acolhedor, convidativo, mas uma moto chama a minha atenção. Por que diabos ele tem isso no meio da sua sala? Giro a cabeça levemente, mas o movimento dos meus passos não permite que me perco nem por um segundo. Continuo o seguindo como um cachorro feliz.

Não sei quanto mais vamos prosseguir. O corredor parece infinito para um homem que aparentemente é solitário, porque ainda não vi ninguém nesse lugar grande. Não faria sentido tanto espaço para viver sozinho. Tudo tão vazio, tão silencioso que um sentimento de pânico se instala no meu peito.

Aonde está me levando?

Grito novamente, mas o som fica apenas na minha cabeça, assim como nas outras vezes. Suspiro derrotada e puxo o fôlego necessário para continuar, não sei dizer como esse controle dele se comportaria caso eu desmaiasse e não quero testar.

Ao passarmos por um pequeno salão, composto apenas de um piano e uma lareira, sinto a pressão me deixando. Como se essa amarra entre a gente fosse desfeita.

— Está livre agora, Alice. — comenta indiferente — Só não faça nada idiota.

— Quero sair daqui. — digo e estranho o som áspero da minha voz, como se todos aqueles gritos tivessem existidos, pois ela sai arranhada, quase rouca — O que você fez comigo? — questiono amedrontada — O que você quer de mim? — passo minhas mãos pelo cabelo e balanço o braço em seguida. Conferindo se tudo está em ordem, se realmente estou liberta dele.

— Pare de fazer perguntas. — ele se aproxima e por instinto, recuo. — Se eu quiser que saiba de alguma coisa, irei te contar. — um sorriso de lado se forma rapidamente no seu rosto, quando apenas um lado dos seus lábios se levanta. Seus olhos me encaram e não desvio, não porque eu seja corajosa,  porque estou com medo tremendo, mas porque não posso baixar a guarda. Não quero que veja essa fraqueza tão exposta.

— Como soube que eu estava saindo do hospital? — arqueio a sobrancelha, fingindo uma coragem que não existe e o observo — Responda apenas isso. — imploro.

— Estamos ligados. — responde simplesmente — Sei aonde você está o tempo todo, Alice. — a minha expressão deve ter sido de alguma forma engraçada para ele, pois percebo quando segura o riso ao me ver apoiar o corpo na parede, sentindo minhas pernas fraquejarem e minha cabeça girar. Fico alguns minutos tentando não vomitar, quando uma tontura me atinge. Uma reação ao pânico. Tão intensa que se torna física.

— Isso não existe. — murmuro baixo demais, com o mau estar afundando meu estômago.

— Você não sabe nada sobre tudo. — argumenta enigmático.

— Por que estou aqui? — ignoro seu comentário sem sentido e tento outra vez uma nova pergunta.

— Preciso de você. — diz.

— Seja mais específico. — retruco.

— O trabalho. — diz impaciente e ao notar meu semblante confuso, continua ironicamente — A limitação humana também inclui falta de memória? — sua risada fria arrepia minha pele. Tão ausente de qualquer calor ou sentimento, que assusta. Um desespero por estar refém de alguém que não parece possuir nem sequer uma alma.

Sim, definitivamente, ele é um monstro e estou presa em sua jaula agora.

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