Capítulo XIV

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Capítulo XIV

Os próximos dias passaram como um borrão.

Eu demorei um tempo para me lembrar do que tinha acontecido depois que Giuseppe me tirou da estação. Tudo que eu lembrava era da dor. Eu não estava ferida, a não ser pelos joelhos ralados, mas eu mal me lembrava disso.

A sensação... era tão forte que se tornou uma dor física.

Eu me lembrava de estar encolhida, com um casaco de Giuseppe em meus ombros, enquanto ele me segurava em seus braços, e tentava me acalmar, esfregando minhas costas e me apertando contra si. O carro balançava demais enquanto deslizava pelas ruas molhadas de Montalcino, e aquela sensação estava me deixando enjoada, mas eu estava tão entorpecida que não conseguia nem me dar ao trabalho de vomitar.

Depois eu me lembrei de chegar em casa, ainda embalada nos braços de Giuseppe. Cada passo que eu dava era amparado por ele, porque minhas pernas não tinham capacidade de me manter em pé sozinhas.

Giuseppe bateu na porta, e Henrico a atendeu depois do que pareceu uma eternidade. Ele já estava vestindo pijamas e mastigava algo, enquanto segurava uma cerveja na outra mão.

-O que você está fazendo com a minha mulher? - ele disse, irritado, depois de olhar várias vezes para se certificar de que estava vendo certo.

-Senhor Stronzo - Giuseppe cumprimentou, com uma expressão séria, inclinando a cabeça respeitosamente - Posso entrar para conversarmos?

-Não! Você não vai entrar na minha casa - Henrico respondeu, e largou a garrafa em cima da mesa que ficava ao lado da porta, então segurou meu braço e me trouxe para perto dele - O que quer que seja, pode dizer daí.

Giuseppe abriu a boca para dizer algo, provavelmente rebater o que Henrico dizia, mas ele me olhou mais uma vez, suspirou e calou-se.

-Está bem, eu...

Eu dei as costas para os dois e caminhei lentamente, arrastando os pés e me escorando na parede, em direção ao sofá.

-Espere um minuto! - Henrico exclamou, dando as costas para Giuseppe, e veio até mim, tirando o casaco que estava em meus ombros. O movimento fez meu corpo tremer. Eu estava congelando - Tome isso!

Eu não precisava olhar para saber que ele estava devolvendo o casaco de Giuseppe. Eu continuei a caminhar com as pernas trêmulas. Por que o caminho até o sofá parecia tão longo?

Eu deixei meu corpo cair nas almofadas macias do assento e me encolhi, abraçando as pernas. Eu ainda estava tentando assimilar o que tinha acontecido.

Pobre Maria.

Como era mesmo aquilo que Saul e Giuseppe tentavam me dizer no carro? Eu fechei os olhos tentando lembrar.

-... eles fizeram de tudo por ela e pelo bebê, Amélia, eu sinto muito... - eu lembrei de ouvir.

O bebê. Nem mesmo o pobrezinho escapara.

Eu olhei para minhas pernas. Só então me lembrei que tinha caído e machucado os joelhos. O machucado tinha parado de sangrar, o sangue escorrera dos meus joelhos até os meus sapatos, deixando uma trilha do que, agora, era sangue seco. Em meus joelhos, eu podia ver pequenas pedrinhas granuladas, onde o asfalto grudou no machucado. Eu passei a unha onde o sangue estava seco, tentando limpar. Sangue.

Eu fechei os olhos e pensei em Maria. Pensei no sangue saindo de sua testa machucada. Havia mesmo sangue ou eu estava começando a delirar?

-Bem, senhor, eu vejo que você está cansado - ouvi Giuseppe dizer. Ele parecia exasperado, mas ainda tentava ser educado - Por favor, sua esposa está ensopada e congelando. Tenha uma... - ele hesitou, mas pareceu não encontrar a palavra certa - Boa noite.

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