Capítulo 15

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| A L I C E |

Os olhos de Nathaniel me encaram furiosos enquanto o mando embora da minha casa, já que da minha vida, vai ser difícil. Meus batimentos estão acelerados, mas mantenho a postura reta e firme, mesmo que por dentro eu esteja apavorada. Meu peito se aperta tanto que chega a doer, mas ignoro essa pontada e continuo retribuindo seu olhar, sem desviar, nem por um pequeno segundo.

— Corajosa. — replica — O que te faz pensar que eu iria, Alice?

— Gritar até acordar a casa toda ajudaria? — devolvo com sarcasmo e sorrio — Estou pronta para fazer isso.

— Eu poderia matá-los. — comenta e segura meu dedo, que ainda estava apontado bem no meio dessa sua cara l̶i̶n̶d̶a̶  horrível. Sua ameaça fria e tão cheia de verdade, faz meu sangue gelar na mesma hora, mas não vou abaixar a guarda.

— Muito trabalho. — retruco com a voz entediada, mas isso não demonstra, nem de longe, o pavor que arrepia a minha pele — A melhor solução é você sair e esperar uma mensagem minha.

— Okay. — a palavra se arrasta por seus lábios e estar tão próxima assim, tão perto que sou até capaz de sentir seu perfume, faz a minha mente se esquecer, mesmo que rapidamente, que ele é o inimigo aqui. Ser bonito não o torna uma boa pessoa. Veja só o Ted Bundy. O cara era tão esquisito e atraente quanto esse aqui, e eu não pretendo ser enterrada em uma cova no meio do mato.

— Então, tchau. — recuo um ou três passos e me afasto dele — Você tem meu número. — aviso — Preciso do seu agora, já que me ligou no desconhecido. 

— Claro. — com movimentos lentos e ainda com o olhar em mim, ele enfia a mão no bolso da calça e pega seu telefone, digitando algumas coisas e sorrindo no final — Feito.

E sem esperar mais nada, Nathaniel abre a janela e passa suas pernas cumpridas por ela. Sem dizer nada grosseiro e sem nem olhar para trás, faz o que eu pedi. Fico surpresa, porque estava até esperando uma luta, mas foi até simples demais. Corro até lá e passo o trinco na madeira, puxando a cortina rapidamente.

Suspiro aliviada quando fico sozinha novamente e desbloqueio meu telefone. Uma nova mensagem pisca na tela e clico em abrir, mesmo sabendo que é dele.

Adoro calcinha preta — o idiota tenta me constranger pelo episódio no banheiro, mas não poderia errar mais. Dou de ombros e escrevo de volta.

Prefiro Os Barões da Pisadinha —  mal posso conter a risada que escapa dos meus lábios, quando a sua resposta chega.

Pesquisei o que era isso e me arrependi. Você é muito estranha, Alice.

Esse homem passeia entre a grosseria e o bom humor com tanta perfeição, que fica difícil distinguir o que se passa na sua cabeça perturbada. Não sei quanto das suas frases são, de fato, ameaças e o que é apenas uma brincadeira de mau gosto. Seja o que for, não quero o conhecer suficientemente para saber disso. 

Coloco o telefone no silencioso e ativo o despertador, deixando no chão ao meu lado. Em algumas horas, tenho aula e depois preciso ir para o hospital, preciso dormir, nem que seja um pouco. Abro a boca quando o bocejo faz até meus olhos se encherem de água e viro para o canto, puxando a coberta até o pescoço.

Enquanto permito que a escuridão me carregue, um último pensamento ronda pela minha mente. Eu poderia matá-los. Não, não poderia. Você precisa de mim.

Não lembro de ter tido algum sonho. Meu corpo estava tão sedento por descanso, que assim que fechei meus olhos, o sono me abraçou. Ouço o som do despertador ao fundo e cubro o rosto com o travesseiro, enquanto chuto a coberta para baixo. Merda. Queria ficar aqui o dia todo sem fazer nada, só quietinha e existindo.

Irritada com o barulho tão cedo, desligo o alarme e vou para o chuveiro. 

— Quer que eu te leve? — meu pai pergunta ao me ver passando com a pesada mochila nas costas e alguns livros nas mãos.

— Isso seria ótimo. — sorrio e ele se levanta. 

Conforme a cidade acorda e tudo passa por mim como um borrão, não posso deixar de pensar que talvez Deus tenha tido piedade da minha alma. Talvez e com certeza, espero que seja isso, o poder do Nathaniel não funcione em mim. Dessa forma, eu estaria livre e isso seria não seria maravilhoso? Bom, pelo menos para mim.

— Vai direto para o hospital? — pergunta assim que fecho a porta. Inclino o corpo, ficando na altura da janela abaixada e assinto.

— Volto só a noite. Obrigada pela carona, pai. — mando um beijo para ele e marcho até a minha sala, depois que o carro dele volta a se movimentar. 

Assumo o mesmo lugar de sempre. Duas fileiras atrás da professora, com duas mesas vagas ao meu lado. Apoio meus cadernos e todo o peso que estava carregando direto nas cadeiras vazias.

Uma sombra escurece minha folhas e ergo o olhar.

— Que porra está fazendo aqui, Nathaniel? — questiono furiosa.

— Vim ficar de olho em você. — ele usa um capuz, que cobre parte do seu rosto e se senta preguiçosamente ao meu lado, arrastando minhas coisas até o carpete encardido no chão. 

— Pensei que iria esperar. — retruco e empurro sua perna que avança o limite de espaço, encostando na minha — Você não pode ficar.

— Eu não queria estar em pé a essa hora, Alice. Só estou curioso e ninguém está me vendo além de você. —  o que?

— Vai embora. — sussurro quando o professor entra na sala.

— Não.

— Por favor, vai embora. — imploro.

— Fique quieta, garota. A aula vai começar. — viro a cabeça indignada e o encontro sorrindo. Seus olhos claros e tão intensos, foca na lousa a frente e ele bate levemente a mão aberta na minha coxa, me deixando em um silêncio absoluto — Gosto mais de você assim. Obediente.

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