Capítulo 48

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| N A T H |

Nunca entendi muito bem toda essa coisa emotiva que move os humanos. As ações impensadas e a forma como se entregam a alguém era, no mínimo, risível para mim. Não conseguia compreender. Não que eu era um fodido frio - talvez até fosse mesmo - mas sempre achei tudo muito forçado. Uma dependência tola. Por que amar tanto uma pessoa a ponto de se tornar vulnerável? Soa como uma maldita estupidez, certo? Errado. Muito errado. Isso era o que eu costumava pensar, mas meus pensamentos estão diferentes agora. Foram modificados de uma forma repentina e seria mentira afirmar que não gostei dessa mudança em mim.

É como se uma venda fosse retirada dos meus olhos e nesse momento, sou capaz de enxergar um novo mundo a minha frente. Todos aqueles sentimentos que me causavam repulsa, que viravam piadas na minha boca, nesse instante, curvam meus lábios para cima em um sorriso esquisito. Não é de sarcasmo ou de ameaça dessa vez. É a porra de um sorriso feliz.

Toda a sensação que eu via brilhar nos olhos de alguém, agora refletem nos meus e isso me deixa perdido pra caralho, porque não sei como agir mais. Estou muito longe da minha zona de conforto, mas perto demais de onde eu quero estar para sempre. Com ela. Alice.

A janela aberta faz o vento entrar com um zumbido baixo pelo quarto e puxo mais o lençol até o pescoço dela. Seu corpo se encolhe com o frio, mas logo se ajeita novamente, se encaixando perfeitamente ao meu lado. Ouço sua respiração fraca e ritmada, e aperto meus braços ao seu redor. Ninhando-a no meu peito e misturando meu calor no dela. Isso parece tão certo.

Evito deixar que algumas perguntas invadam a minha mente e suspiro. O ar parece queimar meus pulmões, como se cada parte dentro de mim pudesse sentir o perigo da escolha que estou fazendo e me alertando. 

Anjos não amam, Nathaniel. — balanço a cabeça veemente, atento a cada palavra de sabedoria de Gabriel — Nunca se esqueça desse equilíbrio, menino. — assinto, incapaz de retrucar qualquer outra coisa — Emoção é uma fraqueza. — fico em silêncio por uns longos minutos, mas ainda assim, não consigo entender.

— Por que? — pergunto em um sussurro curioso. 

— Quando você for mais velho e estiver comandando o exército. — ele se agacha e mantém o olhar duro sobre mim — A sua única preocupação deverá ser a vitória. Nada além disso.

— Isso parece errado. — comento e fecho os olhos com força quando a sua mão bate com força sobre a minha mesa, derrubando meus lápis coloridos no chão e espalhando as pontas quebradas sobre o piso. Cerro os punhos e o encaro. Sei que ele está só me provocando, mas o fogo parece sufocar a minha garganta com a raiva que seguro a todo custo. Isso sempre acontece quando fico nervoso e não gosto de sentir essa fúria. Não gosto mesmo. Belisco meu pulso repetidas vezes, porque a dor sempre me desperta. Sempre que sinto esse poder acendendo, tento me machucar de algum jeito. Não sei por que, mas funciona. O poder se retrai. E isso é o que eu quero. Não quero ser o mais forte. Não quero ser o escolhido. Não quero ter aulas separadas dos outros garotos. Quero ficar livre e não preso, ainda mais ouvindo essas besteiras sobre ser um robô que só mata.

— Controle isso, Nathaniel. — levanto o olhar e o vejo com as mãos sobre a barriga. Um corte profundo na sua pele, do ombro até a cintura, deixa minha visão turva. Um embrulho forte no meu estômago faz um gemido triste escapar da minha boca. Eu sou mau — Você não pode sentir tanto por causa de coisas como essa. — diz e a luz azul, tão clara e luminosa, começa a fazer o seu trabalho. Curando e eliminando qualquer vestígio do que eu fiz. De novo. É a quarta vez apenas nessa semana — Você nem estava olhando para mim quando me atingiu. — murmura — E você só tem nove anos.

— Desculpa. — digo — Eu não queria fazer isso. — minha consciência parece pesar uma tonelada, porque eu não queria machucar o Gabriel. Só estava sentindo muita raiva dele e no que ele quer me transformar.

— Não. — replica firme e se aproxima— Não se sinta culpado. Você não pode sentir nada. Nem mesmo remorso. — arregalo os olhos apavorado e meu coração parece que vai explodir — Vamos lá. Agora me acerte mais forte e se você estremecer, vai fazer isso outra vez, até  que não sinta mais nada ao me ver sofrendo.

— Oi. — seu timbre doce me resgata do passado rapidamente e sorrio ao beijar o topo da sua cabeça.

— Oi, querida. — sussurro e deslizo meus dedos pelos seus cabelos. Trazendo-a para o mais perto de mim que consigo, aproveitando cada segundo dessa paz, antes que tudo comece a desmoronar como uma maldita erosão.

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