Capítulo 10

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| A l i c e |

Acordo e já é mais de meio dia. A minha barriga ronca, protestando a falta de qualquer comida, querendo colocar para fora o restante de álcool que ingeri noite passada.

Noite passada.

O seu sorriso ainda ecoa pela minha mente. Um som que poderia ser até agradável se viesse de alguém diferente. Saídas da sua boca, só revira meu estômago.

Suas palavras confiantes e cheias de arrogância, como se fosse o dono da razão de tudo, tão certo de qualquer coisa, quanto um ditador coreano.

Essa vontade de querer ser superior a todo custo, só demonstra o quanto é fraco. O quanto precisa ser um babaca para ser temido. Patético de merda, isso sim.

Enquanto escovo os dentes, perdida em meus pensamentos, ouço meu celular vibrando na cômoda. Enxaguo a boca rapidamente e levo a toalha comigo. Passando pelo rosto molhado, conforme encaro o número desconhecido na tela.

Não vou atender.

O hospital está entre os meus contatos, então se não são eles, não interessa quem seja. Coloco o aparelho no mudo e volto para o banheiro. Penduro o tecido grosso no gancho da parede e fico parada em frente ao espelho.

Meus olhos sempre escuros, parecem mais intensos hoje. Talvez pela falta de um sono regular essa semana ou pela bebida alcoólica que ainda circula no meu corpo, ou até mesmo pelo cansaço. Deus sabe que meus últimos dias foram mais que estranhos. Enfim, nunca saberei.

Abro a gaveta e enrolo um elástico no pulso. Coloco meu cabelo para o alto e o prendo. Nada de coques. Essa coisa de coque bagunçado só funciona com os outros, em mim, só parece que estava em alguma faxina e não tive tempo de me arrumar. Nada é mais seguro que um bom e velho rabo de cavalo, quando não se tem o dom de uma garota Tumblr.

Meus fios são escuros também e até o meio das costas. Gosto deles assim, não são lisos e nem enrolados, são apenas comportados. O que já é excelente, porque não tenho paciência para penteados ou dinheiro para gastar com potes de hidratação. Sorte a minha.

Quase todos sempre comentam o quanto pareço com o meu pai. Se fosse pela estatura estava bom, porque o homem parece um gigante, mas não. Sou baixa e não tem nada de especial nisso. É um saco as vezes. Precisar de ajuda ou sair arrastando uma cadeira quando precisa de algo que está fora do seu alcance não é legal, é um fardo.

Até sou interessante e por mais que a minha beleza seja comum, daquele tipo que não recebe duas olhadas na rua, sou feliz com a minha aparência. Até porque não me importa muito, quando se procura apenas sexo, assim como eu e não uma relação duradoura, esperando encontrar a sua outra metade e toda essa besteira, ser bonita se torna subjetivo. Quero diversão e não um noivo. Gosto mais de cérebros e até hoje não conheci nenhum que chamasse minha atenção.

Apenas um cara. Um cirurgião que conheci em um evento ano passado.

Ele sim tinha todas as chances de ganhar meu coração, se não fosse casado. Descobri isso de uma forma engraçada. Estava saindo de um plantão e o encontrei empurrando sua mulher em uma cadeira de rodas, com um bebê recém-nascido no colo. Seu olhar assustado e em pânico, rendeu muitas risadas naquela noite e uma garrafa de vinho mais tarde.

Fiquei chateada.

Não é tão difícil assim ser sincero, alguns homens deveriam tentar. Recomendo isso com muita força.

Segunda-feira é um dia que todos em casa saem. Meus pais vão para uma feira na cidade vizinha e só voltam tarde da noite. É um costume que adquiriram com o casamento de vinte e sete anos. Minha mãe cultiva suas plantas e sempre retorna com incontáveis mudas e meu pai, bom, ele só é obrigado a ir com ela.

Coloco o água para ferver e mordisco um pão de queijo. Assim que minha bebiba fica pronta, retorno para o meu quarto, assoprando minha caneca.

— Alice.

— Merda. — derrubo meu café no chão, que mancha todo o meu tapete e ainda respinga nas minhas pernas. O líquido quente queima minha pele momentaneamente e puxo o ar profundamente.

Seu riso baixo, como se essa cena fosse de alguma forma engraçada e nem um pouco assustadora, faz com que a raiva, que está se tornando um sentimento muito comum na minha vida desde que o conheci, nuble a minha visão.

— Existe uma forma de aparecer e geralmente é apertando a campainha Nathaniel Cullen. — vocifero irritada e me agacho para recolher os cacos da cerâmica quebrada — Você também vem aqui de madrugada para me observar dormir?

— Não sei do que está falando. — responde sério.

— Excelente, temos isso em comum então, porque não entendo merda nenhuma que sai dessa sua boca. — ele ri novamente e mais alto dessa vez.

— Eu liguei e você não atendeu. Não tenho culpa se você é barulhenta e distraída. — argumenta, como se isso fosse uma explicação válida.

— E então, você pensou, com essa sua cabeça burra, que vir até aqui como um maldito ninja, seria melhor? — desisto de tentar limpar e apenas o enrolo, empurrando para o canto do quarto. Levo as mãos a cintura, com o coração ainda acelerado e ergo meu olhar até ele — O que é tão urgente que não pôde esperar para me assombrar no hospital amanhã? — percebo quando ele trava o maxilar, provavelmente, segurando outra risada cínica, mas desiste.

— Você é sempre simpática assim? —retruca com os lábios curvados para cima.

— Só com quem invade a minha casa. — explico.

— Da próxima vez atenda, então. — resmunga e cruza os braços. Bufo e ignoro sua provocação, não vou entrar nessa vibe. Não de novo.

— O que você quer? — minha voz soa ríspida, porque ele não merece gentileza.

— Você está sozinha? — pergunta e se aproxima.

— Não mais. — resmungo incomodada pela intromissão no meu dia que seria perfeito. Tinha tudo planejado. Nada de Ana, nada de trabalho. Apenas um bom livro e minha lasanha congelada.

— Ótimo. — diz resoluto e o ambiente parece ficar cada vez menor, em cada passo que ele dá na minha direção. Uma presença imponente que mesmo que eu não queira admitir, é de um jeito, bastante atraente — Vamos começar.

— O que? — indago.

— O poder, Alice. — murmura impaciente — Você nunca me surpreende. — declara pausadamente e franzo a sobrancelha.

— O que quer dizer? — pergunto e fecho os punhos na lateral do corpo.

— Previsível e emocionada demais. — seus olhos se fixam nas minhas mãos cerradas e ele gargalha. — Calma, gatinha raivosa. Por favor, não me machuque.

— Você fica ainda pior quando debocha de mim. — Nathaniel balança a cabeça e após mais alguns centímetros, andando devagar, como em uma caçada proibida, coloca sua mão pesada na minha testa, antes de fazer algum sinal sobre a minha pele. Recuo no mesmo instante, quando o vejo com os olhos fechados e concentrado

— O que está fazendo? — murmuro amedrontada.

— Fique quieta. — ordena rispidamente e me controlo ao máximo, para não aproveitar dessa sua distração e chutar o meio das suas pernas — Feito.

— Não tem nada feito aqui, estou do mesmo jeito. — argumento e corro para o banheiro, procurando alguma diferença que não encontro.

— Por hora. — comenta e se aproxima da porta, tirando a claridade e me deixando desconfortável. Seu braço fica esticado, com a mão no batente, bloqueando a minha passagem — A noite entro em contato com você. Até lá, os efeitos já terão começados.

— Que efeitos? — retruco — O que você fez comigo? — pergunto preocupada. Tudo se tornou real demais e o medo também cresceu. A constatação de que o quer que seja aquilo que ele tem, agora está dentro de mim também e isso é aterrorizante.

— Você vai saber em algumas horas. — responde e se vira rapidamente, abrindo a janela do meu quarto e saindo escondido como a porcaria de um amante.

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