| A l i c e |
A cortina na janela balança livremente com o vento que vem da rua. Tão livre quanto eu gostaria de estar nesse momento.
O sol continua brilhando forte no céu, alheio a mudança que fui obrigada a aceitar para permanecer em segurança. A minha vida de ponta cabeça não impede o mundo de girar, mesmo que o meu tenha virado do avesso, não significa que o universo entraria em colapso apenas porque eu não estou bem. Ninguém é tão especial assim.
Nathaniel saiu há alguns minutos, mas ainda continuo no mesmo lugar, como se estivesse presa novamente sob o seu controle, embora agora seja o medo que me impede e não aquela sua magia esquisita. Observo meu reflexo no espelho algumas vezes, aguardando o momento em que um chifre ou uma aureola luminosa nasça. Mas não. Nada. Nenhuma mancha sobre a minha pele ou qualquer alteração na cor da minha íris. Definitivamente, nada.
Estou exatamente como estava ontem.
Ele disse que em algumas horas começariam os efeitos e isso não me tranquiliza nem um pouco, até porque, quando me obrigou a aceitar uma fração desse seu poder estranho, esperava um rito mais elaborado ou até gotas de sangue, tiradas de um corte fino do meu pulso com um canivete antigo ao recitar um juramento, enquanto estivesse deitada em alguma pedra fria no alto de uma montanha. Qualquer coisa, menos aquilo. Somente um sinal na minha testa com os seus dedos, como um padre com a sua água benta nas missas de domingo.
Foi fácil demais.
Sem dor e rápido.
Certamente, eu não esperava que fosse dessa forma ou talvez até seja simples assim mesmo, até porque o meu conhecimento com o sobrenatural é quase zero. Ou inexistente, na verdade.
Estou há dias acreditando que em algum momento vou surtar. Vou gritar e correr sem destino para o mais longe de toda essa realidade. Quem lida com uma coisa dessa e não fica pirado, pelo amor de Deus?
É como estar vivendo dentro de algum livro de fantasia, onde tudo é novo e inacreditável, mas sem aquela parte romantizada, apenas a tenebrosa. Apenas aonde você encara uma nova dimensão, sem fazer ideia que conviviam todos juntos em paralelo.
Parece uma grande besteira. Bem que eu gostaria eu fosse.
Deveria ter insistido. Deveria ter infernado aquele homem para saber mais, assim como ele vem tirando meu sossego. Não saber é frustrante. Apavorante, para ser sincera. Como se preparar para algo que você nem sabe o que é?
A resposta é simples. Estou ferrada. Esse escuro é enlouquecedor.
Talvez eu morra até essa hora chegar. Meus batimentos estão tão fortes dentro do meu peito, que sinto minhas mãos geladas. Um ataque cardíaco parece melhor, comparado ao que pode acontecer comigo nessa agonia que transforma a minha mente em uma caixa de barulho sem sentido, apenas na expectativa do desconhecido que arrepia meu corpo inteiro.
Ameaço um passo e depois outro, até estar sentada na minha cama. Coloco minhas pernas juntas e fico com a coluna ereta. Por mais que me esforce e tente não pensar tanto, meus pensamentos estão descontrolados. Tento não prender a respiração, mas não consigo. A ansiedade parece ganhar a batalha e respiro fundo, como se o ar deixasse todo o ambiente e eu me visse, cada vez menor, cada instante mais perdida e confusa.
O que diabos vai acontecer comigo?
Abro a boca e a fecho novamente. Não sei o que dizer. Falar tudo isso em voz alta só vai tornar tudo mais real e quanto mais eu conseguir atrasar toda essa coisa, melhor.
Gostaria de me esconder dentro da minha própria cabeça. Ignorar o que quer que seja toda essa loucura, até estar pronta para enfrentar, mas desisto. Não acho que seja capaz de manter qualquer paz dentro de mim. Não enquanto ainda estiver nesse estado.
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Chama azul
Fantasy| SINOPSE | Aos vinte e seis anos, Alice Vieira estava feliz com o rumo que sua vida estava seguindo. Faltavam apenas alguns meses para se formar na faculdade, onde com honras, foi selecionada para uma bolsa integral em Medicina. Morava com seus pai...