97.Astrid

44 2 31
                                    


  A realidade podia ser dolorosa e até cruel, quantas vezes não me peguei chorando sem que ninguém percebesse? Quantas vezes foram suficiente para que eu me culpasse.

  E se tudo tivesse sido diferente? E se eu tivesse o escutado? Se tivesse o amado um pouco mais, se tive tentado por ele, Timothée jamais teria feito o que fez. Jamais teria sido tão egoísta, teríamos resolvido tudo juntos.

"Você entende?" Gentlyn me pergunta, mas não ouço nenhuma palavra do que diz e minhas bochechas esquentam, bebo um gole de café. Ela suspira e abaixa a cabeça. "Estamos planejando o funeral para sexta feira."

"Claro." Ethan senta ao meu lado e passa o braço ao meu redor, ele pisca para Gentlyn que não muda sua expressão. "Você estava bebendo?" Ele finge secar uma lágrima na bochecha.

"Eu não lido muito bem com mortes."

  Eu respiro fundo. Não quero que fale dessa maneira na frente de Gentlyn, ela passou por tanta coisa.

Luka coloca um bolo de mirtilo sobre a mesa e senta ao lado dela.

"Obrigado querido." Ela passa a mão nos cabelos dele, estão mais cumpridos agora. Eu sinto tanto pelo olhar que ele está carregando, um olhar sem esperança e vida.

"Nós já vamos indo." Eu digo e pego minha bolsa.

"Eu vou ficar com a vovó." Luka interrompe. Olho para Gentlyn que assente e passa o braço ao redor dele.

"Não se preocupe." Ela sussurra.

   Ethan e eu vamos para o carro.

"Não devia ir nesse funeral." Ele diz ao ligar a marcha.

"Como é?" Digo indignada. "Timothée era uma pessoa importante, para nós dois."

"Só estou dizendo..." Ethan pigarreia com as duas mãos firmes no volante. "Ele foi um egoísta se matando, não pensou em você, na família e nem no próprio filho. Pessoas que se matam são egoístas e gananciosas e Timothée era todas elas."

   Meus punhos se fecham no colo.

"Ele era seu melhor amigo." Ethan ri.

"Era sim." Ele olha para mim pelo canto dos olhos cor de avelã.

"Até ele comer minha namorada."

  Minha boca se abre de surpresa com as palavras, desvio meus olhos para a janela e o silêncio preenche a tensão do ar. Não tenho nada a dizer ao Ethan, ele tem um pouco de razão, Timothée deixou tudo, deixou sua família, seus amigos e seu próprio filho para trás de forma egoísta e cruel. Mesmo assim, ele ainda era humano, e tinha seus próprios conflitos que eu não entendia e nunca fui capaz de entender.

   "Timmy." Ele me olha inclinando-se devagar, apoia-se pelo cotovelo e um pequeno sorriso surge em seus lábios e tem as covinhas que tanto gosto. "Vamos ter um filho." Os olhos dele se arregalam, não sei se ele está assustado ou surpreso.

"Agora?" Ele pergunta ofegante e deita de costas para a cama.

"Agora." Faço cócegas na sua barriga e sua risada se espalha por todo quarto. "Agora mesmo." Suas mãos seguram meus quadris e seus olhos estão me encarando procurando algo.

"Tem certeza?"

"Nós sempre quiséssemos isso e é o momento perfeito."

"Eu também acho." Ele me beija e me deita na cama nos embalando pelas luzes da noite.

    Seco uma lágrima que desce pela bochecha, término a maquiagem, não gosto dessa maquiagem, mas Ethan diz que fica legal, estou usando um vestido preto de saia redonda, a semana passou tão depressa que não vi os dias andarem, Ethan entra no banheiro invadindo e me olha pelo reflexo.

"Tira o brinco." Ele aponta, eu gosto dos brincos, são pequenos e bonitos. Eu suspiro em derrota e os arranco, jogando na bancada. Ethan não está pronto e sei que nada vai mudar a cabeça dele para ir ao funeral de Timothée.

"Você está fedendo a bebida." Eu digo ao sentir o cheiro forte inalando.

"Só tomei duas cervejas. Relaxa aí." Ele sacode a mão e ri. "Quer que eu te leve?"

"A Sra. Chalamet vem me buscar." Ethan assente e me deixa sair do banheiro, encontro Luka sentado nos degraus do hall de entrada, ele está com os fones de ouvido e não me ouve se aproximar, decido não incomoda-lo. Não parece certo. Ele não conhecia Timothée, e a culpa foi toda minha, eu tirei isso dele.

   Me despeço de Ethan com um beijo e sigo com Luka até o carro da Sra. Chalamet, eu nunca a tinha visto, ela não era tão velha assim, as rugas ao redor dos olhos eram finas, os lábios carnudos e os olhos castanhos bonitos. A avó de Timothée.

"Olá querida." Eu aceno. Ela olha para Luka, e tenta sorri, mas é evidente que está muito mais triste que todos nós juntos.

  O silêncio se torna perturbador e me deixa incomodada, até mesmo quando escuto o barulho da minha própria respiração enquanto estamos nos aproximando. O local está cheio de pessoas que não conheço. Luka desce primeiro do carro e eu tomo coragem para fazer o mesmo, Marc vem até mim, ele me abraça, chorando em meu ombro e eu só consigo puxa-ló para meus braços.

  Por que Timothée?

  As pessoas que te amam estão sofrendo e você não está aqui.

  Gentlyn está sentada à distância segurando um lenço contra o rosto, eu tento ir até ela e me sentar ao seu lado.

"Ele me disse uma vez que pensava em morrer." Ela engasgou, esfregando o rosto várias vezes. "Eu pensei que fosse coisa de adolescente."

"Não é culpa sua." Coloco a mão no seu ombro, eu nem sei o que dizer, porque é tudo muito complicado, quando não deveria ser. "Ele tomou uma decisão. Talvez só devemos seguir em frente."

"Como eu vou seguir em frente?" Ela me olha com os olhos arregalados. "Sabendo que errei com meu próprio filho?"

"Você fez seu melhor Gentlyn." Levei a mão até seu rosto e sequei as lágrimas grossas da sua pele. "Eu tenho certeza que ele sabe disso."

  Ela tenta sorrir para mim.

   Luka se aproxima devagar.

"Eu...posso falar umas palavras para o meu pai?" Eu olho para ele, seus olhos estão divagando por qualquer lugar.

"Pode sim, querido." Gentlyn segura seu ombro. Ela se levanta e leva Luka até perto até o caixão de Timothée, junto minhas mãos trêmulas.

"Você é um covarde! Um babaca! Que você queime no inferno por nos deixar!" Luka grita e sai correndo, Gentlyn olha para mim e cai no choro cobrindo o rosto com as mãos, eu levanto e vou atrás de Luka, mas não sei onde ele simplesmente foi.

TOMORROW| Timothée ChalametOnde histórias criam vida. Descubra agora