Capítulo XXIII

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Capítulo XXIII

Não levou até o final da semana para que eu percebesse que só a Scrivano não ia dar certo.

-Boa tarde, vim oferecer meus serviços para limpar a sua casa, e...

A porta bate sem que eu nem ao menos termine de falar. Não foi o único essa semana. Grande parte dos meus vizinhos não é muito receptiva, eu logo percebo. Na verdade, grande parte deles passou a me odiar desde que sumi por um mês. Os boatos tem uma grande influência nisso.

Numa cidade pequena como Montalcino, pessoas taxadas como "adúlteras", "infiéis" e "vagabundas" não tem muita chance de serem bem recebidas. Desde que comecei a oferecer meus serviços de faxina pela vizinhança, tudo o que recebi foram "nãos", alguns mais sutis, outros como esse, portas fechando na minha cara, e um ou dois que foram bem insistentes. Os poucos vizinhos com os quais ainda tenho um bom relacionamento, como Donnatella, recusaram porque disseram que eu não posso ficar fazendo esforço grávida, ou porque já tem a própria faxineira. Alguns abrem a porta e já franzem o nariz na minha direção, e já sei que isso significa que eles ouviram e acreditaram nos boatos, o que significa que me odeiam. Para eles, não sou digna para estar em suas casas. Em uma das casas fui escorraçada para fora.

A velha ameaçou pegar uma vassoura para me enxotar da sua porta, enquanto berrava xingamentos na minha direção. Já estou em busca de uma segunda renda há dois dias, mas até agora não tive sucesso. Penso no otimismo que eu estava no começo da semana, pensando que tudo daria certo com o meu emprego e de Henrico.

No mesmo dia em que recebi o dinheiro do senhor Luigi, fui até o mercado e tive a surpresa de ver que os preços aumentaram demais. O dono da vendinha explicou que a guerra tem deixado os produtos muito escassos. O dinheiro que eu tinha reservado para fazer as compras, que já não era muito, rendeu ainda menos do que eu esperava. Saí de lá com poucas sacolas. Grande parte da comida que comprei, as verduras e os legumes, estão meio amassados, alguns muito verdes e outros quase passados. A carne estava muito cara então não comprei nenhuma. Nem frango ou peixe. Consegui barganhar uma caixa de ovos, mas só porque o dono da vendinha conhece minha família há anos e foi um grande amigo do meu pai. Enfim, a pouca comida que comprei vai ter que durar o mês todo, assim como os produtos de limpeza. Peguei das marcas mais baratas, senão o dinheiro não ia dar. Não conheço a maioria, mas é minha única opção.

Volto para casa com as sacas de mercado, e deixo separado o dinheiro para pagar a conta, no dia seguinte. Também deixo guardado o dinheiro para pagar Donnatella. Eu ia lhe devolver o dinheiro hoje mesmo, mas sua casa já estava escura quando, finalmente, tive um tempo livre, depois de guardar as compras, lavar o tapete, etc, então assumi que todos já deveriam estar dormindo. Henrico não demora muito para chegar, o que me surpreende. Outra surpresa é o presente que ele trás. Ele entra em casa carregando uma cesta com pães, queijos, um bolo, salame fatiado e cremes para passar no pão.

-O que é isso? - pergunto, liberando espaço na mesa para que ele coloque a cesta.

-Andrés - ele diz, depois de largar o presente na mesa, e esticar as costas até ouvir um estralo - Ele ficou sabendo que vamos ter um bebê, e nos deu esse presente. E um pouco de dinheiro.

Ele saca algumas notas do bolso, amassadas, e me dá. Eu vou até ele e lhe dou um abraço.

-Mande um abraço para ele e diga que eu agradeço - peço, depois de desembrulhar o conteúdo da cesta.

Passo um creme de azeitonas em um pedaço de pão para mim, e outro para Henrico. Me obrigo a mastigar devagar, contando cada mordida, fazendo o possível e o impossível para que o pedaço de pão dure mais. Digo a Henrico sobre como foi o mercado hoje. Ele me olha surpreso, enquanto mastiga seu pedaço, também lentamente.

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