|A L I C E|
Estava esperando Nathaniel há mais de uma hora e isso estava me deixando com raiva. O que era bom. Sentir raiva era melhor do que sentir medo. Eu ficava mais corajosa quando meu coração palpitava forte assim. Não havia mais o frio na barriga pelo desconhecido ou o pavor desconcertante que fraquejava as minhas pernas. Não. Agora eu só fechava meus punhos com força ou cerrava meus dentes. Queria acabar logo com isso e essa sua demora era frustrante.
Empurro a garrafa vazia para o lado e abro outra. Essa é a terceira ou a quarta, não sei. Talvez seja a quinta, acho. O álcool parece ter começado seu caminho em mim, pois já não sinto mais aquele amargor da cerveja na língua que me faz torcer o lábio. Estou até gostando.
Para quem está se tornando humano a cada segundo, ele não parece ter tanta pressa em se curar ou não acreditou no meu papo furado sobre estar passando mal. Talvez eu não seja tão boa em atuar como pensei. Bom, saberei mais tarde.
Se fossemos amigos, o que, definitivamente, não somos, teria acreditado que aquela minha vontade foi apenas para confortá-lo de alguma maneira. Ele estava sofrendo, Deus do céu, quem não se aflige com a dor alheia? Mas eu sei que no fundo não estava oferecendo conforto. Ofereci algo a mais. Algo perigoso. Eu o queria, mesmo que não devesse. Mesmo não sendo o certo, eu o queria naquela hora.
Pode ser que esse incômodo, esse enfurecimento dentro de mim pela sua lerdeza em chegar, seja também pela frieza com que ele agiu depois do meu beijo. Se é que posso considerar aquilo um beijo. Nossas bocas ficaram unidas apenas por alguns segundos, adolescentes brincando de verdade ou desafio tem um contato até maior. Mas, enfim, prometi que esqueceria esse assunto, que ignoraria qualquer pensamento que o envolvesse. É isso que tenho que fazer mesmo, na verdade. Por mais que isso me corroa mas do que gostaria. Só preciso que meu corpo também siga a minha mente. Preciso que minha pele não se arrepie com a sua proximidade ou que meus batimentos não se descontrolem. Preciso colocar alguma ordem nessa reação que tenho com a sua presença.
Por que o sombrio parece tão atraente?
Aperto a minha têmpora com a pontas dos dedos e inspiro fundo. Recosto-me na cadeira e puxo o telefone antigo na mesa, discando o curto número grudado com durex na lateral. Preciso de um carregador, talvez haja algum na recepção.
A bateria do meu celular vai acabar a qualquer momento e preciso ligar para casa. Honestamente, preciso até pensar em alguma desculpa para não voltar nos próximos dias também. E o dinheiro, claro. Não tenho como bancar uma semana de gastos. Vasculhar a minha cabeça para encontrar uma saída não é uma coisa que pretendo fazer. Nathaniel vai ter que lidar com isso e me dar algum suporte. Simples assim. Problema dele, solução dele.
A madeira range conforme caminho pelas escadas de volta ao saguão. Ando nas pontas nos pés, mas nem sei muito bem o motivo. Talvez porque já esteja de noite e não quero incomodar os outros hóspedes ou seja porque eu não quero ser vista. Não quero lidar com a forma como meus olhos chamam a atenção e ter que fingir que isso é alguma coisa boa, porque não é. Definitivamente, não é.
— Boa noite, vou na padaria e pego o carregador na volta, pode ser? — pergunto para a mulher que deduzo ser a filha daquele senhor de mais cedo. Eles se parecem um pouco, mesmo com a grandiosa diferença de idade, o sorriso dela é tão genuíno quanto o do pai.
— Claro, sem problemas. — ela afasta uma revista e ergue o olhar — Vou encostar a porta, porque já passa das dez da noite, mas é só empurrar quando chegar. — aceno e saio para a rua.
O vento gelado assopra meus cabelos para o lado e passo a mão pelo pescoço para afastar. Um calafrio percorre minha pele e cruzo os braços sobre o peito para espantar o frio. Ando rapidamente torcendo para encontrar o estabelecimento aberto e assim que dobro a esquina, vejo um rapaz saindo com algumas sacolas pretas e a porta de aço abaixada até a metade.
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Chama azul
Fantasy| SINOPSE | Aos vinte e seis anos, Alice Vieira estava feliz com o rumo que sua vida estava seguindo. Faltavam apenas alguns meses para se formar na faculdade, onde com honras, foi selecionada para uma bolsa integral em Medicina. Morava com seus pai...