Capítulo 52

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| N A T H |

Não sabia que precisava tanto ver o rosto dela outra vez. Não conhecia essa necessidade, essa urgência que a saudade causava, que queimava minha pele como gelo. Por um segundo, analisei cada parte do rosto bonito da Alice. Sua respiração estava baixa e compassada, e meus batimentos descontrolados. Meu sangue corria pelas minhas veias em uma velocidade absurda. Desde que abri a porta e encarei seus olhos grandes e confusos, meu coração ficou acelerado e até agora não parou. 

Comecei a odiar - um pouco - o que eu era, só porque isso poderia nos separar no futuro.  Eu, definitivamente, estava sendo irracional. Merda. Eu estava sendo irresponsável. O mais correto seria afastá-la e deixá-la viver uma vida normal. Afastar dela toda a escuridão que me segue. Todo o fardo que carrego. Eu não poderia fugir desse meu destino, tampouco, poderia empurrá-la para longe de mim novamente, mas essa luta milenar e invisível poderia ceifar a vida dela. Poderia, sim. O mal é traiçoeiro. Não existe honra e nem piedade. Para me atingir, seria colocado um alvo na testa de Alice e pensar nisso me destrói. Faz crescer uma raiva desconhecida dentro de mim. Uma sensação que arrebenta as portas da minha sanidade. É um dilema em que não estou pronto para decidir. Não agora e acho que nunca estarei, na verdade, porque é irrefutável o pensamento de me distanciar dela, assim como é impossível permitir que se machuque por minha causa. Mesmo que o mais seguro seja partir,  não seria tolo a esse ponto. Não, de novo.

Respiro pesadamente e me recosto na cabeceira da cama. 

Não estou acostumado a pensar tão adiante. 

Sempre houve um objetivo. 

Uma missão. 

Sempre soube como tudo seria e qual era o meu papel. Fui treinado e escolhido. Hoje, todo esse plano parece embaçado. Como se as linhas, sempre tão claras e definidas, começassem a se transformar em um emaranhado esquisito. Fiz um juramento. Uma promessa. Não posso abrir mão do que assumi. E mesmo que quisesse, não saberia nem por onde começar.

Posso sentir uma força vibrando dentro do meu peito. Sacudindo meu sistema. Alertando meus sentidos para o que fui criado para fazer. Aquele velho ardor no corpo e o desejo de livrar o mundo de mais um demônio, de mais uma parcela da maldade infernal que rasteja em cada esquina. É como se, de algum jeito, minha essência soubesse a batalha que existe dentro de mim agora e esteja - desesperadamente - tentando acordar o que está ficando dormente aos poucos.

Sorrio levemente ao observá-la. A luz fraca entra pela parede de vidro e seu cabelo escuro, aparenta ser meio avermelhado agora. Tão linda e tão... inocente. Quase posso ignorar a advertência que parece ficar maior a cada instante dentro da minha mente. Perdida entre o que é o certo e o que eu quero. Antes, o orgulho de quem sou preenchia cada lacuna na minha vida, mas, em momentos como esse, não posso deixar de notar um pouco de azar que me cerca. Eu a quero muito, mas seria justo condená-la por me escolher também? 

Seu cheiro doce invade meu nariz e inspiro profundamente, guardando cada partícula dela como se fosse o ar que preciso. Em um descuido, movo a minha perna e seu corpo estreito se mexe devagar, mas ela não acorda. Apenas se ajeita e continua dormindo tranquilamente. Sua boca está entreaberta e sua cabeça descansa despreocupada sobre a minha barriga agora. Uma sensação esmagadora se instala no meu coração. Uma coisa pura e quente. Muito quente. É assim a emoção humana que sempre caçoei? Essa fragilidade sentimental que os torna tão vulnerável está tomando cada parte do meu peito e não posso evitar me apavorar, mas, justamente quando acreditei ser o fim, Alice me trouxe um novo começo. Serei capaz de abandonar tudo por ela? Tornar meu corpo - forte e imortal - em humano? Abrir mão de todo esse legado por... amor?

Fecho os olhos firmemente e suspiro, porque não estou preparado para responder nenhuma dessas perguntas ainda. 

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