Capítulo XXXII

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Capítulo XXXII
Era estranho ver Montalcino se recuperando. Até porque, para começar, era inaceitável que tivéssemos sido atacados. Montalcino era apenas uma pequena villa pacífica no meio do nada, produtora de vinho. Não havia nada de especial lá. Nada de ameaçador.
Ao menos, não antes da ocupação do exército. Não tínhamos nada a ver com a guerra antes que o exército chegasse. Com ele vieram os problemas. Não só a guerra, como também os rebeldes.
E aparentemente a população de Montalcino tinha acordado para esse fato - menos, talvez, para a existência dos rebeldes. E agora eles queriam respostas. Queriam soluções. Estavam revoltados.
Quando eles chegaram, ninguém sabia muito bem o que pensar. Alguns, como Giuseppe, Frederick, Saul, e poucos outros soldados, tinham conquistado respeito e simpatia. Mas agora até mesmo isso estava ousando ruir, caso algo não fosse feito logo. Havia uma diferença gritante: Giuseppe e seus subordinados faziam o possível para acolher e auxiliar a população, com comida, moradia, ou mesmo acolhendo seus medos e preocupações. O General Grecco e seus subordinados preferiam ameaçar e assustar, caso os incomodassem.
Mas, no geral, estávamos nos dando bem em recuperar a cidade, mesmo que fosse só a primeira semana.
Nicole tinha mobilizado as escreventes para trabalharem em pequenos escritórios improvisados, espalhadas pela cidade, enquanto a Luigi's Scrivano estava inacessível, devido aos danos, e o próprio Sr Luigi ainda está acamado, se recuperando de tudo o que aconteceu no dia do bombardeio, inclusive a morte da esposa, Josie. Nicole quase não deixava o leito do tio, o ajudava a comer, a se levantar e a se distrair. Ela o mantinha a par da situação da empresa e das escreventes, e até lia para entretê-lo.
Nem todas as escreventes tinham aparecido, e mesmo que Nicole quisesse lhes dar uma bronca, o Sr Luigi a impediu, dizendo, bondoso:
-Nós todos passamos por muita coisa, Nicole, querida... Deixe-as se recuperar.
Nicole não gostou muito, mas obedeceu. Ela também estava trabalhando conosco, e estava farta de ouvir as outras moças dizendo o quanto ela era boa por estar cuidando do tio.
-Não é nada que ele não faria por mim - ela respondeu, entredentes, e desviou o olhar.
Eu me lembrei do que ela contou, sobre como o tio a tinha buscado e a hospedado em um hotel na cidade vizinha. Pela forma como ela disse, não tinha sido só isso. Ele cuidou dela incansavelmente, e, agora, essa era sua forma de retribuir.
Nicole me coloca no ponto mais próximo do escritório, para que eu possa ficar mais perto de casa, e perto dela. Atendo uma pessoa atrás da outra, e elas não parecem mais se importar que eu seja a moça que foi mandada para o hospício por trair o marido. Tudo o que querem é avisar aos familiares e amigos de que estão vivos e bem, ou comunicar a morte de alguém.
Em algum momento, o Sr Rossi aparece. Ele parece bastante abatido. Sem nem perceber o que estou fazendo, me levanto e me adianto para recebê-lo.
-Sr Rossi! - digo, e me aproximo, com lágrimas nos olhos - O senhor está bem?
-Senhorita Amélia - ele dá um sorriso para me cumprimentar - Há muito tempo não te vejo, não é? Eu... eu...
Ele desaba em lágrimas, quase não conseguindo sentar-se na cadeira em frente à minha mesa. Aos poucos, ele se acalma. Me conta sobre os meses que tem passado, com a fazenda em risco de falir. Como sente falta da esposa. Ele veio escrever aos filhos, avisar que está bem.
Não quero deixá-lo ir, mas a fila está crescendo atrás dele, então nos despedimos e ele diz que vai aparecer mais vezes.
Eu chego em casa exausta, todos os dias. Ao menos não preciso caminhar até lá. Mesmo que eu já tenha insistido que não é necessário, Giuseppe me leva de carro todos os dias, e me busca pela manhã. Ele até tentou insistir para que eu continuasse hospedada em sua casa, mas preciso lembrar a mim mesma que Telma, sua noiva, está esperando por ele na Capital. E eu mesma tenho um marido, mesmo que eu não o veja há dias. Sei que ele está vivo, mas a última vez que o vi foi quando contei que o negócio dos pães não deu certo e ele... bem, a conversa não saiu bem.
Eu e Giuseppe temos nos reaproximado desde o ataque. Principalmente agora que voltei a ser sua escrevente. Bem, não oficialmente, mas depois de terminar as tarefas da Scrivano, passo um bom tempo ajudando-o. Ele mantém sua mãe e irmã atualizadas sobre tudo, para que não se preocupem com ele. O ajudo respondendo algumas cartas sobre seus deveres militares com seus superiores, e uma vez ou outra passamos uma mensagem para os rebeldes entre as outras correspondências. É bom ver as coisas voltando mais ou menos ao normal. Mas ele não me leva mais em picnics.
-Você não vai mandar uma carta para Telma? - pergunto, quando Giuseppe me agradece e diz que podemos encerrar por hoje.
Ele sorri, como se não entendesse a pergunta, e o vejo franzir levemente as sobrancelhas.
-Não... Eu deveria?
Eu encolho os ombros mas não digo nada. Já faz dias que o estou ajudando, e até agora ele não enviou nada para ela. Acho estranho, já que eles estão prestes a se casar, e ela está carregando seu filho, que, pelas minhas contas, deve nascer em um mês. Me pergunto se algo aconteceu entre eles, mas não comento nada. Não é da minha conta.
Giuseppe me leva para casa, e eu faço o jantar em silêncio. Sempre faço comida a mais, para o caso de Henrico aparecer, mas ele nunca aparece, então sempre sobra comida para o almoço do dia seguinte, já que ele não retorna.
Depois de comer, estou exausta, e me sinto sozinha demais. Não percebo o momento em que cruzo os braços na mesa, e deito a cabeça. Nem percebo que dormi, até ouvir o barulho da porta se abrindo, e alguém me cutucando.
Penso, não sei porque, que é Giuseppe. Será que eu dormi demais e perdi a hora? E quando estou prestes a chamá-lo pelo nome, é que percebo que Giuseppe não entraria na minha casa sem permissão, a menos que ele estivesse muito preocupado. Ainda sonolenta, me apavoro, pensando que pode ser, então um assalto.
Acordo com um sobressalto e dou de cara com...
-Henrico! - digo, sem fôlego, e me levanto em um pulo, me jogando em seus braços, apesar de sua cara confusa - Você... você está bem - eu digo, checando cada pedaço, para ter certeza de que ele não está ferido. Henrico parece achar graça - Eu fiquei preocupada...
Ele dá de ombros.
-Eu estou bem. Isso não foi nada. Você fez o jantar?
Ele começa a comer, direto da panela. Eu preciso de alguns momentos para me recuperar do choque.
-Você estava com a... com a C-Cordélia? - murmuro. Ele faz que sim. Henrico termina de comer e parece se lembrar de algo. Ele vai até a sala e volta com uma melancia, o que me faz arregalar os olhos - Oh... Uma melancia... O que você...?
Ele me olha em tom de censura.
-Você não disse que estava com vontade de comer melancia?!
Eu me recordo. Sim, estava, há uma semana. Agora, o que quero comer é o gelato de chocolate branco caramelizado. Mas não digo isso a Henrico. Na verdade, fico até feliz que ele tenha se lembrado.
Ele corta a fruta para mim, em pequenas fatias, e eu como radiante.
-E onde você esteve? - ele pergunta, de repente. Eu o olho confusa - Com esse ataque, e tudo o mais. Eu não vi você no abrigo.
Sua última frase saiu entre dentes cerrados, em um tom já raivoso, que ele tenta controlar. Mas sei o que é isso. Uma acusação. Mesmo exausta, conto a ele o que aconteceu, mas digo que quem me buscou foi Antônio, de quem passei a noite toda ao lado. Não menciono Giuseppe uma vez sequer.
Henrico faz um som de reprovação.
-Quando vai parar de se relacionar com essa gente nojenta? Essa... ralé.
-Por favor, pare de falar assim - peço, exausta. Meus olhos lacrimejam. Odeio vê-lo falar assim de Antônio e sua família, mas não posso fazer muita coisa sem que sobre para mim.
Ele dá de ombros, mas ainda faz cara feia. Guardo o que sobrou da melancia em um pote na geladeira.
-Obrigada pela melancia - digo, tentando apaziguar a situação.
Ele dá de ombros.
-Cordélia comprou e disse que eu deveria trazer, ou o menino nasceria... - ele toma um minuto para pensar - Não sei a palavra que ela usou, mas decidi não arriscar.
Aquilo faz meu estômago virar de ponta cabeça. Foi Cordélia quem comprou uma melancia para mim. Me pergunto se está envenenada ou algo do tipo.
Deixo que Henrico tome banho primeiro. Ele se ajeita na cama, e percebo que vou precisar dividir a cama com ele novamente. Quando saio do banho vestida, e estou ajeitando a blusa do pijama, Henrico faz uma careta.
-O que é isso? - ele questiona, tocando minhas costas.
Eu solto um resmungo.
-Eu bati, quando estava fugindo do ataque - explico, e agradeço que ele não possa ver as digitais de Giuseppe impressas em minha pele.
O General também viu, em algum momento, o grande hematoma que se formou, e se ofereceu para passar a pomada que Saul receitou, tocando levemente, apenas com as pontas dos dedos, enquanto meu corpo relaxava um pouco da dor do machucado. Eu me enfio debaixo das cobertas, e fico de costas, tentando dormir e não pensar em olhos verdes e cabelos escuros.
******
Já que Henrico voltou para casa - não sei por quanto tempo - decido comprar algumas coisas para o café da manhã, e passo pela padaria.
-Bom dia, senhor Becker - digo, animada, ao entrar e sentir o cheiro dos pães assando, e de algo mais - O senhor está fazendo pain au chocolat?
Ele dá uma risada animada e espirituosa.
-Vejo que seu olfato está bom! O chocolate está em falta, você sabe. Estamos tentando adaptar com o pouco que temos. É com creme de avelã, acho que você vai gostar. Vou pegar um para você, por conta da casa.
Tento dizer que não é necessário, mas não adianta. Augusto está empolgado que as coisas estejam voltando ao normal, e tem andado bastante generoso. Enquanto estou esperando, Lúcio passa carregando algumas formas. Ele não parece perceber que estou ali.
-Bom dia, Lúcio - digo, e sorrio.
Ele não se assusta, mas mal ergue os olhos ao me murmurar algo que imagino que seja um bom dia também. Augusto volta e ao encontrar o filho, ele tenta dar um sorriso bondoso e pega as formas dos braços dele.
-Filho, por que você não aproveita que o movimento está baixo e faz uma pausa? - o rapaz assente, e se dirige à escada que leva para a casa dos dois - Te espero em 25 minutos, está bem?
Augusto dá um suspiro e, pela primeira vez, ele me parece cansado e mais velho.
-Está tudo bem, senhor Becker?
Ele tira o chapéu, e se senta em uma banqueta.
-É Lúcio. Ele está me deixando preocupado. Há dias ele está assim... Triste, apático. O menino mal come ou fala. Se não está aqui, esperando que eu o diga o que fazer, está no quarto, sentado ou deitado, olhando para o nada... Eu não sei o que está acontecendo com o meu filho, senhorita.
-Desde quando ele está assim?
O padeiro olha para cima, fazendo as contas e pensando.
-Há pouco mais de uma semana... Dois ou três dias antes do ataque, acho.
Penso, por um momento, se percebi algo estranho nesse período, e é então que me lembro.
-S-será que... O período que o senhor me disse é quando Frederick foi atacado e...
Os olhos do padeiro se arregalam.
-Sim, eu me lembro! Você tem razão, meu filho ficou estranho logo depois que o jovem soldado foi agredido. E foi bem aqui em frente... Ah, pobre rapaz. Ele estava conversando com Lúcio, sabe, antes que o bêbado o arrancasse daqui de dentro, já o golpeando, sem dizer nada. Pobre Lúcio, ele viu tudo...
Nós conversamos mais um pouco, pensando no que pode ser feito, e o senhor Becker promete que vai conversar novamente com o filho. Espero que ele fique bem. Vou para a frente do escritório, onde já há pessoas aguardando para serem atendidas, e me dirijo para minha mesa.
Perco as contas de quantas cartas escrevi naquele dia. Quando penso que acabou, há mais duas pessoas. Antônio e Frederick. Antônio vai para a mesa de Nicole, claro. Ele também mal tem deixado o lado dela, desde que os dois se reconciliaram. Frederick se aproxima da minha mesa com um sorriso leve, tímido, como sempre. Seu braço ainda está em uma tipóia.
-Frederick, como posso te ajudar? - pergunto, devolvendo o sorriso.
-Ah... eu... vim escrever para minha mãe.
Eu preparo a folha, e ouço, atenta, esperando que ele comece.
-Está bem - digo, depois de alguns segundos - O que vamos escrever?
Mas Frederick não diz nada. Por muito tempo. Eu o deixo pensar, sem apressá-lo. Quando ele finalmente diz algo, sua voz não passa de um fio:
-Eu não falo com ela há tanto tempo. Não sei nem se ela vai querer que eu mande algo. Talvez seja melhor eu nem enviar nada... Desculpe, Amélia, eu só tomei o seu tempo.
Ele se levanta, passando as mãos pelo rosto, chateado. Eu me levanto e vou atrás dele, segurando seu braço quando o alcanço.
-Frederick, espere! Por que não? Você tem certeza? Eu posso te ajudar a pensar em algo...
Mas ele já está negando com a cabeça.
-Desculpe, Amélia, eu realmente não deveria ter vindo.
-E se você mandar uma carta para outra pessoa? Uma namorada? - arrisco, mas ele fica vermelho.
-E-eu preciso ir.
Ele me pede licença, e se afasta. Eu observo, atônita, enquanto ele vai embora, mas não faço nada.
Giuseppe aparece, em seguida, para me buscar. Hoje vamos trabalhar em sua casa, já que há diversas papeladas que ele precisa enviar.
-Amélia - ele diz, com um sorriso, inclinando levemente a cabeça na minha direção - Vamos?
Sua voz é suave, principalmente ao dizer meu nome. Ele me ajuda a pegar minhas coisas, e oferece o braço para que eu segure. Ao invés de irmos para o carro, Giuseppe faz um pequeno desvio para cumprimentar Antônio e Nicole, que também estão de saída.
-Antônio, teve notícias do seu irmão?
Tônio nos cumprimenta com um aceno de cabeça, e Nicole segura seu braço, e nos oferece o melhor sorriso que consegue, mas vejo em seus olhos que ela está exausta.
-Minha mãe não soube explicar bem, mas disse que ele está estável. Ela está morta de medo, imagino. Os médicos ainda estão em discordância, e sem Saul lá para acompanhar...
Giuseppe assente, com a testa franzida. Nós conversamos mais um pouco, mas, por fim, é hora de ir.
Giuseppe segura minha mão, para me ajudar a entrar no carro, e vem em seguida, se sentando de frente para mim. Eu reparo na forma como ele apoia a cabeça na mão e fica olhando pela janela, distraído.
-Você quer pain au chocolat? - ofereço, e ele quase dá um pulo, quando ouve minha voz. Então olha para as minhas mãos, e vê o doce que ofereço, parecendo curioso sobre de onde consegui aquilo - Fui até a padaria hoje - explico - Conversei com o Sr Becker e... bem, eu não cheguei a conversar com o filho, ele não está muito bem.
Aquilo parece despertá-lo.
-É mesmo? - ele questiona, me observando com curiosidade. Faço que sim.
-É, Augusto disse que ele está assim há dias... hum... desde o que aconteceu com Frederick.
-Ah - Giuseppe, solta, e vejo seu rosto corar, e sua expressão ficar entristecida.
Claro, o que aconteceu com Fred culminou em Giuseppe matando um homem na frente de todos, comprometendo sua carreira, para nos tirar de perigo. Eu seguro sua mão, o que faz com que ele me olhe.
-Lúcio viu a coisa toda. Parece que ele e Frederick estavam conversando, quando aconteceu - explico - Não é culpa sua, Giuseppe.
Ele me oferece um sorriso fraco, e sua expressão de repente parece mais cansada. Nós ficamos em silêncio até chegarmos em sua casa.
Vamos até o escritório de Giuseppe, que é bastante espaçoso, e eu me acomodo com minha máquina de escrever em um lado de sua mesa, enquanto Giuseppe despeja uma pilha de documentos do outro, e se senta, oposto a mim. Ele abre um mapa, e passa as mãos pelo rosto, se preparando.
-Está bem... - ele murmura, separando algumas folhas - Vamos começar.
Então, ele me dita o que quer que eu escreva. Temos tanto a fazer que não me preocupo em contar quantas cartas escrevo, mas posso ver, pelo número de envelopes lacrados, acumulados no cesto ao meu lado, que foram dezenas. E quando meus dedos já estão doloridos, e Giuseppe também parece cansado, ele sugere uma pausa, que recebo muito bem.
Ele se levanta, esticando as costas, e sai por um momento para falar com Hilma. Quando ele retorna, me dá um sorriso educado, mas logo volta a encarar o mapa na parede.
Hilma chega com duas bandejas, cheias de bolos, frutas e alguns aperitivos, além de chá, suco e um café forte para Giuseppe. Eu a agradeço, e ela acaricia meu ombro, de forma muito maternal, antes de sair.
Eu espero que Giuseppe venha se juntar a mim, na mesa, para comermos, mas ele está distraído ainda. Eu aproveito a deixa para organizar a mesa, abrindo espaço, e então vou para perto dele. Coloco uma mão em seu ombro forte, e ele a segura com cuidado, finalmente piscando os olhos e se virando para mim.
-Desculpe - ele diz, chacoalhando a cabeça, e voltamos à mesa.
Giuseppe puxa a cadeira para que eu me sente, antes de voltar para a sua. Finjo não perceber que ele prende a respiração sempre que minha perna esbarra na sua. Nós comemos em silêncio, e em algum momento isso é demais para mim.
-Giuseppe, o que está acontecendo?
Ele pisca, atônito, e me olha.
-O que...
-Por favor - digo, exasperada - Você está distraído o dia todo. Você... você não está bem.
Ele evita meu olhar, então sei que acertei.
-Desculpe, Amélia... Eu... - ele para, medindo suas palavras - Eu preciso resolver algo, e não tenho certeza do que fazer...
Eu o observo com curiosidade. Ele nunca pareceu tão tenso.
-Algo em que posso te ajudar? - ofereço, já esticando os dedos para datilografar.
Giuseppe segura minhas mãos, acariciando os nós dos dedos com o polegar, em um movimento inconsciente. Ele parece perceber, porque para por um instante, suspira, mas ainda não me solta. Ele ergue o olhar para mim, antes de falar:
-Acho que... Acho que eu preciso tomar essa decisão sozinho, dessa vez - ele suspira, exausto, e é só então solta minhas mãos - Desculpe, Amélia, é bom saber que posso ter a sua ajuda, eu não quis dizer que... eu.
Eu toco sua mão, dessa vez, acalmando-o.
-Está tudo bem.
-Eu sinto que... não importa qual decisão eu tome, vai ser a errada. Não há uma forma de todos saírem ilesos dessa vez.
Ele não me olha, embora eu o esteja encarando, pensativa, tentando entender o que ele quer dizer. Mas voltamos ao trabalho em seguida. A última carta do dia é para Saul - Phillipo - que está fazendo uma lenta viagem de volta para Montalcino, depois de acompanhar Marco e Corinna. Giuseppe disse que ele está aproveitando o tempo fora para visitar alguns amigos, e encontrar outros judeus escondidos, para o caso de eles precisarem de ajuda, e, por isso, ele está demorando tanto para voltar.
Giuseppe se levanta da cadeira, grunhindo de dor, e vai até o sofá, se esticando. Ele abre a camisa, verificando algo. Quando vejo mais de perto, sei que são os ferimentos que Saul estava tratando, algum tempo atrás, quando Telma ainda estava aqui.
-Isso parece feio - comento, preocupada.
-Pergunte ao Saul quando ele vai tirar esses malditos pontos, ou se devo arrancá-los eu mesmo - Giuseppe pede, e volto a mesa para acrescentar isso à carta.
Quando olho novamente, ele tem os ferimentos do abdômen cobertos de unguento, e parece mais relaxado. Ele abre os olhos quando digo:
-Parece realmente doloroso. Como fez isso?
Ele dá um sorriso de lado.
-Com aquele trabalho chato, eu diria. Tiziano me paga por isso.
Eu não entendo o que ele quer dizer, e ele parece perceber, me olhando com curiosidade, mas não diz nada. Eu dou mais uma olhadela nos ferimentos, antes de me dar conta de que Giuseppe está sem camisa - e que ele fica bem assim, mas eu não deveria estar olhando. Meu rosto esquenta, e sei que devo estar vermelha, por isso lhe dou as costas apressadamente e volto à carta.
Quando chega a hora de ir embora, Giuseppe me pede perdão, mas diz que vai pedir ao motorista que me leve, mas não irá me acompanhar. Digo que está tudo bem, e sei, pela sua expressão, que ele está pensativo. Provavelmente com o problema do qual falou.
As próximas duas semanas passam devagar e sofridas. Na primeira, há muito trabalho a fazer, principalmente porque o Senhor Luigi já mandou uma equipe para limpar o caminho e começar a reforma da Scrivano. Eu e Giuseppe continuamos a trabalhar, e sinto que está na hora de contar a Henrico, antes que ele descubra sozinho. Aproveitei a oportunidade pois ele estava realmente tentando ser cuidadoso e gentil, por causa do bebê.
Claro, ele surtou. Não sei porque esperei algo de diferente. Mas, por fim, consegui convencê-lo. Contei a ele sobre Telma, a noiva incrivelmente linda e grávida de Giuseppe, e que ele era apenas o meu cliente. Voltei para casa com o bolo de cartas que escrevemos, e que eu me comprometi a colocar no correio, e mostrei as cartas a Henrico.
Acho que foi o suficiente para aplacar sua fúria, mas o período de trégua acabou. Ele voltou a me ignorar e passar tempo demais com Cordélia, mas percebi que já estava acostumada.
Mas a semana seguinte foi horrível. Foi uma semana bastante chuvosa e... Não quero falar sobre o que aconteceu.
Mas, depois de tudo, enquanto eu, Nicole e Antônio estávamos vendo os planos de reforma para a Scrivano, alguém entrou apressadamente pela porta. Olhei para trás, pega de surpresa por Frederick. Eu ia cumprimentá-lo, mas notei sua expressão fechada, e o papel apertado em suas mãos.
Ele colocou o papel na mesa, sem nos olhar. Pelo seu olhar, ele parecia prestes a colapsar. Lhe ofereci uma cadeira, onde ele desmontou, segurando os cabelos, como quem não quer começar a chorar do nada.
-O que aconteceu? - Nicole pergunta, chocada ao vê-lo dessa forma.
Frederick aponta para o papel, que Nicole pega, mas eu reconheço a caligrafia antes mesmo que ela comece a ler. Ela fica boquiaberta, e passa a carta para Antônio, que também parece atônito quando me passa. Pelas expressões de todos, sei que é algo terrível, mas não posso acreditar que algo tão ruim possa ter sido escrito por Giuseppe, de quem reconheço a letra.
Mas, ah, é sim.
"Dados os motivos citados, acredito que o Soldado Frederick Ripardo apresenta um comportamento suspeito e indevido, e peço que ele seja rebaixado imediatamente por conduta imprópria.
Acredito que essa falha em seus atos seja por minha falta de firmeza em coordenar meus subordinados, e, portanto, peço que ele retorne à posição de secretário de General de Brigada, ainda como meu subordinado, e que, assim, eu tenha a chance de corrigir meus erros. Um homem como Frederick Ripardo não deve lutar para proteger nossa nação, até que aprenda o verdadeiro significado de ser um verdadeiro e respeitável homem comprometido com sua pátria.
Com todo o respeito, e as melhores considerações,
General de Brigada Giuseppe Battaglia".
Eu olho para Frederick, mas ele parece chocado demais para reagir a qualquer coisa, a não ser continuar da forma que está.
Giuseppe, que diabos você fez?

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