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A saída repentina da cidade tinha um motivo certo, sem nenhum contato não tinha nenhuma chance de Jean saber o que de fato acontecia com Gillian, e ele sabia que se voltasse a rever Jean talvez não fosse capaz de ter força para mantê-lo longe.

Os dias subsequentes foram corridos, mudança, viagem, termino de noivado, tudo isso deixava Gillian deprimido, nas conversas era monossílabo, ainda que sua família tentasse engrenar uma conversa divertida ele pouco falava, preferia ficar no quarto deitado.

Um dia antes de viajarem, novamente seus pais conversavam tentando animá-lo, porém o choque no rosto deles foi algo que não conseguiram disfarçar, quando Dudu apontou para Gillian dizendo:

_ O Gillian está babando.

Rapidamente Gláucia retirou as crianças da sala, repreendendo Dudu pelo que havia feito, Solange limpou Gillian enquanto seu pai tirava o carro da garagem, eles o levariam imediatamente ao hospital.

O doutor examinou o rapaz os tranquilizando se é que isso seria possível diante do acontecido:

_ Eu sei que isso assusta, mas fique tranquilos, a siolorréia representa uma condição extremamente comum na evolução de pacientes com ELA. Vocês relataram que ele anda deprimido, talvez seja o caso de fazer uma viagem, um passeio que o fará recordar algo feliz, a depressão não é uma boa companheira na evolução da doença.

_ Doutor estamos de viajem marcada para amanhã, é recomendável viajarmos?

_ Nada impede que vocês viajem, vou prescrever um remédio que irá evitar a siolorréia. Vou receitar amitriptilina 25-50 mg/dia.

_ Obrigado doutor.

Alberto estendeu a mão ao doutor que a acolheu, em seguida foi a vez de Solange, Gillian era o único que não fez menção de estender a mão:

_ Boa viagem a vocês.

De volta á casa, Gillian ainda permanecia em silêncio, sentou-se no sofá tateando o controle remoto em alguns canais, não encontrando algo a qual quisesse assistir acabou desligando o aparelho, quando os três irmãos se aproximaram, mas foi Dudu quem falou:

_ Gillian, me desculpa por hoje?

Gláucia já estava indo tirar as crianças de perto, quando Solange a impediu:

_ Deixe as crianças com ele um pouco, talvez elas consigam o que nós não conseguimos, tirar essa tristeza do coração do Gillian.

Elas sentaram de frente aos quatro, Gillian se esforçava a sorrir:

_ Você se assustou pestinha?

_ Não, achei engraçado, mas aí a mamãe explicou que você está doente.

_ É verdade, eu estou doente.

A pergunta da sua irmã mais nova era tão sincera que o surpreendeu:

_ Você vai morrer?

_ Um dia, não agora.

Ela o abraçou e os outros dois irmãos a imitaram:

_ Eu não quero que você morra Gillian.

Dizia ela baixinho em seu ouvido:

_ Já chega crianças, vamos para o quarto, dá um beijo no irmão e na tia Solange e já para o banheiro escovar os dentes, amanhã bem cedo iremos viajar e vocês precisam descansar.

Cada um deu um beijo em Gillian e em Solange e foram com Gláucia para o quarto descansar, estando a sós, Solange lhe perguntou:

_ Você está bem Gillian?

_ Vocês estão mudando a vida de vocês por mim, não é justo.

_ Eu mudaria tudo por você filho. Qualquer coisa para te ver bem.

_ Eu vou me esforçar para melhorar, sabemos que essa doença não tem cura, só avanço, mas se podemos retardar os danos, vamos tentar.

_ Você tem certeza de que manter o Jean afastado de você nesse momento filho?

_ É o mais justo a fazer com ele agora mãe.

_ Tudo bem filho. Amanhã nós iremos para fora do país, e talvez você não o veja mais.

As horas seguintes foram empregadas nos preparativos para a partida da manhã seguinte, pouco pregou os olhos aquela noite, Gillian só conseguiu adormecer melhor no avião após tomar a dosagem diária do remédio que tinha que tomar. De qualquer jeito foi bom, pois quando despertou já estava longe do seu país natal, estava em terra estranha que se tornaria a sua terra dali para frente.
É inegável que aquele dia foi um dia pavoroso, terra estranha, povo estranho, casa estranha, nenhum rosto conhecido a não ser o de sua família. Ele se esforçava a sorrir, até tentava se animar, mas seu coração se apertava, não era difícil apenas para Gillian, era também para toda a sua família, incluindo as crianças, todos eles tiveram que abrir mão de alguma coisa para se dedicarem ao tratamento dele.

Seus sentimentos eram uma eterna montanha russa, havia momentos em que a esperança lhe visitava e ele acreditava que aquele tratamento seria um sucesso, mas logo tinha um surto e era como se ele estivesse em um labirinto sem direito a encontrar a saída.
Remédio, consulta com fonoaudiólogo, psicólogos, fisioterapeutas, viraram rotina na vida de Gillian, por mais que os médicos diziam palavras entusiastas para ele todo o esforço se tornavam em decepção, os sinais da doença se apresentava cada vez mais violenta, e sua perna esquerda começou a apresentar uma leve paralisação, agora só andava com o auxílio de uma bengala, já não era capaz de sustentar o peso do seu próprio corpo sem que se desequilibrassem.

Durante o dia, Gillian simulava um sorriso, simulava a angustia que sentia, porém sozinho, sem que ninguém pudesse testemunhar, era o momento em que se entregava ao choro, era o momento em que demasiadamente o desespero lhe apoderava,
No começo aquele sentimento íngreme o assustava, mas aos poucos se tornavam leves suspiros de alivio. Isso fazia com que o rapaz estivesse preparado para mais um dia de exercícios fisioterápico. Era ora na fisioterapia, ora em longa conversa com a psicóloga, nutricionista e fonoaudióloga, ele seguia a rotina sem reclamar de nada, isso não significava que ele gostasse de viver assim, mas não tinha escolha.

Os meses corriam rápidos, alguns sintomas se desenvolveram fracos, outros agressivos, havia dias em que Gillian acordava com dores musculares, já outros a sensibilidade da mão que não conseguia segurar nem mesmo uma colher na mão sem que a derrubasse.

Eram nesses momentos em que sua autoconfiança se desfazia gradativamente, era momento em que acreditava desapontar aqueles que esperam dele um esforço ainda maior. E foi em uma crise forte em que mal conseguia respirar que levado ás pressas ao hospital o doutor pronunciou:

_ Hoje conseguimos regular a respiração dele, mas se continuar a ter esses acessos de falta de respiração só poderei sugerir uma traqueostomia.

_ Acha que isso será necessário doutor?

_ Seu Alberto, vamos esperar o tempo do remédio fazer efeito, caso não faça ai não teremos outra opção, ao contrário do que parece, o Gillian tem respondido bem ao tratamento, a doença neuro motora está progredindo bem lentamente. Começamos a tratar do caso dele á dez meses e olhando pelos olhos da medicina, em dez meses ele poderia não está mais falando, andando e até se engasgando com os alimentos, e isso não aconteceu, ele está respondendo positivamente.

_ Respondendo positivamente doutor, meu filho perdeu peso, está usando uma bengala, não sustenta o próprio peso, tendo siolorréia periodicamente, e como o senhor diz que ele está reagindo positivamente?

_ Eu entendo a sua pergunta seu Alberto, mas volto a dizer a doença está agindo lentamente, é um verdadeiro milagre que o Gillian ainda esteja andando, falando, se movimentando. Não significa que a doença não está progredindo entende.

_ Nada que eu faça vai evitar isso acontecer não é?

_ Sinto muito. É muito triste ver o silêncio com que essa doença age, Cada caso é um caso, mas teve um caso de um paciente que foi dormir na noite anterior com o movimento do braço e acordou sem e não fazia seis meses que ele havia sido diagnosticado.

_ O que o doutor está querendo dizer... Que meu filho pode dormir andando e acordar e precisar de uma cadeira de rodas?

_ Pode acontecer, mas não foi isso o que eu quis dizer, quis mostrá-lo o quanto cada caso é um caso, pode ser que isso aconteça ou pode ser que isso prolongue por mais alguns anos.  

Meu ex - O tempo não paraOnde histórias criam vida. Descubra agora