Capítulo XXXIII

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Capítulo XXXIII
    Achei que fosse eu quem ficaria mais em choque. Mas, na verdade, eu mal tenho tempo de soltar o papel, e Nicole já está de pé, andando de um lado para o outro, passando os dedos entre os cabelos, puxando os nós. Tenho quase certeza de que se ela continuar andando desse jeito, a fricção de seus pés com o piso vai iniciar um incêndio. Ela para por um instante, olhando para nós, e ergue um dedo. Por que acho que ela está trêmula?
-Não, não. Isso não pode ser verdade, não... - ela solta uma risada curta e volta a andar. - Não, eu já sei! - ela volta para a mesa, pisando duro, e pega a carta, colocando-a na frente dos meus olhos. Eu seguro o papel para afastá-lo e Nicole volta a marchar de um lado para o outro. - Pronto, Amélia, veja isso novamente... Ela vai nos dizer que essa carta não é de Giuseppe, claro que não. Diga a eles, Amélia. Diga que essa não é a letra dele.
    Ela dá mais uma risadinha e olha para mim, esperando.
-Vamos, Amélia, diga - seu sorriso começa a morrer, e seus olhos já estão cheios de lágrimas. - Vamos, por favor.
    Sua voz não passa de um sussurro suplicante. Mas eu não posso. Não, porque a caligrafia de Giuseppe foi a primeira coisa que reconheci.
-Pelo amor de Deus, você passou semanas trabalhando com ele, você conhece a letra dele, Amélia, dig-
-É a letra dele - eu digo, por fim, em um fio de voz. - É a caligrafia dele. Eu reconheço a... forma como ele faz o "efe" mais inclinado do que as outras letras - soa ridículo depois que digo, mas é verdade. Eu reconheço cada um dos maneirismos dele. - É a assinatura dele também.
    Nicole me olha como quem não acredita. Antônio está sem reação, ainda, e Frederick levanta, jogando o envelope na mesa, e esfregando o rosto. Nicole pisca rapidamente, e aponta para a carta novamente, e sinto o desespero em sua voz, tão sólido e palpável quanto o papel em minhas mãos.
-Então ele foi obrigado a escrever. Ele foi ameaçado. É isso... Claro que é.
    Exceto pela parte em que não é.
-Ele... - eu hesito. - Duas semanas atrás, quando estávamos trabalhando, e ele estava cheio de coisas para fazer, e eu... tinha uma carta, que ele começou a escrever, à mão, e eu disse que poderia escrever, na máquina, era só ele me ditar, como todas as outras - olho para os três, para ter certeza de que estão acompanhando o que digo. - Mas ele não quis. Ele não queria que eu pegasse a carta, que a visse. Na hora, eu não... não me pareceu algo estranho, mas... agora... Foi ele. Ele não foi ameaçado. Eu estava lá, quando ele escreveu... - a minha voz falha, e eu preciso me sentar. - E-eu estava lá...
    Apoio a cabeça nas mãos. Nicole é a única que ainda me observa, incrédula. Eu vejo ela torcer o nariz, e espantar as lágrimas. Vejo a raiva nascendo, quase consigo imaginar o fogo por trás de seus olhos.
-Filho da...
-O que tudo isso significa? - pergunto. Eles me olham, sem entender, e eu coro. Mas não é justo, pois sou a única que sempre está por fora do que está acontecendo. - Quer dizer, ele deve ter um bom motivo, não é?
    Mas ninguém me responde.
    Nicole e Antônio decidem ir para casa. Frederick precisa ir até a base improvisada, se apresentar, onde vão oficializar seu novo cargo. Eu vou para casa. Não consigo pensar muito bem no que estou fazendo, ou no que deveria fazer em seguida. Não sei o que pensar de tudo isso. Não sei o que a carta de Giuseppe, o "comportamento suspeito e indevido", ou a "conduta imprópria" significam.
    Estou tão perdida em pensamentos, que mal reparo que Henrico está em casa, até ele me chamar.
-Você voltou cedo - ele estranha - O que está fazendo?
-E-eu...
-Você está bem? - ele pergunta, e me surpreendo pela pergunta, mas sua voz carrega mais um tom de julgamento do que preocupação.
    Não entendo sua pergunta, até olhar no espelho, e ver o quanto pareço pálida e abatida.
-Eu... não estou me sentindo muito bem... - murmuro - Vou me deitar um pouco, está bem?
    Eu massageio a barriga, enquanto me dirijo para o quarto. Me sento na cama, e estico o corpo para alcançar meus pés, que estão doloridos, mas Henrico aparece, e me oferece um copo de água. Eu pego, mas o olho algumas vezes. Não sei porque me sinto tão desconfiada e esquiva, e me puno mentalmente por isso, antes de beber um gole, e perceber que eu estava realmente com sede. Termino de beber e lhe dou um sorriso agradecido. Henrico até tira meus sapatos, e ajeita meus travesseiros.
-Obrigada - sussurro.
    Ele se senta ao meu lado.
-Como está o meu filho? - questiona, e o vejo hesitar.
Tiro as mãos da frente do corpo, e deixo que ele toque minha barriga. Eu não contenho um sorriso. Leve e cansado, mas sorrio. Percebo como é bom ser tocada e notada novamente com carinho. Bem, é a forma de Henrico de demonstrar.
A mão dele cobre quase todo o meu abdômen inchado, e isso me faz pensar no estrago que ele poderia ter feito, no dia em que socou a parede, durante nossa discussão, um dia antes de me mandar para... para o hospital psiquiátrico
-Ele já chutou?
-Hum-hum - faço, segurando sua mão, enquanto ele ainda acaricia minha barriga.
Sinto que estou começando a ficar sonolenta, e seu carinho faz com que eu sinta que tenho 18 anos de novo. Éramos um casal feliz. Bem, eu era.
-Você vai me dizer quando ele chutar, não é?
-Claro que vou, queri- Henrico - sussurro. - Eu preciso voltar para o trabalho mais tarde - digo, mas não tenho realmente certeza. - Você me acorda?
-Eu vou sair - ele diz.
-Ah... está... está bem.
-Te chamo antes de sair - ele diz.
    Eu concordo com a cabeça, e Henrico sai. Eu me aconchego melhor na cama, ignorando a claridade que ainda entra pelas cortinas finas, e tento cochilar.
    Não sei se realmente chego a dormir, mas a carta de Giuseppe volta a me assombrar. A expressão de descrença de Nicole, a esperança em seu rosto, enquanto esperava que eu dissesse que ela estava certa. A forma como arruinei suas esperanças.
    Eu tinha certeza. Mas aquilo estava me incomodando ainda. Era possível que eu estivesse trabalhando com Giuseppe há quase 5 meses, desde a primeira vez em que ele me contratou, e ainda assim estivesse enganada? Era possível que eu não fosse, realmente, capaz de reconhecer sua caligrafia?
    Eu me levanto, o sono já tendo ido embora a essa altura. Pesco, no fundo da minha gaveta, o bolo de cartas que Nicole me entregou, e que eu nunca tive coragem de passar da primeira carta. Tiro do envelope a primeira, a única que li.
    Sim, é inegável, é sim a caligrafia de Giuseppe. Os mesmos "efes" e 'gês" que só ele sabe fazer. A forma como ele escreve meu nome. Soa tão bem quanto quando ele o diz.
    Droga.
    Ouço Henrico se aproximando da porta, e jogo as cartas de volta para dentro da gaveta, fechando-a o mais silenciosamente que posso, antes de me virar para o outro lado, e fingir que estou dormindo.
    Mas Henrico quase não se importa se estou dormindo ou não. Ele acende a luz e me chacoalha, quase com brutalidade.
-Acorde, sua carona chegou.
-Carona? - murmuro, confusa.
    Ele não me responde. Pega sua jaqueta e vai embora, batendo a porta da frente. Há uma raiva mal contida em sua voz. Eu me levanto e me arrumo às pressas.
    É Giuseppe quem me espera lá fora, encostado ao carro.
-Ah, boa tarde, senhora Stronzo - ele cumprimenta, com um sorriso educado. Contenho uma careta, mas vejo que Henrico, que ainda não foi embora, parece satisfeito ao ouvi-lo me chamar dessa forma, e eu aceito. Qualquer coisa que me livre de problemas desnecessários. - Não te encontrei na Scrivano, então imaginei que estivesse em casa. Temos muito a fazer hoje.
    Eu não respondo. Aceito sua mão para me ajudar a entrar no carro, mas quase não olho para ele ou digo nada durante toda a viagem. Sei que ele está estranhando o comportamento, pois me observa de forma curiosa o trajeto todo. Mas eu sigo sem dizer nada.
    Quando chegamos à sua casa, Hilma nos serve um pouco de chá, o que eu agradeço, pois é algo para fazer com as mãos, enquanto o escritório de Giuseppe não está pronto para ser utilizado. Além disso, me permite ficar de boca calada.
    Inevitavelmente, o General me conduz para seu escritório, e começamos a trabalhar. Vejo que ele quer dizer algo, mas, claro, não diz.
    Três dias se passam devagar e torturantes, dessa forma. Eu mal vejo Nicole, Antônio e Frederick nesse meio tempo. Eu continuo trabalhando com Giuseppe, ainda sem deixar escapar nenhum som ou palavra que não seja estritamente necessário. Sei que isso o deixa incomodado, mas não sei o que fazer, além de ficar em silêncio. Não quero acreditar que ele tivesse intenções ruins com a carta, mas não tive a oportunidade de abordar o assunto.
    No quarto dia, eu e Giuseppe estamos trabalhando há pouco mais de uma hora e meia, quando a campainha toca. Não me atento a isso, nem Giuseppe, até que Hilma bate na porta e entra com cuidado.
-Senhorita Amélia, querida, é para você.
-Para mim? - pergunto, baixo, e acho que é a primeira coisa que digo há horas.
    Eu me levanto e vou ver o que é, preocupada. Giuseppe me acompanha, também estranhando.
    Quem me aguarda na entrada da casa é um colega de Marco.
-Você é a senhorita Amélia? - ele questiona, passando o antebraço no rosto, limpando-o. Eu confirmo com a cabeça - A moça ruiva, a senhorita Dubois pediu que você a encontrasse em sua nova casa.
-Nicole? - murmuro, confusa.
    O menino dá de ombros. Ele está tentando desamassar uma nota, e vejo que ele foi pago para dar a mensagem.
-Ela disse que era urgente.
    Eu assinto, e agradeço por ele ter entregue a mensagem. Olho para trás, e Giuseppe parece preocupado.
-Será que ela está bem?
    Eu encolho os ombros.
-Ah, ela disse para você levar o General - o menino diz, antes de subir na bicicleta e ir embora.
    Isso é suficiente. Giuseppe nem ao menos chama um motorista, mas pega um carro por conta própria. Ele me ajuda a entrar, e então ocupa o lugar do motorista.
    Penso que deve ser algo realmente grave para Nicole chamar Giuseppe também.
    Giuseppe se orienta bem pelas ruas de Montalcino, e, afinal, a casa nova de Nicole não é tão longe da sua, já que ela teve de se mudar depois das bombas destruírem seu apartamento. Também, a casa nova é mais próxima do hospital, onde ela tem passado a maior parte de seus dias cuidando do senhor Luigi.
    Quando chegamos lá, tenho medo de descobrir o que aconteceu. Penso que, talvez, o senhor Luigo tenha falecido. E isso me apavora. Mas não mais do que quando vejo que a porta está destrancada. Eu e Giuseppe nos entreolhamos, e ele toma a frente, me escudando com seu corpo. Ele me pede para ficar alguns passos para trás, caso algo aconteça. Nós avançamos lentamente pela casa, que está escura, com todas as janelas e cortinas fechadas, e as luzes apagadas. Isso me traz lembranças ruins.
Quando viramos no corredor, um vulto sai de um dos cantos do cômodo, avançando contra Giuseppe, e eu não tenho tempo de dizer nada. Giuseppe também só o vê quando é tarde demais, e quando ergue a mão para se defender, parece perceber algo que eu não vejo, e não há tempo de parar o golpe, quando ele desfere um tapa mal preparado no rosto da pessoa, que, apesar de ser atingida, o empurra contra a parede, enroscando a perna na dele, o que faz com que Giuseppe perca o equilíbrio, mas não caia. Ele não consegue se firmar completamente de pé, e fica com as pernas dobradas, as costas apoiadas contra a parede e o rosto na mesma altura de seu agressor. Outros dois vultos aparecem, e eu estou prestes a gritar, quando as luzes se acendem. Tudo aconteceu tão rápido que me sinto zonza.
Foi Nicole quem atacou Giuseppe. Um de seus braços está contra o pescoço dele, enquanto a outra mão o ameaça com uma faca. Frederick se adianta e revista Giuseppe, lhe tirando a arma e uma faca. E Antônio fica em frente à porta.
Giuseppe não parece perceber de imediato que há algo de errado. Ele vê que atingiu Nicole com um tapa, e seus olhos se arregalam.
-Nicols, ah, meu Deus, desculpe, você está b-
Ele tenta se endireitar e tocar o rosto dela. Nicole tem sangue saindo de uma de suas narinas, mas ela não parece se importar. Ela empurra ainda mais a lâmina contra a pele do pescoço de Giuseppe, sem perfurar, mas deixando claro que ele não deve se mexer.
Eu olho ao redor, em choque.
-O que é isso? - Giuseppe pergunta, por fim, com a voz baixa, estranhando o comportamento de seus amigos.
Há muita raiva nos olhos de Nicole, e muita dor também, tanto que as lágrimas caem de seus olhos sem que ela permita, mesmo que sua expressão não mude.
-O que eles te ofereceram para você nos entregar? Hein? O que você ganhou para fazer o que fez com Frederick? - sua voz não muda de volume, mas o tom vai se tornando mais ferido a cada palavra. - Por quanto você me vendeu?
O rosto de Giuseppe se franze.
-Do que você está...? - ele olha ao redor, e vê a expressão de Frederick. Vê a carta que está em suas mãos. - Ah, você recebeu a carta - ele diz, com tristeza.
-Você ainda não me respondeu! - Nicole grita, empurrando o braço contra o pescoço dele, o que faz com que Giuseppe tussa, sem ar - POR QUANTO VOCÊ NOS ENTREG-
Mas Giuseppe afasta os braços dela, sem precisar de muito esforço. Nicole consegue fazer um corte superficial na pele dele, mas Giuseppe parece não se importar, derrubando a faca da mão dela. Antônio e Frederick fazem menção de ajudá-la, mas desistem, como se temessem que Giuseppe a machucasse.
Mas ele apenas segura os ombros de Nicole, baixando o rosto para ficar a sua altura. Ele a olha nos olhos.
-Nicole, eu não vendi você. Eu não entreguei ninguém - ele diz, baixo e calmo.
Nicole tenta se soltar dele, mas Giuseppe inverte a posição dos dois, colocando-a contra a parede. Ele ainda a segura, mas vejo que não está usando força.
-Por que você fez isso comigo? - Nicole questiona, trêmula mal mantendo os olhos chorosos abertos, o queixo franzido e tremendo, enquanto ela luta para não cair no choro.
-Eu não entreguei você - Giuseppe repete. - Eu não entreguei ninguém.
E eu acredito em cada palavra sua. Nicole também, porque ela fica alguns segundos olhando-o nos olhos, então o abraça e começa a chorar. Frederick e Antônio relaxam. Frederick se senta no chão, com a cabeça nas mãos, e Antônio se aproxima para ver se estou bem.
Giuseppe dá tapinhas nas costas de Nicole, acalmando-a.
-Me desculpe - ela pede, afastando o rosto do ombro dele. - Me desculpe, eu estava com medo, eu...
Mas Giuseppe a tranquiliza. Frederick também se aproxima de Giuseppe, então eu e Antônio vamos para lá, também.
Quando Nicole consegue se acalmar, e se solta do abraço de Giuseppe, ela esfrega os olhos com as costas da mão. Antônio a abraça pelos ombros, e ela se recosta contra ele.
Giuseppe sorri para a ruiva, mas ele olha com pesar para Frederick.
-Por que não falou comigo sobre a carta? - Frederick baixa o olhar. - Todos vocês. Por que não falaram comigo?
-Estávamos com medo - é Frederick quem se pronuncia. - Desculpe, General, eu não devia...
-Nós não deveríamos ter desconfiado de você - Nicole corrige. - Eu senti medo, Giuseppe. Muito medo.
Giuseppe faz que sim com a cabeça, os olhos a olhando com compaixão. Ele suspira, e, por fim, dá tapinhas no ombro de seu subordinado.
-Tudo bem, eu entendo - ele tenta sorrir, mas vejo em seus olhos que está chateado - Devo algumas explicações a vocês, imagino.
-E eu te devo uma cerveja - Frederick diz, sem graça.
-E eu te devo a porra de um jantar inteiro, eu coloquei uma faca contra o seu pescoço... - Nicole suspira, então seu rosto cora. - Giuseppe, você está sangrando.
Ele faz uma cara confusa, e toca o pescoço, percebendo o corte superficial de quando arrancou a faca das mãos de Nicole.
-Tsc! E você também, Nicole - ele olha com preocupação para o nariz dela e o rastro de sangue seco. - Está doendo? Desculpe, não tive tempo de parar e...
Ele se cala. Eu e Antônio nos oferecemos de sair para comprar algo para comer, e deixamos os três conversando para se acertarem. Quando voltamos, tenho quase certeza de que os três estiveram chorando, mas agora parecem bem.
A casa nova de Nicole ainda não está mobiliada, então nós colocamos toalhas no chão e nos sentamos em almofadas, enquanto nos reunimos para comer. Eu e Antônio preferimos pegar sanduíches para todos. Compramos cerveja, suco para mim, e Antônio encontrou um vinho francês para Nicole.
Nos sentamos em círculo, eu fico entre Giuseppe e Frederick, que está logo ao lado de Nicole, seguida por Antônio.
-Eu... - Giuseppe começa - Eu decidi fazer isso, Frederick, te rebaixar, porque... - ele hesita, engolindo em seco. - Eu não vou mentir, estão atrás de nós.
Nicole tenta falar, mas Giuseppe a acalma.
-Não estão perto de fazer ou descobrir nada, mas eles iriam investigar o incidente com Frederick, se nada fosse feito - Frederick olha para Giuseppe, como se pedisse desculpas - Não é culpa sua. Foi por isso que eu mandei a carta. Como vocês já sabem, eu vou ser investigado. Por ter... executado o agressor, segundo o relatório do General Grecco.
Todos nos revoltamos, dizendo coisas ao mesmo tempo.
-Mas foi ele quem te deu a ordem! - Antônio diz.
Giuseppe sorri, calmo, quase como se achasse graça.
-Sim, mas é uma estratégia. Foi o que ele disse. Ou eu comprometia minha carreira, ou ele iria atrás de vocês. Eu só pude atrasá-lo, mas, ainda assim, queriam uma investigação em relação a Frederick - Giuseppe faz um gesto em direção à carta, que Frederick lhe estende. - A carta foi a minha jogada. Eu tomei a culpa, dei a Tiziano o que ele queria, mas impedi que a situação fosse investigada. Eles não podem te investigar, Frederick, muito menos comprovar nada. Você está seguro.
Frederick assente, agradecido. Ele me vê, observando, e me dá um sorriso.
-Eu preciso ser sincero com você, Amélia... - ele hesita, enquanto todos o observam. Eu lhe faço um gesto de incentivo. - Eu estou escondendo isso há... muito tempo - ele suspira. - Eu sou gay, Amélia.
Eu o olho com curiosidade. Vejo que ele está esperando alguma reação. Eu lhe ofereço um sorriso.
-Está bem. Mas...
-Foi por isso que fui espancado. Aquele... homem, ele me ouviu conversar e... marcar um encontro. Achei que eu estivesse sendo discreto, mas... - ele suspira. Frederick fala tão rápido, que sei que ele está segurando isso há muito tempo. - Ele não gostou nada. Foi sorte que mais ninguém tenha ouvido ele me xingar, a não ser por Lu- pelo rapaz que estava comigo.
-Por isso você não queria ninguém investigando - digo, olhando para Giuseppe, que confirma - Porque Frederick seria expulso do exército...
Fred dá uma risadinha tensa.
-Se fosse somente isso ainda seria bom.
Nós ficamos em um silêncio tenso.
-Está bem... - Nicole diz. - Já estamos acertados. Vamos dar um jeito no resto. Eu proponho a nós um novo começo.
Giuseppe, Frederick e Antônio tilintam suas garrafas, e Nicole sua taça. Sou convidada a me juntar a eles com meu copo de suco.
Nós comemos, conversamos e damos risadas. A medida em que o tempo vai passando, vou me sentindo cansada e sonolenta. Nem percebo o momento em que estou apoiada no ombro de Giuseppe, a cabeça caída. Ele abraça meus ombros e toca minha barriga.
-Acho que está na hora de ir - Giuseppe diz, quando mal consigo manter os olhos abertos. Ele me chama com delicadeza. - Venha, Amélia, eu te levo para casa.
Giuseppe me conduz de volta ao carro. Eu fico observando enquanto ele dirige, concentrado. O uniforme está justo nos braços fortes. Ele franze levemente as sobrancelhas enquanto se concentra.
Em algum momento, ele me pega olhando, e dá um sorriso.
-O que foi?
Eu sinto meu rosto corar, mas sorrio de volta.
-Não é nada...
Ele dá de ombros, mas não aguenta muito tempo em silêncio.
-Nicole me disse que você... - ele começa, sem saber dizer ao certo o que quer - Ela disse que você acreditou em mim. Desde o começo. Desde que Frederick mostrou a carta - ele finaliza, mas não me olha. Giuseppe não está esperando que eu responda. - Obrigado, Amélia. Por confiar em mim.
-Eu confiaria em você em qualquer situação - digo, sem pensar muito, mas digo a verdade. É bom que tenhamos chegado bem nessa hora, porque Giuseppe para o carro com um tranco, atônito, e me olha como se quisesse ter certeza de que ouviu direito. - Ainda não acredito que o general Grecco tenha feito isso com você. Te culpar, como se não tivesse sido ele quem deu a ordem.
Giuseppe suspira e encolhe os ombros.
-Ele já fez pior - ele diz, sem pensar. - Ele tem o costume de culpar os outros para fingir que não são as mãos dele que estão cobertas de sangue.
Ele bufa, irritado, mas minha mente parece fazer um clic, como se algo finalmente se encaixasse.
-Giuseppe... Como é mesmo o nome completo dele?
Giuseppe não pensa muito ao me responder.
-Tiziano Francilio Grecco.
Minha mente estrala novamente.
-Eu não acredito - sussurro, o que faz com que Giuseppe me olhe, confuso, principalmente porque meus olhos estão cheios de lágrimas - Foi ele, não foi? Quem atirou nas mulheres russas, e culpou você. Foi ele quem sujou suas mãos de sangue. E agora de novo.
Giuseppe baixa os olhos, o que só confirma o que eu achava. Eu me aproximo dele, e me recosto contra seu ombro largo.
-Oh, querido, eu sinto muito... - ele assente devagar. Eu seguro sua mão. - Giuseppe, isso é horrível.
Ele tenta me dar um sorriso despreocupado, mas sua pele ficou gelada de repente. Os olhos tem aquela sombra. Sei que ele está revivendo o momento.
Aperto sua mão e ele parece voltar ao presente. Ele fica pensativo por um momento.
-Eu vou ficar bem - ele promete. - Tenho coisas importantes para proteger nesse momento.
Ele me dá um sorriso que eu retribuo.
-Você deve estar ansioso - comento. - Seu bebê deve estar para nascer. Você vai visitar Telma?
Giuseppe faz uma careta, que me parece de confusão. Ele solta um riso nervoso.
-Como? - dessa vez sou eu quem faz uma cara confusa. Mas Giuseppe suspira e faz um gesto com a mão, dizendo: - Não, não se preocupe.
Eu sorrio para ele e nos despedimos. Ele me ajuda a descer, e vejo, mesmo de fora, que Henrico não está em casa.
Seguro a mão de Giuseppe, chamando-o pelo nome.
-Se cuide, está bem?
Ele sorri.
-Nos vemos amanhã.

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