Os dois ficaram ali deitados, abraçados o dia todo, com o pensamento de viver um dia por vez. Sabiam que teriam que enfrentar uma situação caótica pela frente, mas Jean estava convicto que juntos iriam fazer com que Gillian tivesse uma sobrevida maior que a medicina lhe induzia.
Existiam coisas que não precisavam ser ditas, tanto Jean como Gillian sabia o que aquela doença faria com a vida dele, e mesmo que não estivessem preparados, mesmo que estivessem com medo, Jean não o deixaria, não o abandonaria. A certeza dos seus sentimentos por Gillian ficava ainda mais intensa, mesmo nos momentos em que ele tentava o afastar.
Cada dia vencido era uma luta, havia dias de choros, havia dias que a esperança lhe faltava, havia dias que Gillian se revoltava, e a doença não lhes davam trégua, ela avançava apressadamente.
Jean participava ativamente na vida de Gillian, sempre disponível para ir às consultas com ele, no banho, na troca de roupas, nos momentos felizes e nos momentos não tão felizes assim, entretanto quando a doença se manifestava Gillian se retraia, e as vezes não o deixava ficar perto, e quando seus braços perderam a mobilidade assim como suas pernas, já haviam passados dois dias e ele ainda não permitia a sua aproximação:
_ Gillian, o Jean está aqui filho, ele pode entrar?
_ Manda ele embora mãe. Eu não quero que ele me veja assim.
_ Mas Gillian...
_ Manda ele embora mãe... Eu já disse para mandá-lo ir, eu só quero morrer.
_ Eu não vou embora Gillian, já faz dois dias que você não me deixa se aproximar.
Jean invadiu o quarto não aceitando mais um dia de recusa da parte dele para o ver:
_ Quando é que você vai entender que eu não vou me afastar de você?
Normalmente uma conversa com a psicóloga ajudava para auxiliar que todos esses conflitos dentro dele se acalmassem, mas como as crises estavam se reverberando, Gillian também se repetia em suas crises existenciais. Por duas ou três vezes o flagrou falando sobre morrer:
_ Gill, entenda, nós já sabíamos o que essa doença iria fazer isso, que seria difícil, mas nada me fará mais triste do que ver você desistir da vida assim, chore, grite se desejar, mas nunca mais quero ouvi-lo falar que quer morrer.
Jean levou as duas mãos ao rosto, evitando chorar:
_ Vamos viajar?
_ Viajar Jean, acha que é algo seguro para ele?
_ Nós podemos falar com os médicos dona Solange, e se o Gillian quiser podemos sair daqui e ir para outro lugar só nós dois.
_ Não sei... Só vocês dois, e se o Gillian não se sentir bem?
_ Mãe... Sair um pouco talvez seja bom.
_ Eu irei cuidar dele dona Solange, eu juro que irei cuidar dele.
_ Teremos que ver o que o doutor diz, não sei se estou confiante nessa história de viagem.
Fabíola e Marcelo agiram exatamente iguais quando Jean lhe contou a novidade:
_ Jean, você acha essa ideia legal, nós sabemos que o Gillian precisa de cuidados especiais.
_ Eu irei cuidar dele mãe.
_ Você não é médico, nem enfermeiro Jean, acho essa ideia maluquice. Por mim essa história de viajem está cancelada.
_ Pai eu te respeito, sei que é difícil para vocês entenderem.
_ É difícil sim Jean, faz três meses que o Gillian perdeu a movimentação das pernas, e agora perdeu a mobilidade das mãos, Jean daqui para frente vai ficar mais complicado, sabemos onde isso vai acabar daqui a uns tempos tudo o que ele poderá mover são os olhos, e eu sei que você vai sofrer ao vê-lo dessa maneira, e eu não quero ser cúmplice do seu sofrimento. Filho você está se anulando.
_ Pai, é a minha decisão, eu sou maior de idade e posso decidir o que fazer, eu posso sair daqui sem a sua permissão, mas eu quero, eu preciso do apoio de vocês.
_ Somos os seus pais Jean, como podemos não te apoiar, mesmo achando essa história vai te ferir ainda mais, estaremos sempre aqui para te dar colo.
_ Obrigado mãe... Pai?
_ O Gillian é um bom rapaz, os cinco anos antes de descobrir a doença, sempre tivemos trocas muito boas, mas apoiá-lo nessa loucura filho, eu sinto muito por ele... Claro que tem o meu apoio, para onde pretende levá-lo?
_ Ainda não sei, mas não podemos ir para um lugar longe, caso ele precise de assistência médica.
_ O que acha de levá-lo a nossa casa na chácara, lá o ar é até mais puro do que aqui, e não fica tão longe, e lá estão pessoas de confiança caso você precise de ajuda, tudo o que precisar tenho certeza de que o Victor e a Margarida lhe ajudarão.
_ Como não pensei na chácara antes? _ É uma ótima sugestão, lá é um lugar bonito, com ar puro e teremos privacidade.
Tudo o que Jean queria era fazer com que Gillian tivesse uma vida mais normal possível, que ele percebesse que apesar da doença ele podia sim ter bons momentos, podia se inteirar com o mundo.
No primeiro final de semana após a conversa com o seu pai, Jean buscou Gillian em sua casa, o acomodou no carro com a ajuda de dona Solange, colocou a cadeira de rodas deitada no porta-malas e seguiram para a chácara, antes de acender a lareira arrumou um canto para colocar o colchão no chão e apressou-se em sentá-lo, colocando várias almofadas ao lado de seu corpo com todo o cuidado, depois se ocupou de acender o fogo e voltou-se para perto de Gillian, encostando o corpo dele sobre o seu, quando o ouviu dizer:
_ Jean... Eu queria que tudo fosse tão diferente, que nada disso estivesse acontecendo.
_ Gillian... Você não pode desanimar.
_ Jean... Não, não tente amenizar o que se passa comigo, eu sei que tem tentado me motivar, você inclusive é o único que nunca diminuiu as consequências da doença e o que acontecerá comigo daqui para frente, sabe o que é terrível, é as pessoas tentarem mentir para você para te ver bem.
_ Como assim, quem mentiu para você?
_ As pessoas nem mesmo percebe o que fazem, quando as pessoas me vê, que sabe que tenho esclerose, tentam de verdade me animar com as mentirinhas misericordiosas, tentam amenizar o problema dizendo: "_ Vai dar tudo certo, vamos ter fé, você vai conseguir, entre tantas e tantas mentirinhas", alguns até tentam não mostrar pena sabe, a Stephanny por exemplo é chorona e quando ela veio me ver, escondia as lágrimas para que eu não visse que ela estava chorando.
Ele deu de ombro:
_ Não quero pessoas misericordiosas ao meu lado, isso me faz mal, quero pessoas verdadeiras, que choram, que mostrem que se importa comigo de verdade, que não aja com pena por que sabem que vou morrer.
_ Gill, alguma vez sentiu que eu agi assim com você?
_ Não Jean, você é o único que não age dessa maneira, você não agrava, mas, também não diminui a doença, mas minha mãe às vezes me trata como uma criança, eu estou doente e sei que em breve me tornarei um dependente, mas enquanto eu posso...
Ele parou de falar e deu um sorriso triste:
_ Enquanto eu podia... Eu não queria que ela me desse comida na boca, eu mesmo queria comer, ainda que minha mão tremesse, ainda que a comida caísse no chão. Tudo o que eu queria era ser capaz de fazer algo.
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Meu ex - O tempo não para
RomanceExiste pequenos fragmentos em nós que muitas vezes queremos deixar escondidinho em uma caixa chamada esquecimento, mas nem sempre o que queremos de fato acontece e as lembranças teimam em nos atormentar. O passado vem como uma enxurrada de inquieta...