Capítulo VI
-Henrico...? - hesitei, ainda sem vê-lo com clareza na penumbra.
Ele saiu das sombras de nossa sala de estar e tinha a cara fechada.
-Amélia, eu perguntei quem era aquele - ele repetiu, secamente.
-Querido, é um cliente da Scrivano. Eu lhe contei dele, é o general - eu expliquei, sorrindo em sua direção e girando minha aliança em meu dedo, ansiosa.
Ele resmungou algo e bebeu um gole da cerveja que tinha em sua mão.
-Por que demorou tanto? Estou com fome.
Suspirei.
-Ah, querido, você nem imagina... O irmão de Antônio está doente, pobrezinho. Eu fui ajudá-lo, o menino está desnutrido, e eles mal têm condições de comprar comida - eu mesma podia sentir a angústia em minha voz. Minha mente maquinava formas de ajudar a família Sartori - Meu cliente da Scrivano me ajudou a ir no mercado, e fez a gentileza de me dar essa carona para casa.
-Antônio é aquele desvalido que trabalha na vinícola? E a mãe dele é aquela mulher perdida que mal conseguiu manter dois maridos e mesmo assim teve quatro filhos? - ele riu-se, revirando os olhos enquanto caçoava de Corinna e sua família.
Eu engasguei. Não gostava que Henrico falasse assim das pessoas. Quis discordar, mas temi que ele ficasse bravo, então ignorei, de cabeça baixa e fui fazer sua comida.
-Querido? - hesitei, tentando ganhar sua atenção, enquanto ele estava compenetrado em sua cerveja e no jornal.
Ele murmurou um "hum".
-Você não havia me dito pela manhã que teria um turno prolongado hoje?
Ele deu de ombros.
-Foi cancelado.
-Certo - eu assenti, e tomei coragem de lhe perguntar algo que vinha me incomodando desde o dia anterior - Querido, você reparou em algo especial ontem, durante o café-
-Querida, venha, vamos nos deitar rapidinho antes de comer - ele me interrompeu.
-O-o que? - eu perguntei, mesmo já tendo entendido da primeira vez, tentando ganhar algum tempo. Meu rosto esquentou e corou. Eu estava exausta e chateada com a situação de Antônio e sua família. Aquilo era a última coisa na qual eu queria pensar - Querido, hoje não...
Ele ergueu uma sobrancelha em minha direção, e respondeu em tom de estranheza:
-Bem, achei que queríamos ter um filho e...
-Tudo bem, tem razão... - eu não o deixei terminar, e o segui até nosso quarto.
******
Engoli o choro e tentei sufocar os soluços para não acordar Henrico, enquanto encarava minhas roupas manchadas de sangue. Tentei secar minhas lágrimas, mas outra rolou por meu rosto.
Eu me senti frustrada, decepcionada, e, principalmente, irritada comigo mesma. Mais um mês eu tinha falhado em gerar um filho. Tudo o que eu me perguntava era o que eu estava fazendo de errado.
Ironicamente, foi o riso de um bebê da vizinhança que me fez voltar à realidade. Pensei em minhas vizinhas e colegas de trabalho. Todas tinham filhos, menos eu. Eu chacoalhei a cabeça e me levantei do vaso, começando a limpar tudo.
Não queria ter que, mais uma vez, dar as más notícias a Henrico, mas, cedo ou tarde, seria necessário. Suspirei, me convencendo de que meu marido saberia o que deveríamos mudar para podermos ter logo um bebê.
Durante toda a manhã, aquelas questões martelavam minha cabeça. Eu me perguntava se o problema estaria em mim ou se eu apenas estava errando em algo.
Parecia irônico. Parecia que o universo queria me mandar uma mensagem. Grande parte dos meus clientes do dia estavam lá para enviar cartas aos filhos que moravam longe. Um homem escrevia para a esposa e o filho, que estavam em outra cidade de férias. Uma mulher simples viera enviar uma carta ao filho que mudara de cidade para ingressar na faculdade.
Como sempre, fiz meu trabalho com a dedicação e paixão de sempre, tentando ocultar minha frustração. Ninguém pareceu perceber meu humor. Não até chegar Giuseppe.
Eu o cumprimentei, como sempre, com um sorriso, mas ele franziu o rosto em minha direção. Não sei o que me entregou, mas assim que me viu, ele já suspeitava de que havia algo errado:
-O que houve?
Engoli em seco.
-Do que está falando? - forcei um sorriso.
-Você parece abalada - ele ergueu uma sobrancelha, me olhando como quem dizia "está tudo bem, pode contar comigo", ao mesmo tempo em que se acomodava na poltrona à minha frente.
Não sei o que me fez dizer aquilo, com tanta naturalidade. Giuseppe parecia me causar aquilo. Eu sentia um ímpeto de dividir as coisas com ele, para me fazer sentir melhor. Ele transmitia calma. Fora isso que me fizera recorrer a ele para ajudar Corinna e Antônio.
-E-eu não consegui engravidar... mais uma vez - murmurei, encolhendo-me na poltrona, apertando a barra da minha saia, tentando encontrar algo que me distanciasse dos olhos de Giuseppe.
-Ah... você teve suas regras - ele entendeu, dizendo com naturalidade, ao mesmo tempo que meu rosto corava violentamente.
-Não diga tão alto! - exclamei antes que pudesse me deter - Oh! Me desculpe, não foi minha intenção! - coloquei as mãos em frente a boca, castigando-me por ter me exaltado com ele.
Mas Giuseppe soltou uma risada leve e pousou uma mão em meu braço. Seu toque pareceu espalhar tranquilidade ao meu corpo tenso.
-Amélia, está tudo bem - ele disse, firme. Seus olhos, meio verdes, meio azuis, encontraram os meus - Que tal darmos uma volta?
Foi minha vez de franzir o rosto.
-Do que está falando? Eu estou no meio do trabalho, Giuseppe. Precisamos escrever sua carta.
-Considere um exercício de inspiração - ele deu de ombros - Estou falando sério. Vamos caminhar, Amélia?
Eu sorri, suspirando, vencida. Giuseppe era o cliente. Ele saberia o que era melhor para inspirá-lo a escrever sua carta.
-Está bem.
Ele sorriu de volta e me estendeu a mão para acompanhá-lo.
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Bella Ciao
RomanceAmélia tem uma paixão por cartas de amor, mesmo sem nunca ter recebido uma. Ela está acostumada ao trabalho e a vida pacata na pequena e tranquila villa italiana, que nem mesmo a guerra conseguiu agitar. Apesar da vida simples, ela é feliz no trabal...