| A L I C E |
Estamos sentados um de frente para o outro em sua sala. Minha perna está cruzada e minhas mãos estão abertas sobre o meu colo. Pareço um robô. Eu mal consigo respirar enquanto Nath me encara de um jeito estranho. Os dedos dele estão cruzados apoiando o queixo e o cotovelo dobrado sobre a coxa. Ele está inclinado e com o olhar tão fixo em mim, que o desconforto que faz meu coração acelerar parece inevitável.
Forço meus pés no chão para que minhas pernas não comecem a tremer. Não por medo. Não por isso. Não estou com medo dele, é algo mais... como cuidado. Não sei o que esperar e isso faz o desespero atingir meus ossos.
Sustento seu olhar analítico e demorado. Nenhuma palavra é dita e ficamos assim, nesse silêncio esquisito, apenas nos observando com uma intensidade que nunca senti na vida. Parece aquela brincadeira de quem pisca primeiro e eu até quebraria esse contato, acabando com esse clima sufocante, mas acho - tenho certeza - que não seria capaz de dizer nada agora. Minhas voz sairia esganiçada, isso se eu não gaguejasse. Não que eu tenha problemas em conversar com as pessoas, não mesmo, mas é que nessa situação, com todo esse contexto, acho que perdi a habilidade de me expressar com clareza. Ou talvez, seja apenas a sua beleza que me intimide. O homem parece a porcaria de um deus. Mesmo sentado, ainda parece diminuir o tamanho do ambiente com a sua grandeza.
— Como? — sussurra — Como está aqui? — uma pergunta simples, mas que teria uma infinidade de respostas e nenhuma que faça sentido. Não algum sentido lógico. Eu vi o choque percorrendo suas feições e tentei não pensar nisso.
— Sonhei com você. — murmuro de volta e abaixo a cabeça, achando super interessante de repente, o meu tênis velho. Imagens de nós dois perdidos em desejo, do seu toque quase aveludado sobre a minha pele quente e do meu peito, que parecia rasgar com alguma dor.
— Olhe para mim, Alice. — um pedido calmo, mas autoritário. Levanto o olhar até ele e sinto faíscas por toda a extensão do meu corpo ao ver um sorriso de lado crescendo no seu rosto bonito — E o que sonhou? — seus lábios se erguem de um jeito provocativo e prendo o ar por alguns segundo antes de responder.
— Com você. — pigarreio e ouço sua risada baixa. Ele, provavelmente, tem alguma idéia sobre o deve ter sido, porque sinto minhas bochechas queimarem e a sua risada ficar mais alta.
— Estávamos fodendo? — questiona baixinho, como se fosse algum segredo sujo e por mais que eu lute contra, ele parece conhecer as palavras que causam sensações em mim, pois continua sorrindo, como se esperasse alguma reação minha. Como se estivesse me instigando a lembrar. Ele sabe exatamente com o que sonhei, mas só quer me deixar desconcertada.
— Por que minha cabeça está uma bagunça? — retruco e ignoro a sua pergunta. Ele suspira e continua sorrindo, mas consigo perceber que algo dentro dele não está correto. Posso ver uma pontada de sofrimento convivendo junto com sua risada, que não me parece tão verdadeira agora. Ele está... triste.
— Você não deveria estar aqui. — diz e fecha a boca com a força. Eu até poderia ter imaginado aqueles sorrisos há alguns segundos, pois seu rosto é apenas uma carranca sem emoção nesse momento.
— Mas estou. — replico séria — Pode, por favor, explicar o que está acontecendo?
—Como encontrou esse lugar? — ele se levanta, mas não se aproxima. Fica apenas observando de longe, como se ainda não acreditasse que estou na sua casa.
— Encontrei um bilhete no meu banheiro com seu nome e esse endereço. — explico.
— É claro. — diz tão baixo que mal posso escutar. Como se estivesse falando apenas consigo mesmo.
— O que? — pergunto confusa e franzo a testa quando sua gargalhada me assusta.
— Era isso que você ficou fazendo no banheiro. — ele ri novamente e eu me afundo ainda mais nesse mar desconhecido que estou navegando. Mais uma lembrança que sumiu, mais uma lembrança que torna esse vazio ainda maior.
— Não estou entendendo. — digo, após um certo tempo — O que aconteceu com a minha cabeça, Nath? — pergunto outra vez e a risada morre em seus lábios.
— Por que não está me chamando de Nathaniel? — indaga.
— Por que no sonho chamei você de Nath e pensei que era assim que te chamava. — comento envergonhada.
— Interessante. — diz e avança um passo em minha direção — Eu me lembro bem dessa parte, querida.
Querida
Eu não estava louca, então. Aquela sensação familiar, aquela certeza que sentia encher meu coração, era sobre ele. Se referia a ele, meu Deus do céu.
Senti como se uma vida tivesse passado por meus olhos e que eu não tinha controle nenhum sobre isso.
Perco a fala quando me dou conta de que era esse homem a peça que faltava para tudo se encaixar na minha mente, o pedaço que foi tirado e que deixou um buraco desconexo. Era ele desde sempre. Nunca foi alguma droga ou bebida.
Eu não quero esquecer você
Não.
Foi ele quem eliminou uma parte da minha vida, deixando apenas migalhas espalhadas por todo lado. Como se fosse o responsável por decidir o que devo ou não saber sobre a minha própria história.
— O que você fez comigo, porra? — vocifero quando a raiva queima meu peito e fecho os punhos ao ficar em pé — E não esconda mais nada.
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Chama azul
Fantasy| SINOPSE | Aos vinte e seis anos, Alice Vieira estava feliz com o rumo que sua vida estava seguindo. Faltavam apenas alguns meses para se formar na faculdade, onde com honras, foi selecionada para uma bolsa integral em Medicina. Morava com seus pai...