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Tentando relaxar Jean se acomodou melhor naquele sofá que os dois dividiam, ficaram ali deitados um de frente a outro e Beto de fato cumpria o que havia prometido, ora roubava um beijo, ora acarinhada o rosto de Jean, porém não tentava nada além disso.

Em algumas horas Jean já havia lhe contado sobre a sua infância ali naquelas ruas, na sua adolescência na escola, no namoro com Gillian, no seu noivado, doença e morte. Beto sabia praticamente toda a sua vida, mas de repente Jean percebeu que não sabia nada a respeito de Humberto Guerra:

_ Desculpa eu fiquei aqui falando sobre mim, mas percebi que não sei nada a seu respeito.

_ Não tem muita coisa interessante para saber sobre mim Jean, sou o filho mais novo de 5 irmãos, meus pais eram pessoas muito simples sabe, quando eu disse a eles que era gay... Bem... Não foi nada fácil para eles aceitarem.

Levantando-se do sofá Beto, caminhou até a janela olhando para o lado de fora, isso não passou despercebido a Jean que o questionou:

_ E o que fez para que eles aceitassem?

_ Tentei fazer eles felizes, me adequei ao que eles queriam.

_ Se adequar ao que eles queriam, como assim, o que foi que você fez?

Jean ergueu o corpo para focar os olhos aos dele:

_ Eu... Eu me casei.

_ Casou, você é casado?

_ Não... Jean não, não sou casado, sou divorciado.

_ Tá entendi, você é divorciado e pela sua expressão seu casamento não foi o melhor casamento do mundo. O rapaz não foi um bom marido?

_ Jean, você não me entendeu, eu não fui casado com um rapaz.

Jean abriu a boca e fechou em seguida:

_ Eu não me orgulho disso se é o que está pensando. Meus pais eram muito religiosos e não aceitariam um filho gay, e então eu tentei ser diferente Jean, tentei me encaixar aos padrões e me casei com uma moça chamada Graziella. Logicamente isso foi um grande erro.

_ Então você se casou com uma mulher para agradar aos seus pais?

Beto fez que sim com a cabeça:

_ Logo nos primeiros meses percebemos o erro, forçávamos um amor que não tínhamos.

Ele deu de ombro:

_ Depois de um ano, ela engravidou, a família toda comemorou, e eu cada vez me anulando mais, até que encontrei um rapaz, o nome dele era Muriel, nos conhecemos na faculdade, nos tornamos amigos e em pouco tempo nos tornamos amantes, de início era tudo perfeito, a barriga da Graziella cada dia crescendo mais, a criança mexendo, e o Muriel começou a ter ciúmes, me pressionava a dar um fim aquele casamento.

Ele pausou a fala e olhou para Jean:

_ Um erro leva você a outro erro Jean, o meu casamento era um erro total, e não tinha como terminar bem, Graziella grávida, Muriel me pressionando, essa era uma mistura que não tinha como dar certo e explodiu, ela descobriu, eu não sabia que o Muriel havia ligado para ela e dito para ela aparecer no local onde sempre nos encontrávamos.

_ E o que foi que aconteceu depois?

_ Ela perdeu a criança, eu me afastei do Muriel, e vim parar aqui, com o único irmão que me apoiou a família toda me virou as costas Jean, meus pais culparam-me pela perda do neto, pelo fracasso do casamento, mas apesar de tudo por mais triste que fosse toda a situação eu me senti livre, finalmente poderia ser quem eu era sem me esconder. Eu perdi tanto tempo querendo agradar a outras pessoas que acabei me anulando Jean, por isso não quero mais perder um segundo, consegue entender.

_ Sim Beto, eu consigo entender, mas é tão errado isso, a pessoa ter que se anular para não perder as pessoas ao redor. Querendo ou não, você foi conivente com os seus pais ao envolver a sua ex mulher nessa história, o Muriel foi errado, muito errado, mas você também não está totalmente ileso.

_ Todos nós temos as nossas bagagens, as minhas são pesadas, difíceis de carregar.

_ E hoje como é a sua convivência com a Graziella?

_ Não temos nenhuma convivência, ela ficou com tudo, casa, carro, bens, tudo. Mas não contou o motivo para ninguém além da nossa família. Para os amigos, e conhecidos ela apenas disse que o amor foi pouco e que não deu certo.

_ Compreendo. Perdoa-me a pergunta, mas se acaso ela não tivesse descoberto, você ainda estaria com ela?

_ Provavelmente, não posso dizer com certeza, aquela vida dupla era torturante Jean. Quando a farsa do casamento perfeito terminou, nos divorciamos e eu quis mudar de vida, vim morar aqui nessa cidade, ninguém conhecia a minha história, a não ser o meu irmão, fiz amigos, arrumei um emprego, eu resolvi viver, resolvi não perder mais tempo, esse pensamento só intensificou com a morte do meu irmão, ele sofreu um infarto fulminante, foi tão de repente a morte dele que percebi que cada minuto conta que não posso perder tempo para ser feliz.

Ele virou-se para Jean:

_ As bagagens que carregamos não pode nos parar Jean, não podemos apagar o nosso passado, mas podemos escrever uma nova história.

_ Eu entendo que você queira apagar o seu passado, que sua história te trás a sensação de que a mudança é essencial, mas a minha história é diferente da sua, eu fui feliz, infelizmente o Gillian faleceu, mas enquanto esteve aqui nós fomos felizes sim.

Beto voltou a olhar para fora, Jean levantou-se do sofá, caminhando até ele, o abraçou enquanto ele estava de costas beijando próximo o seu ombro:

_ A vida nos faz forte Beto, os tombos nos fazem forte, essas cicatrizes que carrega só mostra o quanto a sua história serviu para que amadurecessem.

Beto agora frente a frente com Jean, dominava seus lábios com os seus, em seguida o abraçou forte, pressionando-o contra seu corpo:

_ Eu não quero mais perder tempo Jean, eu perdi tempo demais na minha vida tentando agradar aos outros, consequentemente fiz pessoas sofrerem também com as minhas escolhas equivocadas. Hoje meu filho teria a idade do Gillian, e eu não tenho nenhuma criança embalada nos meus braços.

Enquanto absorvia toda aquela história, Jean se mantinha naquele abraço:

_ Obrigado por compartilhar a sua história comigo, agora que a conheço, me sinto mais próximo a você.

Meu ex - O tempo não paraOnde histórias criam vida. Descubra agora