Aquela noite sozinho ali no quarto do Gillian, com os olhos encharcados de lágrimas Jean relembrava cada momento que ali compartilharam de carinhos, beijos e carícias, e quantas e quantas vezes fizeram amor. No quadro as fotos do noivado dos dois, o sorriso que vislumbrava naquelas fotografias demonstrava o quanto estavam felizes.
Durante a noite pregar os olhos não foi à coisa mais fácil, ficou se mexendo na cama de um lado a outro até que vencido pelo cansaço acabou adormecendo.
O cheiro de café que chegou ao quarto após a noite mal dormida trouxe náuseas ao estômago de Jean, talvez pela bebida que havia ingerido na noite anterior que agora fazia efeito ou simplesmente pelo que estava por vir, aquela seria uma manhã com intensas emoções e ele sabia bem disso, correu até o banheiro, apoiou-se sobre o vaso sanitário, colocando para fora um líquido amarelado, inspirou e expirou logo após e voltou a vomitar, em seguida pressionou o botão da descarga e ergueu-se, fez sua higiene bucal e com as mãos em conchas levou várias e várias vezes água a lavar o rosto, agradecido pela náusea ter dado uma trégua, saiu do quarto e encontrou Solange juntamente com os seus pais.
Fabíola o olhou com os olhos cheios de lágrimas, e caminhou lentamente em sua direção o alcançando em um abraço, Marcelo também se aproximou, pedindo para ficar sozinhos com Jean, esperou Solange os deixar para indagá-lo:
_ Como você está meu filho? _ Eu entendo que todos estejam preocupados com o Gillian, acredite eu também estou, mas eu também estou preocupado com você.
_ Eu estou bem pai, não como queria, mas estou bem.
_ A Solange nos explicou que irão contar ao Gillian sobre a perda da mobilidade dele hoje.
_ Sim, não será nada fácil. Não sabemos como ele receberá a notícia.
_ Jean, eu e sua mãe sabemos o que você passou esses dois anos, você teve que ser até mesmo hospitalizado e o que tem que enfrentar de agora em diante será muito doloroso, eu sei que você ama esse rapaz, mas ninguém terá o direito de te julgar se achar que não pode se responsabilizar por isso.
_ Pai, eu entendo a sua preocupação, mas é exatamente ao contrário eu quero me responsabilizar, eu não deixarei o Gillian nem mesmo se ele me pedir.
_ Jean, você tem noção do que essa doença vai fazer com o Gillian, ele não apenas vai ficar em uma cadeira de rodas, o que vem pela frente vai ser algo cruel com ele, mas acompanhar isso será tão devastador quanto.
_ Eu estou ciente de tudo isso mãe.
_ Nós iremos te apoiar Jean, mas saiba que a hora em que quiser desistir, estaremos aqui para te dar o apoio igualmente.
_ Eu nunca irei desistir pai.
Marcelo e Fabíola não se opôs a decisão de Jean, ainda que mostrasse preocupação com o seu bem-estar, após a conversa eles se foram e novamente sozinho com dona Solange ele forçou um sorriso:
_ Seus pais estão preocupados não é?
_ Estão, mas eles apoiam a minha decisão.
_ Sabe Jean, eu compreendo eles, sou mãe e sei que eles querem o melhor para você, nenhum pai e nenhuma mãe desejam uma vida assim para o seu filho.
_ Quando eles entendem que minha vida só estará completa ao lado do Gillian, não tem outra opção a não ser aceitar.
_ A sua atitude, é a maior demonstração de amor que você poderia dar ao Gillian, eu vejo que ele é um rapaz de muita sorte por ter te encontrado.
Ela segurou as duas mãos de Jean sobre as suas:
_ Obrigada por amar meu filho dessa maneira.
Ela enxugou as próprias lágrimas anunciando:
_ Então vamos, o Alberto e a Gláucia já devem estar lá nos esperando?
_ Vamos.
Mesmo não sentindo uma coragem fora do normal, adentraram o hospital quando chegaram e encontrou-se com o casal que já os esperavam. Apertaram o painel do elevador e enquanto o elevador os levava ao andar do quarto de Gillian, todos permaneceram em silêncio, apresentaram-se a recepção e foram levados ao consultório do doutor que já os esperavam com sua equipe, ali estava um psicólogo, um fisioterapeuta, um nutricionista, um enfermeiro, um assistente social, um fonoaudiólogo e um terapeuta ocupacional, todos eles se apresentaram e deram o seu parecer de como iria trabalhar com o Gillian a partir de então, antes de entrar a psicóloga conversou com eles:
_ Bom, eu primeiro lugar vou me apresentar, meu nome é Valéria, sou psicóloga faz dez anos, comecei a trabalhar nesse hospital faz sete anos, e vou explicar um pouco sobre como iremos trabalhar com o Gillian a partir de agora, antes de qualquer coisa preciso dizer que o apoio da família é muito importante para o paciente, o Gillian já está sofrendo, vendo que aos poucos a doença o estar deixando vulnerável, ele precisa se sentir acolhido, amado, desejado no meio de vocês. Um paciente com ELA não perde a noção do que lhe acontece como em outra doença degenerativa, ele fica ciente de tudo, os neuros motores dele não funcionam, mas a mente está entendendo tudo o que acontece ao redor.
Valéria falava em um tom calmo e tranquilo, olhava a todos nos olhos, perguntava se eles a estava entendendo, pacientemente narrava como seria o trabalhar dela junto com o fisioterapeuta ocupacional, os explicava sobre o tratamento paliativo e depois de afirmar que o bem estar da família também era importante deu acesso direto aos pais, á Gláucia e a Jean de consultá-la quando precisassem de apoio.
Depois de mais algumas informações necessárias o doutor os acompanhou para o quarto de Gillian, de toda a equipe somente dois os acompanharam.
O coração de Jean batia acelerado quando a porta se abriu e Gillian estava deitado de barriga para cima, com o colar cervical, o órtese e a tala em ambos os braços que serviam para posicionar o punho e dedos, isso indicaria quando os músculos começassem a encurtar. Esse aparelho auxiliaria a evitar a deformidade.
Em suas pernas colocaram também a órtese, mas mesmo ao longe já podia se notar que eles estavam tortos.
_ Gillian?
Gillian, ainda não os tinha visto, somente quando o doutor o chamou que ele virou lentamente a cabeça e encontrou o olhar de Jean, no mesmo instante ele tentou desviar a cabeça para o outro lado para esconder que chorava.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Meu ex - O tempo não para
RomansaExiste pequenos fragmentos em nós que muitas vezes queremos deixar escondidinho em uma caixa chamada esquecimento, mas nem sempre o que queremos de fato acontece e as lembranças teimam em nos atormentar. O passado vem como uma enxurrada de inquieta...