A máquina eletrônica simulava uma respiração natural, mas ela não passava disso, uma máquina que ficava acoplada a um aparelho, Gillian recebia aquele compressor de ar, que o mantinha ali vivo, porém em estado comatoso, mal abria os olhos, já não falava, não andava, não respirava sem aquele aparelho.
Os poucos momentos em que estava acordado, ficava olhando para todos, a agitação que todos esperavam por parte dele, não veio, ao contrário ele parecia calmo e conformado, era como se apenas aquele olhar conseguisse demonstrar o que queria dizer a cada um deles.
Não houve alardes, não houve desespero, não houve choro, tudo o que houve foi aquele olhar penetrante, Jean e sua mãe ainda tentaram uma forma de comunicação com um quadro de letras, mas ele nunca se pronunciou com aquele método.
Um ano e três semanas depois, e ele ainda se recusava a se comunicar com aquele quadro, mas em uma manhã ele piscou várias e várias vezes, Jean havia ido à casa de seus pais, já que fazia duas semanas que não aparecia por lá, Gillian estava com dona Solange, Gláucia e as crianças, quando ele começou a se agitar, sem saber o que fazer Solange mostrou a ele o quadro de letras e pediu:
_ Fala filho, o que é que você deseja?
Ela apontava as letras e quando chegou ao J ele piscou aceleradamente:
_ J de Jean?
Ele novamente piscou:
_ O Jean foi ver os pais dele, daqui a pouco está de volta.
Gillian voltou a piscar apressado, entendendo que ele queria dizer algo dona Solange, foi apontando as letras:
_ A... B... C... D... E.
Ele voltou a piscar:
_ E de que, e de eu.
Ele piscou confirmando, Gláucia ligou imediatamente ligou no celular de Jean pedindo que ele retornasse enquanto Solange tentava decifrar o que ele queria dizer:
_ Gillian, pisca duas vezes na letra que você quer. É a letra A.
Ele piscou uma, duas vezes:
_ A de que Gillian, a de amor?
Ele ficou olhando para as duas e como se uma sombra lhe tomasse o olhar, o brilho aos poucos se perdendo, lentamente foi fechando os olhos para não mais os abrir. Solange e Gláucia trocaram um olhar choroso e Solange debruçou-se sobre o corpo inerte de Gillian.
Quando Jean chegou, Gláucia estava na sala o esperando assim como esperava Alberto também, ela o impediu de ir ao quarto de Gillian, o fazendo sentar-se para que pudessem conversar:
_ Jean... Senta aqui um minuto, eu preciso falar algo com você, a Solange está com o Gillian, senta aqui um minuto.
_ Gláucia você me ligou e pediu que eu viesse imediatamente que o Gillian queria me ver...
_ Jean...
Não se aguentando, ela começou a chorar não conseguindo dizer mais nada:
_ O que foi que aconteceu, ele está passando mal, foi para o hospital?
_ Não Jean, eu sinto muito...
_ Sente muito? _ Sente pelo que Gláucia?
_ O Gillian partiu.
Com lágrimas nos olhos, mas ainda a tentar recusar aquela verdade cruel, Jean recuou os passos para trás, a mover a cabeça várias vezes em negação:
_ O Gillian morreu?
_ Eu sinto muito.
Jean caminhou se aproximando do quarto, de onde já se podia ouvir o choro de dona Solange, ele estagnou-se parado do lado de fora apenas observando a mãe de Gillian debruçado sobre o seu corpo, as lágrimas presas, Jean respirava descompassado, mesmo diante do corpo sem vida de Gillian ele se negava que aquilo fosse real, se aproximou e se colocou ao lado oposto da cama de onde dona Solange estava, segurou a mão de Gillian e levou aos lábios, acarinhando a pele murcha devido a doença.
Seu Alberto e Gláucia entraram em seguidas e ambos choravam, mas Jean não conseguia derramar uma lágrima, embora elas estivessem ali preste a se render.
Fabíola e Marcelo chegaram ao mesmo tempo em que Stephanny e Douglas que estavam namorando há seis meses. Fabíola veio na direção de Jean e disse baixinho:
_ Pode chorar Jean. Coloca essa dor para fora.
O impacto da fala de sua mãe lhe trouxera a realidade, Gillian havia partido, ele olhou para o rapaz ali deitado naquela cama estático, um sentimento de frustração tão grande a lhe dominar, de um a um ele os olhou e então perguntou:
_ Chorar... Por quê? _ O Gillian não morreu, ele está apenas dormindo, esse horário ele sempre dorme, daqui a pouco ele irá acordar, vamos Gillian acorde, mostre a eles que você apenas está dormindo.
Fabíola tentou abraçá-lo, mas ele desviou dos seus braços, movendo a cabeça em total negação:
_ Não, não, não, o Gillian está vivo, ele está vivo.
Ele juntou as mãos como em preces próximas ao rosto, bloqueando qualquer tentativa de aproximação, tudo o que ele queria era apagar aquele momento da mente e do coração, mas quando seu pai conseguiu lhe abraçar, ele desabou:
_ Pai... O Gillian me deixou como ele pode fazer isso, como ele pode me deixar?
_ Jean, não veja assim, o Gillian descansou.
O choro veio como uma explosão:
_ O Gillian é tão novo, ele era o capitão do time na época da escola, era o meu capitão, por que pai, porque ele teve que ficar doente, por que essa maldita doença teve que escolher justamente ele, ele não merecia passar por isso, não foi justo com ele, não foi justo comigo, com nós dois.
Poucos minutos depois dessa explosão o serviço funerário chegou para buscar o corpo do Gillian, Jean fez questão de ficar responsável pela troca de roupa de Gillian, dona Solange entregou-lhe justamente a roupa que ele usou no noivado, havia tanta dor ao segurar aquela roupa que Jean a carregava junto ao peito.
Quando o corpo foi liberado para o velório, o local já estava lotado, ex alunos, ex professores, todos os amigos estavam ali para prestar as últimas homenagens a Gillian, todos condoídos pela perda.
Dona Solange não saiu do lado do caixão, Jean já preferia manter-se o mais afastado possível. Stephanny e Douglas ficaram ao lado dele todo o tempo lhe dando apoio.
Mas aquele nem era o mais terrível da perda, o mais terrível foi voltar para casa depois do enterro sem o Gillian.
A dor de ter que voltar para casa, sabendo que nunca mais veria Gillian, não mais poderia abraçá-lo, beijá-lo, era o que tornava mais pesado, aquele sentimento de desalento, aquela tristeza, nada fazia sentido, parecia que a vida havia lhe dado uma rasteira.
Já á casa de Gillian, Solange ainda com lágrimas relatou a Jean a última coisa que Gillian havia feito:
_ Jean, meu filho te amava demais, foi a última coisa que ele tentou dizer.
_ Eu também o amava... O amo, ele sempre será o grande amor da minha vida.
_ Jean, eu quero que saiba que nessa casa, você sempre será bem vindo, meu filho se foi, ele não voltará, mas você se tornou um pouco meu filho também.
_ Posso dormir essa noite no quarto dele?
_ Se é o que deseja claro que pode.
Jean não hesitou, caminhou até o quarto que tinha o cheiro de Gillian, se trancou ali, e chorou agarrado ao travesseiro.
Durante duas semanas ele permaneceu na casa de dona Solange, aquele quarto se tornou o seu refugio, Stephanny, Douglas e seus pais até tentaram fazer persuadir ele de voltar a própria casa, temiam que ele voltasse a depressão, mas ele permanecia ali na casa de dona Solange.
Certa manhã, a irmãzinha mais nova de Gillian segurou em sua mão, ele a olhou surpreso e a menininha falou calmamente:
_ O Gillian foi morar lá no céu, por que você ainda está no quarto dele?
O romper de suas lágrimas veio acima de suas forças, a garotinha tinha razão, o Gillian não estava mais naquele quarto que ele estava a manter como um santuário, o choque daquela revelação o fez despertar que Gillian não mais estava ali.
Em menos de cinco minutos ele decidiu que precisava sair dali, não podia dimensionar a dor de dona Solange, Alberto e Gláucia, não podia medir a dor que eles sentiam pela sua, mas eles não precisavam ter que ficar se preocupando com ele também, decidido ele os encontrou na sala conversando:
_ Oi.
_ Jean, que bom que saiu um pouco daquele quarto, eu já estava ficando preocupada.
_ Eu sai exatamente por isso, não é certo que eu dê trabalho á vocês depois de tudo o que passaram, tá na hora de voltar para casa.
_ Jean, não é trabalho algum, você pode ficar o tempo que desejar essa casa também é sua, tenho certeza de que o Gillian está feliz por vê-lo aqui, mas ele não estaria feliz vendo você sempre triste, a perda dele sempre irá nos machucar Jean, mas por ele temos que reagir.
_ A pequena Keity acaba de me falar algo que eu entendi como se fosse um recado do Gillian para mim.
_ Que recado?
_ Ela me falou que o Gillian estava morando no céu.
Todos ficaram em silêncio com aquela afirmação da garotinha.
Dez anos depois:
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Meu ex - O tempo não para
RomanceExiste pequenos fragmentos em nós que muitas vezes queremos deixar escondidinho em uma caixa chamada esquecimento, mas nem sempre o que queremos de fato acontece e as lembranças teimam em nos atormentar. O passado vem como uma enxurrada de inquieta...