Capítulo 55

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   Darius olhou à sua volta. A tranquila neblina do fade havia se dissolvido, revelando um pátio de mármore branco. Na parte central, à água cristalina de uma fonte jorrava numa dança faiscante, captando a luz difusa para refleti-la de forma mais intensa. Os pássaros cantavam melodias, como se lhe dessem boas-vindas e anunciassem sua chegada.

Então, esse lugar realmente existe, pensou.

_ Bom dia, Darius, filho de Marklon.

   Ele se deixou cair de joelhos sem se virar e abaixou a cabeça.

_ Virgem Escriba. Muito me honra com essa audiência.

   Ela sorriu. Apesar de ter a cabeça baixa, quando ela se colocou se diante dele pôde ver a barra de seu traje negro. A luminosidade que se filtrava por baixo da seda era tão intensa como a luz do sol.

_ Darius, como eu poderia recusar? É a primeira que solicitou em toda sua vida _ ele sentiu que algo roçava seu ombro, e que o cabelo da nuca formigava.

_ Levante-se. Quero ver seu rosto.

   Ele ficou de pé, muito mais alto do que aquela figura diminuta. Mantinha as mãos entrelaçadas diante de seu corpo.

_ Então, quer dizer que o fade não lhe agrada, princeps? _ perguntou ela.

_ E deseja que o mande de volta?

_ Manifesto humildemente tal pedido, se o mesmo não constituir afronta. Esperei o período requerido. Gostaria de ver minha filha, mesmo que só uma vez. Se não constituir afronta.

A Virgem Escriba sorriu de novo.

_ Devo dizer que a maneira como apresentou a mim foi melhor que a de seu rei. Seu modo de falar não condiz com o de um guerreiro.

Houve um silêncio.

   Naquele momento, pensou em seus irmãos.

   Como sentia falta de Wrath. Sentia falta de todos.

Mas quem desejava ver era Beth.

_ Ela se casou _ disse a Virgem Escriba  bruscamente.

_ Sua filha se casou com um macho de valor.

   Ele fechou os olhos, sabendo que não devia perguntar. Entretanto, morria de vontade de saber. Espera que Elizabeth fosse feliz com o parceiro que escolhera, fosse quem fosse.

   A Virgem Escriba parecia se deleitar com o seu silêncio.

_ Olhe para você, nenhuma pergunta. Que controle! E já que foi extremamente educado, direi o que deseja saber. Casou-se com Wrath, que assumiu o trono. Sua filha é rainha.

   Darius deixou a cabeça pender, sem querer revelar suas emoções, desejando que ela não visse as suas lágrimas. Não queria que pensasse que era um fraco.

_ Oh, princeps _ disse a Virgem Escriba com brandura.

_ Há tanta alegria e tristeza em seu peito... Diga-me, a companhia de seus filhos no fade não é suficiente para contentar seu coração?

_ Tenho a sensação de que a abandonei.

_ Ela já não está só.

_ Isso é bom.

Houve uma pausa.

_ E ainda deseja vê-la?

Ele assentiu.

   A Virgem Escriba se afastou, dirigindo-se o bando de aves que trilavam felizes sobre uma árvore branca coberta de flores brancas.

_ O que você deseja, princeps? Pensa em lhe fazer uma visita? Algo rápido? Em seus sonhos?

_ Se não constituir afronta _ mantinha a linguagem formal porque ela merecia tal deferência. E porque esperava que isso a convencesse.

   A negra veste se moveu, e entre eles surgiu uma luminosa mão. Uma das aves, um tordo, pousou em um de seus dedos.

_ Foi assassinado de forma desonrosa _ disse, acariciando o minúsculo peito do pássaro.

_ E pós ter servido à raça por séculos. Foi um princeps honrado e um extraordinário guerreiro.

_ Causa-me grande alegria saber que meus atos lhe agradam.

_ Verdadeiramente _ ela assobio para a ave. A ave assobio de volta, como uma resposta.

_ O que diria, princeps, se eu lhe oferecesse mais do que solicitou?

O coração de Darius começou a bater com força.

_ Diria que sim.

_ Sem saber qual é o presente ou o sacrifício?

_ Confio em você.

_ E por que não poderia ser rei? _ perguntou ela ironicamente, enquanto soltava o pássaro e voltava a encará-lo.

_ Ofereço lhe de novo a vida, um encontro com sua filha e a oportunidade de lutar uma vez mais.

_ Virgem Escriba... _ deixou-se cair de joelhos novamente.

_ Aceito, mesmo sabendo que não mereço tamanhos favores.

_ Não o recriminarei por essa resposta. Mas terá de se sacrificar. Não terá uma lembrança consciente dela, porque não será como é agora. E exijo uma amostra de sua habilidade.

Ele não compeendeu suas últimas  palavras, mas não tinha intenção de perguntar.

_ Aceito.

_ Tem certeza? Não precisa de certo tempo para refletir sobre isso?

_ Obrigado, Virgem Escriba. Mas minha decisão está tomada.

_ Então, que assim seja.

   Aproximou-se dele. As fantasmagóricas mãos surgiram das negras pregas de sua túnica ao mesmo tempo em que o véu que cobria seu rosto se ergueu sozinho. A luz era tão ofuscante que ele não conseguiu ver seus traços.

   Enquanto ela seguravá-o pelo queixo e a nuca, ele estremeceu ao sentir sua tremenda força. Seria capaz de esmagá-lo em um segundo.

_ Dou a você a vida outra vez, Darius, filho de Marklon. Que encontre o que procura nessa encarnação.

   Pressionou seus lábios contra os dele e Darius sentiu o mesmo choque que tivera quando morreu. Todas as suas moléculas explodindo no ar, a fragmentação de seu corpo. A liberação e ascensão de sua alma.

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