Capítulo XLVI

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Capítulo XLVI

Juntos, eu e Giuseppe puxamos Saul para dentro. Hilma corre para buscar um copo de água para ele, e preparar chá para nós. Saul continua de sobrancelhas franzidas, preocupado, assustado, agarrado à sua mala, apertando-a contra o peito. Ele parece ter se transportado para as memórias de sua fuga, pois é o que me parece. É do que eu lembro. Me sinto num déjà-vu, vendo-o assim.

Giuseppe e eu trocamos um olhar rápido, e ele parece pensar a mesma coisa que eu. Eu o conhecia bem, quase podia ver seu cérebro trabalhando, acelerado de preocupação, definindo estratégias. Fazia meses desde que Saul chegou à Montalcino, em busca de abrigo e segurança. Mas era como se eu o estivesse vendo pela primeira vez. A única diferença era que ele não tinha fuligem no rosto, seus óculos não estavam quebrados, e ele não tinha nenhuma estrela amarela bordada no peito.

-Saul, sente-se - Giuseppe convida, suavemente. - Você parece cansado, meu amigo.

Saul obedece, e seus olhos parecem procurar qualquer sinal de perigo. Ele quase pula quando Hilma aparece com um copo de água para ele. Apesar disso, ele aceita e bebe a água, com as mãos ligeiramente trêmulas. Posso ver que ele está tentando organizar as palavras em sua mente, para explicar porque apareceu aqui de repente essa noite.

-Saul, o que aconteceu? - pergunto novamente, tentando manter a voz suave., embora cheia de preocupação.

Ele respira fundo, e seus olhos encontram os meus, finalmente. Ele tira um jornal do bolso e o estende na mesa para nós. Me inclino levemente para ler, mas nem preciso me esforçar tanto. A matéria de capa tem um título e letras garrafais que mostram por si só a gravidade da situação. Eu ouço Giuseppe suspirar pesadamente. No jornal, o que leio é "Crise se aprofunda - Perseguição intensificada em meio a conflito em andamento". Passo os olhos pela matéria, captando frases como "perseguição aos judeus" e "campos de concentração sendo esvaziados". Isso, somado ao judeu assustado no sofá me esclaresce o que está acontecendo, embora eu não queira acreditar. Giuseppe parece ter entendido também. Mas eu não quero que seja verdade.

-Eu preciso ir embora - Saul balbucia.

-N-não - eu deixo escapar, e ele ergue o olhar para mim. - Não, Saul. Por favor.

Olho para Giuseppe, quero que ele diga algo. Quero que ele me dê soluções. A sala agora parece quase sufocante, como se as paredes fossem se fechar a qualquer momento. Uma sirene soa, distante, me fazendo pular, como se o perigo estivesse se aproximando, espreitando. Sei que precisamos agir rápido, então olho novamente para Giuseppe. Seu comportamento normalmente calmo e composto vacila, e ele parece puxar os cabelos curtos para trás, com uma expressão preocupada.

-Giuseppe? - chamo.

-Eu preciso ir - Saul retoma. - Você viu o jornal, Amélia. Eles estão desesperados com a guerra chegando ao fim. O exército vai cair, mas vai levar quantos puder com ele. Essa matéria não descreve nem metade do que está acontecendo nos campos.

Eu me levanto, desesperada. Quero puxar os cabelos, quero me deitar no chão e cobrir os ouvidos, como se isso fosse fazer as coisas ruins irem embora. Mas eu continuo de pé, olhando para Saul, tentando dizer algo para convencê-lo a ficar, convencê-lo de que ele está seguro. No entanto, parte de mim sabe que não está. Olho para Giuseppe novamente. As lágrimas em meus olhos parecem trazê-lo à realidade.

-Giuseppe... Por favor.

Mas ele segura minha mão, com a testa franzida. Há muita dor em seus olhos, que ele nem ao menos consegue esconder.

-Eu não posso protegê-lo - Giuseppe admite, baixo.

Cubro os olhos com as mãos e libero algumas lágrimas. Não quero admitir derrota. Não quero ser fraca, não quero ser incapaz de proteger as pessoas que eu amo, os meus amigos, a minha família. Mas é ainda mais perigoso para eles que eu tente protegê-los e falhe nisso. Tento limpar o rosto, antes de me voltar, decidida para Saul.

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