5. Sentimentos que não morrem

6K 508 222
                                    

— O que você está sugerindo? Que a gente se afaste, corte qualquer contato? — A loira perguntou, claramente abalada, enquanto seus olhos continuavam a encarar a aliança presente em seu dedo.

— Bom, não é como se nós fôssemos próximas uma da outra, não é? De qualquer forma, eu gosto de esclarecer os assuntos antes encerrá-los. — Simone descansou sua mão direita sobre a mão esquerda de Soraya, que voltou seu olhar para a ex-professora, e atual... Amante?

Se bem que, da forma que a mais velha falou, deu-se a entender que ela gostaria de encerrar o caso que mal havia começado. Isso deveria ter trazido alívio para a mais jovem, mas, o que ocorreu de fato, foi que ela se magoou.

— Encerrar um assunto... Eu sou um assunto que você quer encerrar... Tá certo. — Soraya sorriu como se estivesse debochando de si mesma, mas não afastou sua mão do toque de Simone. — Não sei o que deu em mim pra imaginar que essa baboseira pudesse significar alguma coisa.

— Soraya... — A morena chamou calmamente, enquanto acariciava a mão da loira, que já estava novamente olhando para outra direção qualquer. — A única coisa que eu gostaria de encerrar, é a nossa distância nesse momento. Acontece que entendo a gravidade disso, sei que não seria prudente. Mas, por favor, não pense que foi um simples caso de uma noite pra mim, porque durante muitas delas era em você que eu pensava.

Simone Tebet não tem o costume de agir por impulso, e não foi diferente dessa vez. Ela falou exatamente o que queria, o que sentia que precisava falar. Já que ela havia se aberto, literalmente, durante a noite, por que não abrir seu coração de forma figurativa agora?

Quem acabou por não saber o que falar, foi Soraya, que ficou boquiaberta encarando sua antiga professora. Logo sua expressão incrédula se desfez num sorriso sem graça, que ela tentou conter sem muito sucesso. A loira usou a mão livre para colocar uma mecha de cabelo atrás da orelha, e sua expressão voltou a ficar séria.

Soraya Thronicke é o tipo de pessoa que, às vezes, vai do riso às lágrimas rapidamente.

— Não pode ser, meu Deus. Isso não está certo. — A mais jovem se levantou, fechou os olhos e levou as mãos espalmadas sobre o rosto.

A situação deixou Simone sem saber o que fazer; ela não sabia se ia embora ou se tentava acalmar a senadora. Apesar de tentar afastar o nervosismo que sentia, o contexto atual também não era nada fácil para ela.

— Soraya, me desculpe. — Simone também se colocou em pé, mas não se aproximou de sua ex-aluna. — Não era minha intenção te deixar assim. Eu vou me retirar, e você pode ficar tranquila, não precisamos complicar ainda mais essa situação.

Toda essa picuinha não poderia acontecer num momento melhor: as eleições presidenciais de dois mil e vinte e dois. Isso deu nos nervos das duas mulheres, porém, Simone era mais controlada e lidava melhor com suas emoções e sentimentos.

Antes que Tebet chegasse até a porta, ela sentiu um aperto em seu braço. Uma expressão de surpresa surgiu em seu rosto, antes que a mesma voltasse seu corpo em direção a mais nova, que a segurou e encarou de forma profunda antes de fechar os olhos e aproximar seus rostos. A loira envolveu o pescoço de Simone com as mãos, e roçou seus lábios lentamente nos da mais velha, que tentou não se derreter com o carinho, e elas ficaram assim por mais de um minuto. A morena manteve suas mãos nas costas de Soraya, acariciando de forma suave. As testas descansaram uma contra a outra enquanto elas se encontravam submersas numa conexão só delas.

Soraya se afastou um pouco para poder observar a mulher a sua frente, e seus olhos a encaravam como se estivesse de frente para uma obra de arte; e de fato era isso mesmo, foi sempre assim que a loira enxergou sua antiga professora, que continuava com os olhos fechados e estremeceu quando sentiu a mais jovem acariciar seu rosto.

O polegar de Thronicke contornou os lábios de Simone delicadamente, e a loira ameaçou avançar para cima deles, mas em vez disso, pensou melhor, e começou a espalhar beijinhos pelo rosto da mulher, que a segurou mais perto. Tebet abriu seus olhos e usou suas mãos para segurar o rosto da mais jovem, que cessou os selinhos para encarar o olhar da mulher que sempre mexeu com seus sentidos; porém nunca de forma tão perigosa quanto atualmente.

— Se você for embora agora, eu sei que os meus sentimentos vão adormecer aqui dentro de novo. — Soraya suspirou, fechando os olhos por alguns segundos até voltar a encarar a outra mulher. — Mas o problema é que eles nunca morrem.

Simone ficou em silêncio, seu coração acelerou, e o cérebro trabalhava em busca de uma solução. Enquanto isso, ela juntou seus corpos num abraço, tentando não estremecer quando a loira enterrou o rosto em seu pescoço. A mais jovem queria aproveitar o momento para sentir o calor da pele, o perfume, o toque de sua antiga professora, que também não deixava de ser sua paixão de longa data.

Ambas sabiam que a atitude mais correta a se tomar seria: cortar todo e qualquer contato, além de fingir que nada aconteceu. Seria mais simples se o sentimento entre as duas fosse apenas de luxúria, mas não era o caso, não era apenas uma atração banal, nunca foi.

Elas nunca haviam traído seus respectivos maridos antes, e não as agradava em nada a ideia de que poderiam destruir tudo o que construíram durante quase três décadas com os homens com quem se casaram.

Tebet manteve-se acariciando as madeixas da mulher agarrada em seu pescoço, e depositou um beijo no topo de sua cabeça. Os olhos da morena permaneceram abertos, e ela observava o céu pelo pequeno espaço entre as cortinas.

Ela clamou, mentalmente, por alguma ajuda divina; não para pensar em qual seria a atitude correta a se tomar, pois isso era óbvio. Ela queria mesmo era ter coragem para se desvencilhar dos braços de Thronicke, porque dos sentimentos, depois de tantos anos pedindo para que Deus e os anjos tirassem dela, ela sabia que não se livraria. Era um caso perdido.

— Soraya... — O tom de voz da mais velha é baixo, e ela continuava entrelaçando os dedos nos cabelos loiros. — Nós somos duas mulheres bem crescidas, sabemos qual é a atitude correta a se tomar nesse caso... É isso o que você quer?

Soraya levantou o rosto e afastou um pouco o seu corpo, mas sem cortar o abraço, ela apenas queria conseguir olhar melhor nos olhos de Simone.

— Isso o quê? Que você vá embora agora? — Recebeu um aceno de cabeça vindo da morena, confirmando sua pergunta. — Não, não é isso o que eu quero, e você sabe. É o certo a se fazer, mas não.

A loira voltou a se sentar, e fez sinal para que Simone fizesse o mesmo. A mais velha se juntou a ela e cruzou as pernas, deixando seu corpo de lado, voltado para Soraya.

— Você se lembra do último dia em que nos vimos antes das campanhas presidenciais? — Simone perguntou, enquanto usava sua mão direita para apertar a própria coxa, como forma de tentar fazer seu cérebro entender que não deveria tocar a mulher ao seu lado.

— Hum... Foi durante a CPI da Covid, não foi? — Soraya não entendeu o motivo do questionamento, e esperou que a mulher ao seu lado continuasse a falar.

— Foi. — Foi tudo o que Tebet respondeu, mantendo o olhar sereno na loira.

— Mas, o que é que tem? — As sobrancelhas de Soraya franziram em questionamento.

Dessa vez foi a mulher mais velha que desviou o olhar durante alguns segundos, enquanto respirava fundo e apertava sua coxa com mais força. Ela olhou novamente para o céu, enquanto pensa se deveria abrir a boca.

Quando sentiu Soraya colocar a mão sobre a dela, a tomando para si e segurando num aperto gentil, ela acreditou que recebeu a resposta para a dúvida que estava carregando em seu peito.

— Naquele dia, eu e meu marido tivemos uma briga que quase acabou com nosso casamento. — Simone voltou a conectar seu olhar com o da mais nova, que ergueu as sobrancelhas em sinal para que ela continuasse. — Ele entendeu o que eu sentia por você, quando eu mesma não entendia.

Musas de Direita - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora