Capítulo XXI
A viagem de carro é feita quase toda em silêncio. Quando entramos no carro, eu me sento sozinha em um dos bancos, de frente para Telma, e Giuseppe está ao lado dela. Ele tenta me dizer algo, mas eu viro a cara para a janela, porque se olhar para ele, não vou conseguir segurar o choro.
O General percebe que não estou prestando atenção e me chama novamente e, pelo canto do olho, o vejo erguer a mão para me chamar, mas Telma o segura e o olha, e ouço-a sussurrar, de forma sábia, como alguém que sabe que algo está passando pela minha cabeça:
-Deixe-a, Giuseppe.
Eu vejo de relance a aliança de noivado em sua mão. O diamante negro combina bem com seu vestido e os cabelos dourados. Telma é linda e eu posso ver porque ele a escolheu, porque desistiu de romper com ela. A gravidez talvez tenha alguma influência nisso, mas... A verdade é que ela é perfeita, dos pés à cabeça. Até mesmo a minha barriga, que ainda não inchou muito, parece patética perto da sua.
Eu fico de olhos fechados, perdida em pensamentos, até chegarmos à estação. Seguindo o conselho de Telma, Giuseppe me deixa quieta, mas vejo que ele quer muito falar comigo. Talvez queira se explicar, explicar seus motivos, mas eu não quero saber. Sou guiada a minha cabine particular, onde pretendo ficar o resto da viagem até Montalcino. Giuseppe me entregou uma mala, dizendo:
-Eu imaginei que quando saísse do... - ele evita falar hospital, ou hospício - Quando saísse de lá, provavelmente não teria roupas, então eu... comprei algumas.
Eu concordei com a cabeça, e tentei dizer "obrigada", mas minha voz não saiu. Me tranco no quarto e abro a mala, porque tudo o que eu quero é me livrar das roupas cinza que me prenderam durante um mês todo.
Ele comprou alguns vestidos e casacos, e são todos de ótima qualidade e realmente combinam comigo. Eu visto uma roupa nova, e o caimento está quase certo. Se eu não tivesse ganhado peso com a gravidez estariam perfeitos. O fato de que Giuseppe me conhece o suficiente para saber o tipo de coisa que combina comigo, e que suas mãos memorizaram o formato e tamanho do meu corpo, faz com que meu coração acelere, mas trato de logo parar com isso, me lembrando de que ele não pertence a mim. Nunca pertenceu.
Eu deito na cama, sentindo alívio em sentir o colchão macio, diferente do colchão do hospital. Quero ficar ali para sempre. Não quero ter que encarar Telma e Giuseppe, não quero voltar para Henrico, mas parece que é a única opção que me resta. Eu jamais conseguiria sustentar a mim e a um bebê sozinha. Principalmente agora que eu sumi por um mês e não sei se ainda vou ter um emprego. Duvido que a vinícola me aceite de volta. O senhor Luigi talvez concorde em me deixar voltar. Mas eu sumi sem dar explicações. E, por conta da crise em que o país entrou por causa da guerra, não há muitos empregos na cidade. Qualquer vaga que aparece é logo tomada por alguém que está desesperado. Ou seja, voltar para Henrico é tudo o que me resta. Me convenço de que ainda podemos ficar juntos, ainda podemos ser uma boa família para o bebê que vai vir. Afinal, eu ainda não deixei de amá-lo. É difícil de admitir, principalmente depois de tudo, mas é a verdade. Não se para de amar, tão rápido, alguém que você amou tanto. Talvez ele também possa voltar a me amar. É, é essa a solução. Preciso apagar da memória qualquer resquício do que senti por Giuseppe. Isso vai precisar ficar no passado.
Até me surpreendo com a certeza e rapidez que tomo essas decisões. São difíceis, mas situações como essas pedem por medidas desesperadas, e é assim mesmo que estou: desesperada.
A única coisa que não entendo é porque Telma não contou a ele da gravidez, em suas cartas. Giuseppe passou dois meses em Montalcino, trocando cartas com ela quase todos os dias, perguntando sobre sua saúde, sobre o que vinha fazendo. Porque ela não contou? Só posso especular que ela estava tentando fazer uma surpresa, ou não queria distraí-lo de suas responsabilidades com o exército.
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Bella Ciao
RomanceAmélia tem uma paixão por cartas de amor, mesmo sem nunca ter recebido uma. Ela está acostumada ao trabalho e a vida pacata na pequena e tranquila villa italiana, que nem mesmo a guerra conseguiu agitar. Apesar da vida simples, ela é feliz no trabal...