Capítulo 69

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Enquanto caminho pela floresta imagino o rosto de minha irmã, mil coisas se passam por minha cabeça, inclusive em como ela poderia estar nesse momento, e se serei capaz de salva-la, a única certeza que tenho é que farei o que for preciso para vê-la em segurança, minha respiração se apresenta ofegante, o silêncio é tanto que posso ouvir claramente os pássaros pulando de um galho ao outro como se estivessem dançando.

  A medida que caminhamos, percebemos os raios de Sol que ainda existiam se dissipando aos poucos, até não existir mais nenhum, a noite caí na floresta, a tornando mais densa com a escuridão, quando eu era criança minha mãe sempre contava histórias sobre a escuridão existente dentro de cada um de nós, o que eu não sabia era que ela sempre foi a própria escuridão.

   Domenico segura em minha mão, enquanto Karmin, Dandara e Andrella caminham compassadamente ao nosso lado, Dandara insistiu tanto em vir conosco que não conseguimos deixa-la para trás, a sua proteção com Domenico tem se tornado cada dia mais incômoda para todos nós.
— Vai ficar tudo bem monstrinha, você é forte o suficiente para isso. — Suspiro agoniada o encarando, penso em forçar um sorriso para acalma-lo mas seria em vão.
— Eu só quero acabar logo com isso, encontrar a Elle, e sumir desse lugar, viver como vivíamos antes disso tudo, mudando de uma cidade para outra, eu acabei com a vida deles, acabei com a vida de todos vocês.
— Você não teve culpa...
— Eu só quero ver a Elle e o bebê em segurança, se for o melhor a ser feito eu sigo sozinha.
— Ah dhampir é lindo da sua parte, emocionante, mas não creio que a bruxa irá aceitar algo assim.
— Então convence o seu lorde a não nos atacar, todos nós sabemos que com profecia ou não, eu não sou capaz de sequer encostar um dedo nele, se eu o confrontar ele me mata, se eu não o confrontar ele me mata do mesmo jeito, e a Elle jamais permitirá que ele me mate, o que a deixará sem chão, ela não pode ir contra o amor que sente por ele.
— O lorde jamais desiste de seus planos, se ele precisar matar você, ele fará.
— Então cale-se e proteja a minha irmã.
— Com a minha própria vida minha cara dhampir.
— Assim espero. — Solto a respiração que nem havia percebido estar presa, suas palavras acalentam meu ser inquieto.

   Seguimos o resto do percurso em silêncio, apesar da minha mente está uma bagunça, cheia de perguntas. E se ela não estiver bem? E se a louca da Zella a feriu ou se o bebê já nasceu? Tudo que quero é ver minha irmã bem e com o seu filho nos braços, mesmo que isso signifique que eu não possa estar por perto e vê-la feliz de longe. Mesmo que o Drácula não chegue a me matar, ele nunca vai se permitir viver no mesmo teto que eu e minha família e por mais que eu ame minha irmã, não sou egoísta ao ponto de fazê-la escolher qual lado ficar, por culpa de todos nós, ela já sofreu demais.
— É aqui! Esteja pronta Hadassa, não me faça perder tempo. — Encaro duas mulheres paradas em nossa frente, Domenico aperta minha mão, enquanto uma onda de emoção toma conta de nossos corpos, Dandara dá um passo para trás, enquanto uma das mulheres deixa uma lágrima escorrer por seus rosto pálido, seus cabelos longos e castanhos aperfeiçoam seu rosto, já a outra possui cabelos curtos e cacheados, também muito linda, seu rosto rosado dá a luz que falta no rosto da outra. — Não quero uma reunião de família no momento, viemos aqui para encontrar a jovem bruxa, tenho ordens restritas do mestre para matar qualquer um que ousar ir contra o maldito ritual.
— A minha família é composta por Dandara, Hadassa e Emanuelle, desconheço qualquer outra pessoa... E... Bem vinda de volta Ágata.
— Domenico, sempre receptivo, Dandara, continua linda, Karmin bons ventos a trazem... — Posso sentir o olhar de Karmin queimar a pobre mulher, que continua risonha, como se estivesse acostumada com a vampira. — Dhampir, é muito bom conhecer a mulher que acabará com o reinado de Drácula, quero que saiba que precisamos seguir a diante, chegará um ponto em que você terá que seguir sozinha conosco, como Domenico já disse me chamo Ágata, a mãe de Gustav, sequestrada por Karmin e Romuel, e essa ao meu lado é Befana, mãe de Domenico e Dandara... Presumo que já tenha ouvido falar dela, e Domenico... — A mulher pausa levemente sua fala, talvez esteja preocupada com a reação do híbrido, posso sentir sua dor exalar de algum ponto em seu corpo, de alguma forma o coração de Domenico ainda bate, talvez por seu lado híbrido, mas creio que ele nem perceba tal ação, pobre Domenico, conhecera a mãe por fotografias e histórias contadas por sua irmã, talvez malvada, talvez louca, Dandara tem um pouco de insanidade dentro de si... — A Befana tem muito o que conversar com você e sua irmã; mas preciso dela para o ritual, terão outras oportunidades, espero que tenham paciência, devemos nos encontrar com Angèle... — Ágata continua falando, porém não ouço nada além de "Angèle", um arrepio toma conta de meu corpo, um vento frio sopra ao nosso redor, a noite fica cada vez mais escura, e com ela sinto todo o terror se aproximar.
— "Os mortos estão voltando." — Ouço um sussurro em meu ouvido, juntamente com uma risada estridente, risada a qual somente eu ouvi.
— Eu não vou deixar a Hadassa, não importa o que vai acontecer nesse ritual, eu estarei com ela. — Domenico retruca, me fazendo voltar em mim.
— Chegará o momento em que terá que fazer uma escolha... Não é uma escolha fácil, Befana sabe muito bem disso...
— Chega disso...  Cansei de escutar tanta bobeira, estamos nesse mundo para vencermos, nem que para isso precisemos matar uns aos outros, agora vamos seguir em frente, ou mato todos vocês, e vou sozinha salvar a bruxa. — Karmin se irrita me empurrando, o que faz Domenico bufar chateado.
— Acha que ficar com ela agora vai fazer alguma diferença? Olha aqui seu projeto de Drácula, só elas podem seguir, a gente não, vê se enfia isso na sua cabeça e não se esqueça que graças a sua teimosia estamos apenas perdendo tempo e nada mais, talvez nesse momento a Emanuelle e a cria dela podem estar sendo torturadas ou pior, já estão mortos! — Karmin continua falando irritada, ao ponto de suas presas aparecem.
— Não fala isso da minha irmã... — Falo quase gritando só de imaginar a cena em minha cabeça. Karmin me encara.
— Então faça esse imbecil entender a situação!
— Olha aqui Karmin!
— Basta! - Grita Ágata. — Domenico, por favor... Espere aqui ou de nada irá adiantar ter vindo até esse lugar, você não pode nos acompanhar, então pare de ser um garoto mimado e se aquiete, e você Hadassa, já é uma mulher e muito bem vivida, tome suas atitudes, ou nos acompanha para salvar sua irmã ou deixe o tempo correr e apenas receba a notícia de que ela se foi e veja esse mundo queimar... E lembre-se sempre Hadassa, você é a nossa guia para um mundo melhor, suas atitudes definirão o que será de nós.
— Domenico, se eu não sair de lá salve a minha irmã, e cuide dela e do meu sobrinho, Dandara não deixe o Domenico fazer nada além do que pedi, use todo o seu potencial de manipulação para obriga-lo a sair daqui, Karmin mate a Dandara se ela deixar o Domenico ir atrás de mim, e não deixe seu lorde maltratar minha irmã novamente, e cuide para que o bebê dela não seja um louco sanguínario como nós... Befana, Ágata precisamos ir... — Abraço Domenico como se fosse a última vez que pudesse senti-lo em meus braços, seu beijo feroz me faz querer desistir de tudo e sumir dali o mais rápido possível, demoro alguns segundos para me desprender de seus braços, nossas mãos vão se soltando aos poucos até ficarem apenas as pontas dos dedos juntas, temo por ser a última vez que o vejo.
— Eu te amo monstrinha...
— Eu também te amo... híbrido, você foi a melhor coisa que me aconteceu até então... — Sorrio, entre as lágrimas, virando as costas para eles...
— Hadassa... — Dandara me faz parar, olho novamente para trás, fitando em seu rosto confuso. — Volte para nós.
— Cuide-se Dandara, e cuide do Domenico.
— Sempre... — Assinto com a cabeça, seguindo para a escuridão, ao lado de Ágata e Befana...
— Você o ama de verdade? — Pergunta Befana, franzo o cenho a encarando, a mesma carrega uma tocha nas mãos, o vento insiste em tentar apaga-la.
— O Domenico é um vampiro maravilhoso, é tudo o que eu sempre tive, por mais que nossa vida não tenha sido um mar de rosas, ele sempre esteve lá para mim quando precisei, eu o amo com todo o meu coração.
— Como ele é?
— Ele é ranzinza, calado, não tem controle sobre seus sentimentos, ou ele ama intensamente, ou odeia com a mesma intensidade, ele pode te matar com um simples movimento, ou pode te proteger com a própria vida.
— É muito parecido com o lorde.
— Ele odeia o seu lorde, com a mesma intensidade que me ama, o Domenico nunca perdoará vocês. — Befana suspira chateada, talvez meus últimos momentos respirando sejam gastas magoando mais uma pessoa.
— Como vocês se conheceram?
— Ele me transformou, sou dhampir graças ao meu marido, ah e ele me odiava com a mesma intensidade que... Na verdade ele não me odiava, ele me amou desde o primeiro dia que me viu, mas eu sempre fiz besteira, fui estuprada e morta por um vampiro que achava ser humano, quando Domenico me encontrou ele estava terminando de sugar o meu sangue, o Domenico, junto a Dandara e Romuel me salvaram, Domenico me salvou, me deu seu sangue, eu não me lembrava de seu rosto, lembrava dos seus olhos negros, do sabor de seu sangue, do seu cheiro, mas minha mente bloqueou o resto, até o dia que ele confessou seu amor por mim, e me contou toda a verdade, Domenico me salvou todo esse tempo, eu fazia merda ele me salvava, me protegia, mas também me mostrou seu pior lado, ele me maltratava, toda vez que eu me aproximava dele, ele me empurrava em um canto, apertava meu pescoço, e me ameaçava, ele dizia me matar de mil formas diferentes.
— Mas porque, se ele te amava?
— Ele fez tudo isso para se proteger, ou me proteger, eu não sei, o Domenico é assim, nada do que ele fala ou faz tem justificativa, ele simplesmente faz, ele simplesmente é, e eu o amo por isso, se ele não tivesse aparecido aquele dia, eu estaria morta há séculos, e não teria tido a chance de amar o ser incrível que ele é, o Domenico não se parece com o Drácula, ele é bom, é gentil, por mais que ele não demonstre esse lado, ele tem revirado o mundo para salvar a Elle, assim como fez quando eu perdi o controle, quando a Elle me acertou com seus poderes e eu fui até o inferno, o Domenico fez o impossível para que eu voltasse para ele, ele nunca desistiu de mim.
— Eu queria tê-lo visto crescer.
— Não, você não queria, você o abandonou, foi viver a vida servindo o seu lorde, não force um sentimento que não existe.
— Hadassa tem razão Befana, de todos nós, você é a única que nunca foi prisioneira dele, você sempre foi livre para ir e vir, mas preferiu usar um nome falso e deixar seus filhos se protegerem, ou morrerem tentando, você fez a sua escolha... Agora devemos parar de nos lamentar e começar o ritual, é aqui que habita o espírito de Angèle de la Barth. — Olho para os lados, há árvores enormes que nos cercam, uma pedra enorme posicionada perfeitamente em cima de outras duas, formando uma mesa, em cima dela há velas, taças de prata, uma adaga, e uma jarra também de prata, paro em frente a mesa, encarando as mulheres.
— Vão me explicar que espécie de ritual será esse? — Pergunto.
— Você terá que confiar em nós, vamos precisar que coloque seu sangue na jarra, o suficiente para que possamos beber, as três. — Ágata começa a falar, fico apenas a ouvindo. — Assim que bebermos o seu sangue, vamos invocar Angèle de la Barth, ela aparecerá e nos dirá onde está Emanuelle.
— Se eu bem conheço a minha mãe ela jamais vai dizer.
— Ela será obrigada a dizer, não se preocupe. — Befana tira uma espécie de algema de uma bolsa, a única coisa que se passa pela minha cabeça é que estaremos as três mortas antes do Sol nascer.

♧♧♧

  Meu corpo treme pelo frio que assola toda a minha carne, meus pés descalços e sujos, inchados pela gravidez, porém minhas pernas magras devido ao bebê sugar dia e noite, e devido a fome que tenho passado desde o dia em que fui posta nessa cela, algumas vezes um homem me trás sangue, sinto que meu bebê gosta do homem, porque é o único que não tenho vontade de matar sempre que se aproxima, Zella vem me ver para contar cenas picantes que aconteceram entre ela e o lorde, talvez a acalente, já que ele não a tocará nunca mais, pobre Zella, mesmo eu meu estado, suja, fétida, grávida e magra, continuo sendo mais amada pelo lorde do que ela, pois sei que ele entrará por essa porta a qualquer momento e me tirará desse lugar, algo dentro de mim sente que ele não desistiu de nós.
— Ele não pode... Nem ele nem aqueles dois tontos apaixonados! — Falo com a imagem de Domenico e de Dassa em minhas memórias.

Tento mudar minha posição, ficar muito tempo sentada faz as costas doerem e a parede úmida e fria não ajuda muito para o estado do meu corpo. Meus lábios se racham ainda mais, assim que comprimo os lábios em uma careta de dor pela movimentação em meus músculos. O gosto metálico atinge minha língua, assim que a passo sobre os ferimentos na tentativa de molhar os lábios ressecados.

Gemi de dor e de desgosto ao ver que a única coisa que consegui fazer foi esticar as pernas e nada mais. Por conta do frio, o corpo está ficando rígido o que só me preocupa ainda mais o estado da minha saúde e a do bebê.

Fecho os olhos no intuito de fazer com que as lágrimas que surgiram, parem. Mas acaba sendo em vão, assim que uma pontada forte atinge minha barriga.
— Devia segurar o choro minha pequena Emanuelle, assim ficará mais desidratada. — Ouço sua maldita voz na escuridão, em pensar que dividimos a mesma mesa, a mesma casa, meu pai os tem como irmãos, um ódio cresce em meu coração enquanto o barulho de seus passos fica cada vez mais forte, demonstrando que ele está cada vez mais perto da cela.
— Atlas Oberon... seu maldito traidor... o que meu pai pensa disso? — Falo com dificuldade.
— Há coisas em nossa profissão que devemos manter em segredo, seu pai não é mais um caçador, é um fodedor de dhampir... — Arfo com a dor pontiaguda que ultrapassa meu ventre. — Então a bruxinha não sabia? Sua amada amiga gosta de trepar com seu amado pai, imagine os dois suados, o cheiro da testosterona no ar, seus corpos colados, respirações ofegantes, ela nua sentada no pau dele, e ele acariciando cada centímetro do corpo lindo dela, aquela dhampir mataria qualquer um de tesão. — Atlas abre a cela vindo em minha direção lentamente, enquanto choro em silêncio. — Eu foderia sua amada se ela estivesse aqui.
— Você gosta de foder com monstros não é mesmo? — Falo secando minhas lágrimas.
— Eles tem um lado extraordinário minha cara, mas você é o único monstro com quem eu não foderia, nem se você estivesse em um estado melhor, não consigo ver o que Claud ver em você, é sem graça, sua única serventia será morrer para uma nova geração nascer.
— Você é um caçador de monstros, porque infestar o mundo de monstros? Não é contraditório? — Pergunto o fazendo sorrir.
— Eu não vou infestar esse mundo de monstros minha cara, há algumas horas, eu os terei todos aqui nesse Castelo, inclusive seu lorde, e então eu matarei cada um de vocês, e o mundo estará livre de monstros como você.
— O Drácula vai matar você.
— Desde sempre eu caço monstros e os mato, e não vai ser nas mãos de um deles que eu morrerei.
— Vai ser sim, eu vou ver o Drácula arrancar a sua cabeça e joga-la por essa janela.
— Veremos, quem vai matar quem, não serei eu a morrer essa noite... Mas não é sua hora de morrer, trouxe água, você terá que beber, Zella tem um belo vestido para você usar, ela vai dar um banho em você, pentear seus cabelos, você morrerá .... mas pelo menos estará descente... — Atlas me entrega a garrafa com água, a pego, virando em minha boca, me engasgando assim que a água encontra a minha garganta. — Calma bruxinha, você terá que está bem viva antes que aquela coisa atinja o seu cérebro e o eletrocute. — Assim que termino de tomar a água, Atlas me pega em seus braços e me carrega pelos corredores do calabouço, encaro o teto em todo o percurso, lembranças vem em minha mente quando ultrapassamos o salão de festas, subindo uma grande escada, como ele disse, vou morrer ao menos descente.

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