ClarieEu estava totalmente chocada com aquela revelação. Como assim o Daniel estava estudando para ser padre? Depois das atitudes que ele demonstrou comigo ontem na cozinha, essa era a última coisa que eu iria imaginar sobre ele.
-Você? Padre? -perguntou a Chell sem um pingo de sutileza.
-Sim.- ele responde sem graça e continua.- Na verdade estou pensando se realmente é o que desejo para a minha vida inteira. Esse sempre foi um sonho da minha mãe. E acabou virando o meu.
- Que legal cara. - Lucas diz e cortamos o assunto ao perceber o desconforto dele. Mas, não posso deixar de pensar: "Que cara sem noção". Não sei quais são as regras do seminário antes da pessoa se tornar padre, mas com certeza deve ter alguma regra que proíba os futuros padres de darem em cima de garotas comprometidas.
-Ei. Vamos dar um passeio? - Guto pergunta baixinho em meu ouvido, enquanto os outros conversam sobre um assunto qualquer. Concordei e logo saímos de fininho da sala. Descemos a escada de entrada do casarão e eu sinto uma brisa fria passar por mim, mas ignoro segurando a mão de Guto.
Caminhamos pelo jardim da frente, que por sinal é muito lindo e sentamos em um balanço para dois que tinha preso em duas árvores. Deito minha cabeça no ombro do Guto e ficamos ali sentados em silêncio de mãos dadas sentindo a brisa fria que soprava em nossa direção.
Depois de um tempo o Guto corta o silêncio:
-Clarie?
-Oi.
-Você sente falta dos seus pais? - ele pergunta meio receoso. Levanto a cabeça e encaro ele surpresa.
-Porque está me fazendo essa pergunta? - ele da de ombros.
-Não sei, mas estava pensando que as vezes sinto falta dos meus. De como era a minha vida antes de tudo o que aconteceu. E pensei que se para mim é tudo tão dolorido. Para você também deve ser. - ele argumenta e eu suspiro olhando para frente.
-Quando a Marília foi embora, eu sofri muito. Muito mesmo. Eu era uma criança e não entendia muita coisa. Mas hoje, eu só sinto indiferença e rancor, quero ela bem longe de mim. E além disso naquele dia que ela apareceu lá na república eu não vi uma gota de arrependimento no olhar dela. - respondo de forma sincera.
-Entendo. - seu olhar corre para longe, como se estivesse perdido em pensamentos.
-E sobre o meu pai. As vezes eu sinto falta dele sim. Do abraço e do carinho dele. Mas depois de tudo parece que ele simplesmente quis se livrar da gente. Primeiro, mal parava em casa. Contratou uma dúzia de babás, e mal ficava com a gente. Logo depois, nos colocou na República. E desde então nos ignora. Só me liga para avisar que tem dinheiro na minha conta, isso quando ele liga e não a secretária dele. - digo melancólica enquanto observo as estrelas no céu.
-Eu sei bem como é. Depois da morte da minha mãe meu pai se fechou para o mundo. E tudo que lembrava ela, ele quis tirar de sua vida. Incluindo os seus filhos. Por isso ele contatou o Ricardo, eles eram muito amigos na época da faculdade. E enfim, estou aqui.- ele diz me olhando.
Fico um pouco surpresa, porque era a primeira vez que ele se abria para falar sobre o assunto.
-E você aceitou numa boa? - perguntei. -Digo, você já tem 18 anos. Então... já pode escolher o que quer para a sua vida.
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A República
Ficção AdolescenteClarie é apenas uma garota de 16 anos, e já passou por muita coisa. Seu irmão Felipe foi a única familia que lhe sobrou após seu pai decidir tirar os dois de sua vida. Guto mal completou 18 anos e teve que lidar com a morte da mãe e com os transtorn...