Capítulo XIX

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Capítulo XIX

Os dias passam muito devagar na instituição psiquiátrica. Muito, muito devagar. Ainda mais porque ando muito sonolenta, o que não faz sentido algum, já que os dias são muito ociosos, e eu mal fico cansada, mas, mesmo assim, quando faltam vinte minutos para o jantar eu preciso lutar para manter os olhos abertos.

A falta de movimentação também tem feito com que eu ganhe um pouquinho de peso. Não é muito, mas como sempre fui muito pequena, é o suficiente para que eu tenha que pedir roupas novas. Mas Agatha diz que isso é ótimo, porque significa que meu corpo está se recuperando do meu adoecimento. Ela tem cuidado demais da minha saúde, desde que me encontraram desacordada no corredor. Eu a questiono sobre isso, mas ela diz que é só porque fui muito abalada pela rubéola, e que está cuidando para que eu me recupere logo. Minhas refeições são um pouco mais reforçadas do que as das outras moças, e me empurram muito feijão e brócolis durante almoço e jantar. De manhã, banana, cereais e linhaça. Mas eu como pouco de manhã, porque minha boca fica com um gosto horrível, metalizado. Isso quando não fico nauseada. Eles me dão vitaminas por causa disso.

Estou agora em frente ao escritório de Dolores, outra irmã que administra a instituição, esperando que ela me dê um casaco novo, porque o outro está ficando apertado. Penso em dar a sugestão de trocarem os colchões, porque estou há dias com dor nas costas, mas decido deixar de lado.

-Aqui, querida, agora ande, o doutor está te esperando - diz Dolores, me entregando uma nova muda de agasalhos cinza.

Eu visto um e deixo o outro no quarto, e não me apresso até o escritório do médico. Na verdade, se eu pudesse fugir dele, eu o faria. Mas cá estou.

Não demorou muito para que ele descobrisse que eu tinha feito amizade com Glória, Mag e Nicky. Eu não pude mentir, claro, então fingi inocência em relação a elas.

-O que vocês têm conversado? - perguntou o doutor Ângelo, durante aquela sessão, me olhando com olhos atentos.

Eu encolhi os ombros.

-Bem, elas tem me falado da rotina, para que eu não fique perdida com os horários - eu disse, e tentei manter meu corpo relaxado para que ele não soubesse que estava mentindo - Ah, e Nicky é ótima com palavras cruzadas, tenho me divertido com ela.

Eu dei um sorriso ao dizer isso. É verdade. Mas nossas sessões de cruzadinhas são feitas em meio a conversas sussurradas, enquanto ela esbraveja e xinga a instituição, ou conversamos sobre os motivos pelos quais que estamos lá.

-Hum - ele fez uma anotação.

Argh.

Em todas as sessões ele tenta arrancar algo sobre as três mulheres, mas sempre minto, e digo que conversamos amenidades, ou invento alguma melhora no comportamento delas, principalmente de Nicky, que parece ser o principal alvo dele. Penso que ela deve ser um desafio, tão indomável e debochada. Sempre conto a ela as mentiras que inventei, e ela ri, mas promete compactuar com a mentira, para que nenhuma de nós se encrenque.

Respiro fundo antes de bater na porta do escritório, me preparando para longos minutos de sessão, entre "hum" e "tsc", enquanto o doutor Ângelo faz suas anotações.

-Atrasada, senhora Stronzo - ele diz, com reprovação, ao abrir a porta.

Odeio que ele me trate como se eu tivesse treze anos, e fosse uma de suas alunas desobedientes. Odeio que eles usem o sobrenome de Henrico. É como uma punição pessoal. Um aviso. Eu pertenço a ele. Ele teve o poder de me mandar para cá. Ele me têm.

-Perdão, doutor, fui buscar casacos novos - eu enrolo o casaco ao redor do meu corpo.

Ele abre espaço para que eu entre, mas não o suficiente para que eu possa passar sem esbarrar nele. Eu o odeio, e tento me encolher, mas não adianta. Depois que eu passo, ele se afasta da porta e se senta em sua poltrona, cruzando as pernas, e apoia a prancheta no joelho. Ele pigarreia e me olha.

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