| A L I C E |
Sinto um cheiro forte queimar todo o caminho por onde a minha respiração passou e antes mesmo de abrir os olhos, levanto atordoada.
— Merda.
— O que estava fazendo? — pergunto e levo a mão ao topo da cabeça, massageando de leve.
— Estava tentando te acordar antes de você quase quebrar o meu nariz. — retruca irritado e aperta a ponta com os dedos — De nada.
— Desculpa. — peço e franzo a testa quando o odor parece até mais forte — O que é isso? — questiono e ergo a barra da camiseta para tampar parte do meu rosto, mas assim que seus olhos capturam minha pele exposta, cubro novamente e sorrio. Não sou a única pego em flagrante aqui.
— Tinner. — explica e sorri ao reparar no que fiz — Era a coisa mais forte que tinha. — assinto e o encaro.
— Você está bem? — fico em pé devagar e minhas costas parecem ter sido pisoteadas. Gemo quando o simples movimento dispara um incômodo por todo o meu corpo.
— Sim, foi só a dor da pancada mesmo. — responde.
— Estou falando do seu coração, Nathaniel.— esclareço e ele ri. Aquela risada idiota que não repugno mais. Honestamente, ele fica ainda mais bonito assim. E esse é, sem dúvida, um tipo de coisa que preciso parar de prestar atenção.
— Tudo certo. — com o punho fechado, ele bate sobre o peito e sorri — Continua uma pedra como sempre — E você?
— Acho que danifiquei a espinha. — resmungo quando dou um passo e sinto o repuxar doloroso na lateral — Que diabos foi aquilo, afinal?
— Foi estranho, não foi? — pergunta animado como se eu sair voando pela porra do lugar fosse algo impressionante.
— Foi péssimo. — digo — Eu poderia ter me machucado feio. — aviso.
— É, tem essa parte chata mesmo. — coloco a mão no pescoço para me acalmar e inspiro fundo — Quanto tempo fiquei desacordada?
— Menos de dez minutos. — isso ainda é tempo demais.
— Você acha que precisa de mais? — indago — Tipo ... mais algumas doses até estar curado totalmente?
— Não sei, vamos dormir e amanhã vejo o progresso. Espero que não.
— Eu também. — o clima muda assim que ficamos quietos, como se não houvesse nada para dizer, mas ainda assim, nenhum dos dois se mexe para se afastar.
— Consegue andar sozinha? — pergunta e se aproxima, apoiando a mão na base da minha coluna.
— Sim. — tento ficar alheia ao seu toque, mas parece que mesmo com o tecido entre nós, ainda é possível sentir o calor que ele transmite ou eu. Sei lá. Estar ao seu lado confunde a minha cabeça.
— O que você acha que vai acontecer quando terminarmos? — questiona e empurro seu braço gentilmente, dando um passo para aumentar um pouco essa distancia.
— Vou chamar um Uber e vou embora. — dou um tapinha no seu ombro e sorrio — E será a última vez que nos veremos. É isso que vai acontecer. — seus olhos se abaixam e sinto um aperto no peito — Não é isso? — pergunto alto — Vai me deixa ir para casa, não vai?
— Claro. — responde seriamente.
— Por que fez essa cara, então? — pergunto e meus batimentos começam a ficar acelerados, como se esperasse alguma porcaria ruim. Passo as mãos pela calça quando elas começam a ficar suadas e o observo mais duramente — Fala. — explodo quando o seu silêncio parece partir a minha alma ao meio — Você vai me matar?
— Eu sou anjo, garota. — esbraveja, como se de algum modo, eu o tivesse ofendido.
— Meu circulo de amizade não é tão diversificado assim. — apoio o peso do corpo na perna esquerda e ergo o olhar, fitando seus olhos, que no momento, são exatamente iguais ao meus — Como poderia saber que anjo não mata?
— Não mato inocentes. — sua frase tão sincera não deixa de ser um aviso. Ainda bem que não roubei aquele negócio brilhante.
— O que vai acontecer comigo, então? — um bolo se forma na minha garganta e honestamente, não sei se quero ter essa resposta agora.
— Você não vai se lembrar.
— Como assim? — dou outro passo para trás e aquele peso invisível no meu peito se torna maior, fazendo meu coração despencar.
— Assim que estiver curado, vou tirar qualquer lembrança que tenha de mim.
— Por que faria uma coisa dessas?
— Porque é assim que tem que ser feito. — diz rapidamente e se vira. Indo devagar até a mesa e segurando aquela garrafa poderosa.
Sei que estou a todo momento querendo me livrar dele e desse fardo que parece mais pesado a cada instante, mas quando imagino que nada do que está acontecendo vai ficar na minha memória, as partes ruins não parecem mais tão horríveis assim e mesmo que não queira admitir, gosto dele.
— Não quero que faça isso. — digo firme.
— Não lembro de ter pedido sua permissão. — sua voz volta a ser fria, apagando qualquer centelha de empatia que eu tinha por essa sua causa — Agora vai dormir, com sorte isso termina amanhã.
Giro sem responder e caminho pelo corredor, mas vejo a sua sombra logo atrás e ouço seus passos pesados atrás de mim.
— É assim que as coisas funcionam, Alice. — comenta ao abrir a porta do seu quarto e entrar em seguida.
Fico parada no escuro e com a mão na maçaneta. Meus pensamentos ficam embaralhados e sinto um mau estar arrepiar a minha pele. Não quero ser amiga dele, mas também não o odeio mais. Acho que essa atração que sinto me corroer, ficou maior do que o meu juízo, porque a única coisa que consigo pensar é que sentirei a falta dele.
Oi Síndrome de Estocolmo, sou eu, Alice. Prazer.
E com um suspiro, decido não fechar a porta e me jogo na cama. Bufo irritada e cruzo os braços por trás da cabeça. Quer saber? Passei o inferno com o Nathaniel, está na hora de me aventurar no paraíso um pouco. Vou esquecer tudo mesmo, então dane-se se vou parecer desesperada.
Deixei a porta aberta. Passe a noite comigo. — envio a mensagem para ele e consigo ouvir o barulho alto do toque quando a notificação chega no seu celular.
Assim que a realidade do que eu fiz me atinge, cubro o rosto de vergonha. Meu Deus. Como posso encará-lo amanhã? Por que diabos fiz uma merda dessa?
Eu sei o motivo.
Sou uma assanhada.
Brincadeira. Talvez eu seja, mas qual o problema em ser livre com a sexualidade? Nenhuma. Exceto quando se é chutada, que é o que acho que está rolando. Ele não me quer.
Talvez eu tenha imaginado que toda aquela esfera envolta de desejo também vinha dele, apenas porque eu o queria. Quis acreditar que mesmo discreto, ainda existia uma vontade nele. Que grande idiota.
Depois de alguns longos minutos e nenhuma resposta, começo a me sentir ainda pior. Ameaço ficar em pé e passar o trinco pela porta, mas perco a fala quando o vejo com uma toalha enrolada na cintura e com o corpo apoiado no batente. Seus olhos me encaram intensamente e a sua expressão é completamente indecifrável.
Puta que pariu.
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Chama azul
Fantasy| SINOPSE | Aos vinte e seis anos, Alice Vieira estava feliz com o rumo que sua vida estava seguindo. Faltavam apenas alguns meses para se formar na faculdade, onde com honras, foi selecionada para uma bolsa integral em Medicina. Morava com seus pai...