Capítulo XLVII
Despertei lentamente com a luz do sol entrando pelas janelas, iluminando delicadamente o quarto. Penso em voltar a dormir, mas é uma sensação peculiar de desconforto e umidade que me desperta de vez. Lentamente, me torno mais consciente do meu entorno, e de mim mesma, e a primeira coisa que penso é na dor na parte inferior do abdômen. Então, apalpo a região, e os lençóis sob mim. Aos poucos, a compreensão se instala. Minhas regras tinham chegado.
Por um momento, sinto o alívio, como uma brisa fresca num dia de verão. Meu ciclo mensal estar retornando tão cedo - apenas dois meses após o aborto provocado por Henrico - é um bom sinal de que meu corpo está se recuperando, um sinal de que a vida estava tentando seguir em frente. Mas assim que vejo minha roupa e os lençóis manchados de sangue, o alívio se esvai, e me dou conta do que isso significa. Medo e ansiedade se instalam em meu coração, e quase posso ver os olhares desdenhosos de Henrico, me culpando por, mais uma vez, ter sido incapaz de conceber, junto com uma careta de nojo e desgosto ao ver o sangue, um lembrete persistente da feminilidade. Por quatro longos anos, menstruar significou falhar em cumprir meu papel.
Embora, agora, eu não precise me preocupar com isso, afinal meu corpo está se recuperando do aborto, e não estou tentando engravidar de Giuseppe, não posso deixar de temer. Me lembro da repulsa de Henrico ao me olhar, quando ele sabia que eu estava no meu período, e ao ver manchas de sangue nos lençóis ou nas minhas roupas. Embora eu saiba que Henrico não me amava, e por conta disso grande parte de suas reações eram desproporcionais, eu sabia também que os ciclos mensais eram um consenso: todos os homens o viam sob a mesma luz. E eu não poderia culpá-los, sabia que minhas regras eram algo a ser mantido em segredo, longe dos olhos. Ninguém precisava saber da vulnerabilidade em forma de sangue que eu, e todas as mulheres, precisávamos passar. Mas a ideia de Giuseppe sentir o mesmo nojo e repulsa, me ver como impura, me corta por dentro.
Meus olhos se enchem, ousando transbordar. Preciso limpar tudo, e poupá-lo dessa visão. Deslizo com cuidado da cama, mas isso não me impede de sentir a umidade se espalhar, ou o tecido da minha camisola colar desconfortavelmente contra minha pele. Preciso sufocar um soluço ao olhar para trás e ver a mancha de sangue no lençol. Giuseppe ainda dorme profundamente.
Vou para o banheiro, e deixo a porta entreaberta, desejando privacidade sem me sentir presa. Minhas mãos tremem conforme tento limpar a mancha na minha camisola com água gelada da pia, mas parece só piorar, se espalhando mais. Isso me angustia. A visão do meu próprio sangue parece inadequada, como uma piada maldosa, o destino zombando dos meus sonhos e inseguranças.
A mancha parece não ceder, o vermelho vivo contra o branco do tecido. A dor no meu abdômen intensifica, implacável, parecendo ecoar o aperto em meu coração. Meu rosto refletido no espelho é marcado por dor e vulnerabilidade. Paro de tentar limpar a mancha, curvada sobre a pia, enquanto as lágrimas salgadas escorrem pelo meu rosto, e tento sufocar os soluços. Emoções que venho tentando reprimir há tanto tempo vêm à tona, meus medos e inseguranças parecem me esmagar. Estar lutando há tanto tempo para engravidar sempre me fez sentir inadequada. Enquanto todas as mulheres ao meu redor pareciam engravidar e ter seus bebezinhos nos braços, tudo o que eu tinha era uma sensação pungente de fracasso. Falhar como mulher, falhar como parceira. Henrico sempre fez questão de me lembrar disso, apontando como era minha culpa que não tivéssemos uma família ainda, afinal eu não me esforçava, não me arrumava para ele, não tentava agradá-lo, nunca me deitei com ele o suficiente. Eu não era sedutora, bonita o suficiente, não facilitava para ele, não era agradável o suficiente. Era minha culpa, e meu sangue nojento era a evidência da minha falha.
Mesmo que Giuseppe não seja como Henrico, nem mesmo de longe, eu não suportaria decepcioná-lo, vê-lo enojado pela minha fragilidade. Tento pensar no que fazer, como lidar com a situação, sem expô-lo a isso. Como posso limpar nossos lençóis se ele ainda está dormindo bem ao lado da mancha?
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Bella Ciao
RomanceAmélia tem uma paixão por cartas de amor, mesmo sem nunca ter recebido uma. Ela está acostumada ao trabalho e a vida pacata na pequena e tranquila villa italiana, que nem mesmo a guerra conseguiu agitar. Apesar da vida simples, ela é feliz no trabal...