Capítulo 4

115 16 52
                                    

CAPÍTULO 4

Não dava para acreditar. Havia fogo por todo o lado. A parte da frente do meu flat simplesmente não existia mais, agora era um enorme buraco. Consegui ver parcialmente o que restou da minha cozinha. Todas as minhas coisas eram apenas cinzas, brasas e fumaça. O fogo começava no andar do meu apartamento e subia os andares seguintes. Fiquei parada apenas olhando a cena pelo que pareceu uma eternidade, todos os músculos do meu corpo se enrijeceram lembrando fragmentos das sensações da noite anterior, onde me encontrava completamente perdida.

Caminhei lentamente até o oficial que estava rodeado de todo tipo de gente, meus vizinhos, bombeiros, guardas, paramédicos e alguns curiosos soltos no meio de todo esse povo. Quando finalmente consegui me aproximar o suficiente para ser ouvida perguntei o que tinha acontecido.

- Você mora neste prédio?

- Sim, - respondi - o apartamento que está em chamas é o meu! Pode me dizer o que está acontecendo?

-Preciso que a senhorita confirme sua identidade primeiro, não posso lhe dar nenhuma informação sem ter certeza de que você é realmente a moradora do apartamento.

Peguei minha identidade que eu sempre deixava na parte de trás do celular, dentro da capa de proteção e mostrei a ele. Primeiro ele me encarou e encarou o documento por alguns segundos, depois encarou meu documento com uma folha que estava presa em uma prancheta que ele segurava e sem mais delongas, ele começou a falar enquanto me devolvia meu documento:

-Aparentemente a chama começou com uma explosão, cerca de uma hora atrás, os vizinhos sentiram o impacto, ouviram o barulho e viram a fumaça assim que o alarme de incêndio foi acionado. – Me questionei rapidamente que nunca me ocorreu que um prédio tão antigo como aquele possuía alarme de incêndio, quanto mais um que funcionasse – Os moradores saíram imediatamente e ligaram para o corpo de bombeiros - ele deu uma pausa - até agora não sabemos se houve vítimas, mortos ou feridos ou até mesmo se ainda há pessoas no prédio. Os bombeiros ainda não conseguiram controlar as chamas e ninguém entra no prédio até as chamas serem completamente controladas. - Ele pausou mais uma vez e me olhou por um instante, pensando no que diria, provavelmente pensando que sorte eu tinha de não estar no local até finalmente dizer:

- Me acompanhe, por favor. Você terá que responder algumas perguntas.

- Claro. - Concordei e o segui.

Ele me levou mais para o meio de toda aquela confusão de pessoas até finalmente atravessar a multidão e ir de encontro a um grupo menor de pessoas ao redor de uma mesa.

Um homem branco com bigode mais grosso que o necessário usando um uniforme preto e amarelo dava as ordens, conclui que seria o chefe dos bombeiros. Ele se dirigia a dois indivíduos de luvas, máscaras e jalecos perfeitamente brancos que repassavam as ordens aos demais membros de seu grupo. E, ao lado deles, se posicionava um quarto indivíduo, de braços cruzados que ouvia tudo atentamente. O homem aparentava ter uns trinta anos de idade. Corpulento o suficiente para fazer seus músculos marcarem por baixo da jaqueta preta de couro que ele usava. Tinha cabelos pretos perfeitamente penteados para trás, que combinavam com a barba também perfeitamente feita, como se tivesse sido tirada fio a fio minutos antes de sua aparição em qualquer que fosse o lugar. Me perguntei se sua imagem era assim sempre tão metódica.

O oficial que me acompanhava fez um sinal ao homem que estava com os braços cruzados e quando ele se aproximou o bombeiro sussurrou algo próximo ao seu ouvido. Não demorou mais que dois segundos para que o homem caminhasse na minha direção. Eu pude sentir ele me fitar por completo, como se analisasse cada centímetro do meu corpo.

- Boa noite, senhorita. Sou o detetive Jackson, encarregado da investigação do caso. – Ele finalmente descruzou o braço colocando as mãos no bolso da calça - A senhora pode nos dizer o que houve?

-Não, - respondi sincera - eu estava em casa cerca de uma hora e meia atrás. Saí para comprar meu jantar e acabei de voltar.

-A senhora se lembra de ter deixado algo em casa que possa ter ocasionado a explosão? Um forno aceso? Fogão ligado? Aquecedor?

-Não senhor, como eu disse, sai para comprar o jantar, não costumo fazer comida em casa e o aquecedor é geral, o mesmo para todo o prédio.

-Então, a senhora não tem a menor ideia do que pode ter acontecido?

-Por Deus! - Respondi nervosa - Já disse que não, eu não estava em casa e agora tudo o que eu tenho está em chamas. Esperava que vocês me dissessem o que está havendo ao invés de me fazerem perguntas idiotas. Acha que eu coloquei fogo no meu próprio apartamento? – parece que o estresse acumulado da última noite veio em uma única onda me fazendo proferir cada palavra sem sequer pensar com quem estava falando.

-Isso é muito comum, na verdade

O homem ficou parado me encarando por um tempo antes de cruzar os braços novamente. Aquela pose prepotente estava começando a me irritar.

-Senhorita Melina Gordon, certo? – ele disse finalmente – Foi como os outros moradores disseram que se chamava...

-Sim! – o interrompi

-Olha, – ele derreteu parcialmente a pose – eu sei que a senhorita deve estar absurdamente nervosa com toda essa situação, querendo explicações e uma solução para sua atual situação. Preciso que a senhora tente manter a calma o máximo possível para que possamos te ajudar a resolver tudo. Por enquanto preciso que responda algumas perguntas... – Ele tirou um pequeno bloco de anotações do bolso interno da jaqueta de couro que vestia junto de uma caneta e começou - Quanto tempo faz que reside aqui?

-Não sei, alguns anos. – Minha cabeça rodava e eu mal conseguia me concentrar em suas perguntas, quem dirá formular uma resposta.

-Muitos anos quanto? Sabe me dizer com exatidão?

-Há cinco anos – me concentrei.

-E seus pais?

-Morreram quando eu ainda era criança, moro sozinha. - Respondi seca.

-Desde que se mudou, percebeu algum movimento estranho em sua vizinhança?

-Não.

-Tudo bem, - Ele disse compreensivo – mais alguém residia ou frequentava sua casa regularmente?

- Não! Já disse, só eu.

-Ótimo, vamos precisar que nos acompanhe até a delegacia para prestar depoimento mais tarde, mas no momento vamos esperar os bombeiros controlarem as chamas para saber o motivo da explosão e se foi acidental ou proposital, ok? A senhorita tem algum parente? Namorado? Alguém para ligar?

-Não, ninguém... Espera, você disse proposital?

-Sim – ele continuou, provavelmente com pena pela cara que eu fazia - Olha, não podemos afirmar nada, afinal ainda não entramos no prédio para saber se restou algo para investigar, mas esta é uma possibilidade! - Ele pausou me encarando brevemente mais uma vez - Assim que os bombeiros controlarem as chamas minha equipe e eu poderemos entrar para tentar entender o que aconteceu, ok? – sua voz agora parecia pouco mais compreensiva que no início do diálogo.

-Eu posso entrar também? - Perguntei e ele me encarou friamente

-A menos que a senhorita tenha algum documento que mostre que trabalha com o corpo de bombeiros ou algo do tipo, a resposta é não!

- Eu posso ser útil

-NÃO! – Ele começou a andar e eu o segui.

-Se tiver algo diferente, que não é meu e que possa ter causado o acidente eu vou saber...

-Não.

-Eu sou advogada e eu... – tentei apelar para o lado do processo e...

- Tudo bem, aguarde aqui. Vou falar com os bombeiros. – disse apenas e saiu.

Não é que funcionou? Fiquei surpresa, mas a surpresa passou quando percebi o longo tempo que eu ficaria esperando.

InsanoOnde histórias criam vida. Descubra agora